Ex-treinador paralímpico fecha um ciclo ao perder a perna

Jon Kreamelmeyer, cuja perna direita foi amputada no ano passado, prefere vê-la como uma transformação em vez de uma deficiência.

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Por Shauna Farnell
5 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - FRISCO, Colorado – Em um mundo diferente, Jon Kreamelmeyer, de 75 anos, teria participado da Copa do Mundo de Masters de Esqui Cross-Country que foi promovida em março no Canadá. Em vez disso, estava aprendendo a viver com uma perna só.

Jon Kreamelmeyer, um amputado recente e ex-técnico paralímpico de esqui cross-country. Foto: KELSEY BRUNNER

Em janeiro de 2021, Kreamelmeyer, classificador técnico do Comitê Paralímpico Internacional, órgão que ajuda a determinar a classe de competição de novos atletas, e ex-treinador paralímpico da equipe dos EUA, notou uma dor incômoda na perna direita. Uma sensação de calor irradiava da panturrilha para o pé; era como se o calcanhar do pé direito estivesse cheio de bolinhas de gude. Mas, quando acabava de se exercitar, a dor cessava quase por completo, por isso não deu atenção a ela – pelo menos até agosto.

Um dia, Kreamelmeyer fez uma trilha até o topo de uma montanha próxima à sua casa. Mais tarde naquela noite, sentiu uma fisgada dolorosa atrás do joelho direito, como se algo tivesse se soltado. “Eu sabia que tinha acontecido alguma coisa na perna. Minha esposa olhou para mim e sugeriu que fôssemos ao pronto-socorro. Eu disse que iria na manhã seguinte.”

Depois de examinar seu pé direito, os médicos o enviaram de helicóptero para Denver, no Colorado. Foi constatado que um aneurisma atrás do joelho havia formado um coágulo sanguíneo, interrompendo o fluxo sanguíneo na perna direita. “O médico me informou que eu perderia a perna”, contou Kreamelmeyer, que treinou a equipe paralímpica americana de esqui cross-country de 1998 a 2006 e entrou para o Hall da Fama Paralímpico em 2014.

Como já havia treinado atletas que foram submetidos a amputação de perna em diferentes pontos – no início da carreira paralímpica, foi guia da esquiadora Michele Drolet, deficiente visual, ganhadora da medalha de bronze em 1994 –, Kreamelmeyer percebeu imediatamente que preservar ao menos parte do membro aumentaria suas chances de continuar praticando os esportes que amava e lhe daria mais opções de locomoção em geral. Assim, em vez de ficar histérico, reagiu com um pedido: “Tentem salvar o máximo possível.” Passou por seis cirurgias em oito dias, até que toda a perna direita foi removida. Apesar disso, manteve o bom humor. “Decidi dar um jeito de ir em frente.”

Permaneceu em casa em torno de uma semana, e então seu corpo todo foi gradualmente parando de funcionar. Uma tarde, teve dificuldade de escrever seu nome; na manhã seguinte não conseguia se movimentar. Sua família o levou ao hospital, e ele foi novamente removido para Denver às pressas, dessa vez de ambulância. Lá, teve insuficiência respiratória. Kreamelmeyer contou, erguendo as sobrancelhas com incredulidade: “Morri. Então me intubaram e me trouxeram de volta à vida.”

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Ele acabou contraindo pneumonia e passou quase dois meses no hospital, finalmente voltando para casa no fim de novembro. Atualmente, larga as muletas para pular em um pé só pela sala de casa ou para tirar a neve da frente da garagem. Também retornou às trilhas nórdicas, mas com esquis adaptados, que usa sentado. Recentemente, passou uma tarde inteira treinando seu time de veteranos, cujos integrantes fizeram uma vaquinha para comprar um equipamento de condicionamento físico da marca SkiErg para fortalecer o tronco e os braços – e gorros de inverno customizados com os dizeres “JK, O ÚNICO”. “Foi uma experiência diferente saltitar pela trilha de muletas, dando explicações verbais do que eu observava. Fiquei frustrado por não poder demonstrar”, comentou Kreamelmeyer.

Jon Kreamelmeyer precisou se adaptar a seu novo corpo e segue esquiando. Foto: KELSEY BRUNNER

Ele espera que uma prótese lhe dê a opção de retomar as trilhas em pé, em vez de sentado nos esquis adaptados. Mas também é realista e se sente grato por ser capaz de priorizar o retorno ao esporte – afinal, aprender a se movimentar em uma perna só muda quase todos os aspectos da vida diária. “O mais difícil é que não dá para simplesmente se levantar e ir à geladeira, ou atender à campainha, ou ir ao quintal. Tudo leva muito tempo. É mais uma camada de coisas com que se preocupar.”

São as atividades cotidianas que atrapalham a vida de Willie Stewart, amigo de Kreamelmeyer que perdeu o braço esquerdo em um acidente de construção aos 18 anos, mas que, com sua ajuda, chegou a ganhar uma medalha paralímpica. Stewart já participou do Ironman. Mas, embora tenha aprendido a viver sem o braço, não significa que não sinta falta dele. “O momento em que me sinto mais deficiente é quando tento abotoar a camisa”, revelou Stewart.

Ainda assim, observou que perder um membro foi uma bênção, porque lhe deu a oportunidade de viajar pelo mundo, fazer grandes amigos e superar obstáculos, experiências que ele vem compartilhando com Kreamelmeyer. “Ele está fechando um ciclo. É um homem de 75 anos que ajudou muitas pessoas ao longo da vida, passou por várias amputações e morreu sete vezes. Sempre digo a ele: não vá morrer agora, senão vou escrever ‘desistente’ na sua lápide”, brincou Stewart.

Segundo seus protegidos, Kreamelmeyer sempre teve o dom de ensinar as pessoas a superar os obstáculos. “Demos a ele o apelido de Bebê Buda – sua atitude era sempre muito positiva, e, quando treinávamos bastante, ele dizia: ‘Vai dar tudo certo.’ Também era ótimo esquiador, o que nos motivava a dar tudo nos treinos”, contou Mike Crenshaw, esquiador nórdico que perdeu a perna direita em um acidente de trator há quase 50 anos e ganhou uma medalha paralímpica sob a tutela de Kreamelmeyer.

A esposa deste, Claudia, disse que se há um ser humano capaz de se dedicar de corpo e alma – ainda que com uma perna só –, é seu marido. “Ele provavelmente não vai participar de outra Copa do Mundo de Masters, mas já deve estar descobrindo quais esportes pode praticar. Jon tem a mente e o coração naturalmente abertos. Minha esperança é que ele continue em contato com o Comitê Paralímpico Internacional.” Referindo-se à capacidade de analisar os movimentos dos atletas paralímpicos e determinar do que são capazes, ela comentou: “Ele já tinha uma boa compreensão, antes da deficiência. Mas agora vai ter uma compreensão muito mais profunda.”

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A palavra “deficiente” nunca soou bem para Kreamelmeyer. “Uma máquina deficiente não funciona direito. Nós funcionamos direito, só que de forma diferente. É uma questão de acolher as mudanças e se transformar no que você deseja ser”, concluiu ele.

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