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Na pandemia, pais precisam reforçar atenção à própria saúde

'Temos que pensar em voltar ao atendimento de rotina – e reconhecer que é preciso investigar quando surgem coisas preocupantes', diz especialista

Por Sandi Villarreal
Atualização:

Ao longo da primavera [no hemisfério norte], eu sabia que estava me deteriorando fisicamente. O quarto girava ao meu redor, a fadiga se instalava e as enxaquecas me atacavam, distorcendo minha visão e quase impossibilitando que eu olhasse para qualquer tela. Eu estava preocupada com minha saúde física, mas também sabia que esses sintomas costumavam estar associados ao estresse.

Tentava ajudar o filho que está na pré-escola e o que está no jardim de infância a aprender alguma coisa com as aulas remotas, ao mesmo tempo em que cuidava de um bebê amamentando e trabalhava em tempo integral – e enfrentava a pandemia. É difícil separar um problema de saúde mental de um problema de saúde física, disse Leana Wen, médica, professora de saúde pública da Universidade George Washington e ex-secretária de saúde de Baltimore.

Ilustração de Amanda Eliasson/The New York Times 

O estresse do cuidado pode levar a sintomas aparentemente vagos, como dores de cabeça, depressão e até mesmo um aumento no consumo de álcool, acrescentou ela. “É por isso que é importante procurar ajuda com seu médico, não esperar até que as coisas cheguem ao limite”.

Mas isso pode ser complicado durante uma crise de saúde pública.

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A mentalidade do “ficar em casa” tem que mudar

Na primeira vez em que marquei uma consulta de telemedicina para discutir minha longa lista de sintomas, a médica sugeriu que eu fizesse um teste de coronavírus. (Fiquei agradecida. Deu negativo).

Além disso, disse ela, parecia que eu estava lidando com estresse  e a dor de uma pressão nos seios da face, e que eu deveria começar a tomar Claritin. Um mês depois, descobri que não conseguia mais subir escadas sem precisar me sentar por alguns minutos. Uma enxaqueca me atingiu com tanta força que consegui sair da cama por mais de 24 horas. Depois de uma segunda consulta de telemedicina e outro teste de coronavírus, relutantemente pedi uma visita presencial.

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Os exames de sangue revelaram que eu estava com anemia grave e tive que ser hospitalizada para uma transfusão de sangue. De acordo com uma pesquisa de rastreamento de saúde da Kaiser Family Foundation, com cerca de 1.200 adultos nos Estados Unidos, quase metade relatou que eles ou alguém em sua casa adiou ou cancelou atendimentos médicos por causa da pandemia.

Amanda Zelechoski, professora associada de psicologia na Universidade Valparaiso e cofundadora da Pandemic Parenting, uma plataforma de pesquisa on-line e fonte de informações para pais, disse que essa hesitação em buscar ajuda pessoal para sintomas menores se deu, pelo menos em parte, por causa da mensagem inicial dos especialistas em saúde pública: fique em casa, deixe os funcionários da linha de frente se concentrarem nos casos emergenciais.

Mas hoje, como a pandemia continua sem fim à vista, disse Zelechoski, essa mentalidade precisa mudar. “Temos que pensar em voltar ao atendimento de rotina – e reconhecer que é preciso investigar quando surgem coisas preocupantes”, disse Zelechoski.

Evitar atendimento “pode ser muito pior do que a preocupação de curto prazo de voltar para uma consulta”. Para Ericka Andersen, escritora de Indianápolis que tem dois filhos, de 2 e 4 anos, a pandemia significou um atraso considerável nos exames anuais: um adiamento não relacionado à covid no começo de 2020 se estendeu ainda mais depois que a pandemia fechou os consultórios para compromissos não essenciais.

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Andersen teve que esperar quase dez meses. “Isso realmente me preocupou”, disse ela. “Eu só quero ter certeza de que não tem nada errado, porque tenho um histórico de câncer na família”. Wen, que teve câncer cervical e também está sob alto risco de câncer de mama por causa do diagnóstico de sua mãe aos 44 anos, disse que essa falta de conhecimento pode reiniciar o ciclo de estresse. “Para mim, perder meus exames preventivos teria uma consequência física – e também causaria uma quantidade extraordinária de estresse”, disse ela.

“Eu ia ficar pensando: será que deveria ter feito os exames antes, porque posso estar com câncer?”. Denise Ojeda, defensora da igualdade na educação que tem um filho com necessidades especiais de 11 anos e vive em San Antonio, disse que também adiou uma consulta de saúde, no seu caso, por uma urticária grave, na esperança de se curar sozinha.

Depois de duas semanas tentando remédios sem receita, ela finalmente procurou atendimento pessoal e obteve alívio quase instantaneamente. “Acho que, como pais e mães, muitas vezes nos concentramos nos nossos filhos e em suas necessidades”, disse Wen, que tem dois filhos, de 3 anos e 6 meses.

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“Mas precisamos estar saudáveis para cuidar dos outros ao nosso redor. E isso inclui nosso bem-estar físico e emocional”.

Como combater a “fadiga de decisão”

De acordo com Zelechoski, que tem três filhos – 10, 8 e 4 anos – escolhas como estas podem aumentar o peso da responsabilidade dos pais e exacerbar a “fadiga de decisão”.

Os pais precisam decidir tudo, desde a escola certa para seus filhos até quem pode estar em sua “bolha” e se é seguro simplesmente ir ao supermercado – tudo isso pode ser exaustivo, ainda mais durante uma grande crise de saúde pública. “Não é sustentável e realmente vai começar a cobrar seu preço”, disse Zelechoski, acrescentando que uma boa maneira de evitar isto é os pais se darem bem.

Depois de uma semana estressante, lutando para decidir se mudaria o filho para uma escola nova, Ojeda resolveu dar um tempo para si mesma e abandonou temporariamente o papel de mãe. Quando seu filho quis pedir pizza, por exemplo, ela fingiu que não era com ela e fez mais o papel de uma irmã mais velha que não podia tomar tais decisões, sugerindo ao filho que descobrisse alguma coisa para comer na despensa. A dupla teve um fim de semana divertido e sem estresse.

Depois que seu “cérebro” e “espírito” tiveram uma folga “de ser mãe por um fim de semana”, disse Ojeda, ela conseguiu voltar a se concentrar na decisão de transferir seu filho para outra escola. Enquanto os pais passam por situações estressantes, os especialistas os incentivam a reconhecer que o que estão vivenciando é comum.

“Você está no meio de um trauma global coletivo”, disse Zelechoski. Ela, junto com outros especialistas, recomendou que os pais façam uma “checagem” regularmente consigo mesmos e com seus profissionais de saúde, seja pessoalmente ou por telemedicina. No final de agosto, meus dois filhos mais velhos começaram o jardim de infância e a primeira série, totalmente virtual, e meu filho de 1 ano aprendeu a escalar quase tudo na casa sem medo.

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Conforme eu me ajustava a esse novo e mundano normal (junto com um ciclo de notícias infernal), voltei a achar difícil diferenciar os sintomas da ansiedade básica do dia-a-dia de algo mais sério. Mas, agora, “checar” comigo mesma assumiu a forma de exames de sangue regulares. Também dependo mais de meu marido para ter ajuda com a escola virtual de nossos filhos e para me desconectar de tudo de vez em quando. Minhas tentativas de “colocar a máscara de oxigênio primeiro” costumam ser ridículas; é tudo imperfeito e caótico. Mas todos nós fazemos o que é possível nas fronteiras de nossa nova realidade. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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