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Thomas Friedman: Cinco sugestões de leitura para as festas de fim de ano

Eleições dos EUA mostraram que americanos continuam prezando pela democracia

Por Thomas Friedman (The New York Times)
Atualização:

Sempre desfruto do jantar de Ação de Graças, mas o deste ano vou saborear particularmente com gosto à luz das eleições de meio mandato. Elas trouxeram à tona algo belo, decente e de vital importância na alma dos Estados Unidos: a disposição de defender o âmago da nossa democracia — nossa habilidade de realizar transferências de poder pacificamente e legitimamente — quando ela esteve sob ameaça iminente de Donald Trump e seus imitadores.

Se tivéssemos perdido nosso compromisso com a solene obrigação segundo a qual um partido entrega o poder para o outro harmoniosamente, estaríamos hoje totalmente perdidos como país. Mas em vez disso, a democracia foi reafirmada. Americanos o suficiente — republicanos com princípios, democratas e independentes — rejeitaram em suas cédulas quase todos os mais proeminentes negacionistas eleitorais trumpistas que concorriam aos principais cargos estaduais e federais.

Trabalhadores do condado de Maricopa, no Arizona, contam votos durante as eleições de meio de mandato dos EUA Foto: Joshua Lott/Washington Post

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Ao “usar as ferramentas da democracia para proteger a democracia”, conforme coloca o website de notícias e análises Vox, esses eleitores reconectaram o país com algo profundo em nosso legado — que perdedores reconhecem a derrota elegantemente e seguem a vida, e vencedores ganham elegantemente e governam. Em celebração a essa tradição, ofereço a vocês estas cinco sugestões de leitura para as festas de fim de ano:

- 19 de setembro de 1796, trechos do discurso de despedida do ex-presidente George Washington, no qual ele informa que não buscará um terceiro mandato e discorre a respeito de importantes lições que aprendeu:

“A unidade de governo que nos constitui como um só povo agora também é apreciada por vocês — e é justo que assim o seja; pois ela é um pilar fundamental no edifício de sua real independência, suporte de sua tranquilidade no lar, de sua paz no estrangeiro, de sua segurança, de sua prosperidade, daquela mesma liberdade que vocês tanto prezam. (…) Estimem com propriedade o imenso valor da União nacional para sua felicidade coletiva e individual. (…) Com tais motivações poderosas e óbvias no sentido da união afetando todas as partes do nosso país, (…) sempre haverá razão para desconfiar do patriotismo daqueles que em qualquer disputa possam lutar em nome de seu enfraquecimento. (…)

“A base dos nossos sistemas políticos é o direito do povo de fazer e alterar suas constituições de governo. Mas a constituição que exista a qualquer momento dado, até que seja mudada por algum ato explícito e autêntico do povo inteiro, é sagrada e obrigatória para todos. A própria ideia do poder e do direito do povo de estabelecer governo pressupõe o dever de todos os indivíduos obedecerem ao governo estabelecido.”

- 13 de dezembro de 2000, discurso de reconhecimento da derrota nas eleições de Al Gore, após a Suprema Corte decidir que a eleição daquele ano fora vencida por George W. Bush:

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“Boa noite. Conversei com George W. Bush há pouco e o parabenizei por se tornar o 43.º presidente dos Estados Unidos. (…) Quase um século e meio atrás, o senador Stephen Douglas disse a Abraham Lincoln, que acabava de derrotá-lo na disputa para a presidência: ‘O sentimento partidário deve dar lugar ao patriotismo. Estou com o senhor, presidente, Deus o abençoe’. Bem, nesse mesmo espírito, eu digo ao presidente-eleito Bush que o rancor partidário remanescente deve ser colocado de lado, e que Deus o abençoe em sua condução deste país. Nenhum de nós imaginou esse longo e difícil caminho. Certamente nenhum de nós desejou que isso acontecesse. Mas foi assim, e agora acabou, resolvido como deve ser resolvido, por meio das honradas instituições da nossa democracia. (…)

“A Suprema Corte dos EUA se pronunciou. Que não haja nenhuma dúvida: ainda que eu discorde fortemente da decisão da corte, eu a aceito. Eu aceito o caráter definitivo deste desfecho, que será ratificado na próxima segunda-feira no Colégio Eleitoral. E nesta noite, pelo bem da nossa unidade enquanto povo e em nome da força da nossa democracia, eu reconheço minha derrota. Também aceito a minha responsabilidade, que cumprirei incondicionalmente, de honrar o novo presidente-eleito e fazer todo o possível para ajudá-lo a unir os americanos no cumprimento da grande visão que nossa Declaração de Independência define e a nossa Constituição afirma e defende. (…)

“Os Estados Unidos são assim: nosso país é mais importante do que qualquer partido; nós continuamos unidos em torno dos nossos novos presidentes. (…) E quanto à batalha que se encerra esta noite, eu acredito que, como disse meu pai certa vez, ‘não importa o tamanho da derrota, ela deve servir também como vitória, para moldar a alma e desprender-se da glória’. (…)’

“E agora, meus amigos, uma frase que antes dirigi para outros: é hora de partir.”

