Islândia se prepara para a era depois do gelo

Com a alta das temperaturas em todo o Ártico, a país se vê diante da perspectiva de um futuro sem geleiras

Por Liz Alderman
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HÖFN, ISLÂNDIA - Do escritório da operação de pesca fundada por sua família há duas gerações, Adalsteinn Ingólfsson observou a imensa geleira Vatnajökull encolher ano após ano. A alta das temperaturas já mudou a variedade de peixes que ele consegue apanhar. Mas a decadência da massa de gelo, a maior da Islândia, é um novo e estranho desafio aos negócios. “A geleira está derretendo tanto que a terra está se erguendo do mar", disse Ingólfsson, diretor executivo da Skinney-Thinganes, uma das maiores empresas de pesca da Islândia. “É cada vez mais difícil fazer com que os maiores pesqueiros atravessem o porto".

O clima mais quente não está afetando apenas Höfn, onde o peso cada vez menor da Vatnajökull sobre a crosta terrestre está drenando os fiordes e alterando a sedimentação subterrânea, retorcendo a tubulação de saneamento. Com a alta das temperaturas em todo o Ártico, a Islândia inteira se vê diante da perspectiva de um futuro sem gelo.

As geleiras ocupam mais de um décimo do território da Islândia, mas todas estão derretendo, mudando muitos aspectos da vida no país. Foto: Suzie Howell / The New York Times

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Os produtores de energia estão incrementando as usinas hidrelétricas e experimentando com a técnica de enterrar o dióxido de carbono sob a rocha. Há propostas para a construção de um novo porto em Finnafjord para capitalizar com o aumento de tráfego conforme as empresas de frete disputam as rotas abertas pelo derretimento o gelo.

No dia 18 de agosto, a Islândia lamentou a morte de Okjokull, sua primeira geleira perdida para a mudança climática. As geleiras ocupam mais de um décimo dessa ilha perto do círculo polar ártico. E todas elas estão derretendo. A Islândia considera a mudança do clima uma questão de urgência nacional. Sua economia está à beira de uma recessão, em parte porque um importante artigo de exportação, o peixe capelim, simplesmente desapareceu este ano em busca de águas mais frias. “A mudança climática não é mais motivo de brincadeiras na Islândia ou em nenhum outro lugar", afirmou Gudni Jóhannesson, presidente da Islândia.  “Estamos assumindo a responsabilidade e buscando soluções práticas", garantiu.

Mudança climática

O país elegeu a ambientalista Katrín Jakobsdóttir como primeira-ministra em 2017, com a promessa de enfrentar a mudança climática. Ao longo de cinco anos, o governo dela vai destinar US$ 55 milhões ao reflorestamento, bem como a projetos de preservação e transporte sem carbono para reduzir as emissões de gases-estufa. Já em 2040, a Islândia espera que empresas, organizações e indivíduos removam tanto dióxido de carbono da atmosfera quanto colocam nela.

Para os ativistas, não é o bastante para a Islândia, um país rico de 350 mil habitantes. O turismo, atual motor do crescimento após um colapso bancário em 2008, aumentou a preocupação com o clima conforme aviões trazendo milhões de visitantes levam as emissões per capita de dióxido de carbono a níveis acima dos de qualquer outro país europeu.

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Emissões de carbono

Em um dia ensolarado, Ólafur Eggertsson apontou para uma geleira no alto do vulcão Eyjafjallajökull, no sulda Islândia. O Eyjafjallajökull entrou em erupção em 2010, paralisando o tráfego aéreo e depositando uma chuva de cinzas sobre a fazenda dele. Mesmo antes disso, ele tinha observado a geleira recuando visivelmente. Ele disse que isso o deixa alarmado, pois as geleiras mantêm os vulcões resfriados.

Eggertsson está trabalhando no sentido de tornar a fazenda neutra em emissões de carbono, transformando-a de uma produtora de laticínios em campos de cevada e colza - gêneros que ele não conseguiria cultivar no frio, há 50 anos. Está convertendo a colza em biocombustível. “Às vezes, o que faço parece uma gota no oceano", disse ele. “Mas os humanos estão contribuindo para o aquecimento. Não tenho escolha senão agir".

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O derretimento das geleiras deve deixar saturados os mananciais no próximo século, e os cientistas prevêem que depois eles secarão. A empresa estatal de energia, Landsvirkjun, planeja turbinas adicionais nas represas. Planeja também a construção de turbinas que funcionarão depois que as geleiras tiverem morrido. “Do ponto de vista do projeto, estamos levando em consideração o que vai ocorrer nos próximos 50 ou 100 nos", disse Óli Grétar Blondal Sveinsson, funcionário da empresa. “Não haverá mais geleiras", projetou, friamente.

Essa perspectiva levou alguns a perceberem que estamos testemunhando o desaparecimento de um tesouro. Steinthór Arnarson, de 36 anos, largou o emprego de advogado três anos atrás para abrir uma empresa de turismo no lago Fjallsárlón. Muitos dos 200 turistas que visitam o local diariamente querem ver Vatnajökull antes que a geleira desapareça. “As pessoas ficam impressionadas com a beleza da geleira e se sentem como eu", disse Arnarson, olhando para a parede de 40 metros de gelo azul erguendo-se da água. “É bonito quando um pedaço se desprende, mas é, na verdade, uma tristeza". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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