Imagem de 19 de dezembro de 2000 mostra o então vice-presidente Al Gore (esquerda) e o presidente eleito George W. Bush (direita) Foto: Gary Hershorn / REUTERS

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- 13 de dezembro de 2000, discurso de George W. Bush aceitando o reconhecimento de Al Gore:

“O vice-presidente Gore e eu colocamos nossos corações e esperanças nas nossas campanhas. Ambos demos nosso melhor. Nós compartilhamos emoções similares, então eu entendo como esse momento deve ser difícil para o vice-presidente Gore e sua família. Ele tem um distinguido registro de serviço ao nosso país como congressista, senador e vice-presidente. Esta noite recebi um telefonema gentil do vice-presidente. Combinamos de nos encontrar no início da próxima semana em Washington e concordamos em fazer o melhor para curar as feridas do nosso país após essa dura disputa.

“Nesta noite quero agradecer a todos os milhares de voluntários e correligionários de campanha que trabalharam tão duro por mim. Também cumprimento o vice-presidente e seus apoiadores por organizar uma vigorosa campanha. E agradeço-lhe por um telefonema que, bem sei, foi difícil fazer. (…)

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“Tenho algo mais a lhes pedir, a pedir para todos os americanos. Peço-lhes que rezem por esta grande nação. Peço suas orações para líderes de ambos os partidos. Agradeço-lhes as preces por mim e minha família — e peço-lhes que rezem pelo vice-presidente Gore e sua família.”

Em seu livro de memórias, “Uma terra prometida”, o ex-presidente Barack Obama recorda as seis palavras que disse à sua equipe em 27 de abril de 2011, depois de revelar em uma conferência de imprensa na Casa Branca o documento completo de sua certidão de nascimento, para encerrar as falsas (mas irritantes) afirmações de Trump e outros “sensacionalistas” de que ele não teria nascido nos EUA:

“Saí do recinto através das portas de correr que levavam aos escritórios da equipe de comunicação, onde encontrei com um grupo de novatos na nossa assessoria de imprensa, que tinha assistido minhas declarações em uma TV. Todos aparentavam estar na casa dos 20 anos. Alguns tinham trabalhado na minha campanha, outros haviam se juntado recentemente ao governo, compelidos pela ideia de servir ao país. Parei e fiz contato visual com cada um deles.

“‘Somos melhores que isso’, eu lhes disse. ‘Lembrem-se disso’.”

Ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em dicurso na Fundação Obama sobre democracia Foto: Brendan McDermid/Reuters

- 9 de junho de 2022, declarações da deputada Liz Cheney na abertura da primeira audiência pública da comissão parlamentar de investigação do episódio de 6 de Janeiro:

“Nesta noite, descreverei para vocês parte do que nossa comissão constatou e sublinharei constatações preliminares que vocês verão este mês nas nossas audiências. Enquanto ouvem isso, todos os americanos devem ter em mente o seguinte fato: na manhã de 6 de janeiro (de 2021), a intenção do ex-presidente Donald Trump era continuar na presidência dos Estados Unidos apesar do resultado legítimo da eleição de 2020 e em violação à sua obrigação constitucional de entregar o poder. Ao longo de vários meses, Donald Trump coordenou e supervisionou um sofisticado plano, em sete atos, para reverter a eleição presidencial e evitar a transferência do poder presidencial. Nas nossas audiências, vocês verão provas de cada elemento desse plano. (…)

“Há uma razão pela qual as pessoas que servem nosso governo juram obedecer à Constituição. Conforme reconheceram nossos Pais Fundadores, a democracia é frágil. Pessoas que ocupam cargos públicos têm o dever de defender as funções — se apresentar quando a ação é necessária. (…) Esse juramento tem de significar algo. Nesta noite, digo o seguinte aos meus colegas republicanos que defendem o indefensável: chegará um dia em que Donald Trump não estará mais por aí, mas sua desonra permanecerá.”

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Em julho de 2021, entrevistei Liz Cheney diante de uma plateia. Ainda que discordemos a respeito de uma série de temas e políticas, também fiquei tocado com a disposição dela de arriscar seu assento no Congresso para defender a Constituição dos ataques de Trump — algo que tão poucos republicanos estiveram dispostos a fazer. No fim, acabei apenas balançando a cabeça negativamente e lhe perguntei por que ela poderia vir a ser a única a fazê-lo.

Ela só balançou a cabeça de volta.

Bem, resulta que Cheney possuía muitos mais apoiadores do que pensávamos. As eleições de meio de mandato demonstraram que sua mensagem — e a de outros líderes íntegros — ressoou o suficiente entre os americanos para fazer a diferença. E ressoou precisamente porque calou fundo na história do nosso país. E por isso temos muito a agradecer este ano.

Deus abençoe os EUA, e feliz Dia de Ação de Graças. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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