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Modern Love: O divórcio me fez perceber quem era o verdadeiro amor da minha vida

‘Aí ele conheceu outra pessoa e tudo acabou. Como prometido, não foi nada que eu tivesse feito’

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Por Elizabeth Stein

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Meu marido passou anos me dizendo: “Você é o amor da minha vida. Nada que você faça vai me afastar de você”.

Aí ele conheceu outra pessoa e tudo acabou. Como prometido, não foi nada que eu tivesse feito.

Era o segundo casamento para nós dois, e ele tinha vindo com filhas pequenas – uma ideia assustadora para mim, porque cresci numa família difícil e não quis ter filhos. Mas elas logo se juntaram ao pai no meu coração.

Quando Tiger acordava da sesta diária, entrava na sala miando alto, depois ela e Buddy ficavam se perseguindo em volta da mesa de centro. Foto: Brian Rea/The New York Times

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Trouxe meus dois gatos, que não tinham experiência com crianças. As meninas tentavam fazer carinho neles, mas em troca só ganhavam arranhões e lágrimas. Dois anos depois, mudamos para um novo apartamento no Brooklyn. Na primeira noite, encontrei os gatos aconchegados no beliche das meninas. Finalmente relaxei.

Quando as meninas quiseram um gatinho, meu desconforto voltou. No abrigo local, conhecido pela eutanásia de animais logo após sua chegada, meu marido preencheu a papelada enquanto eu acompanhava as meninas até a sala dos gatos. De imediato, a atenção delas se voltou para uma gatinha solitária de pelo escuro, tremendo na gaiola.

A atendente destrancou a portinha e num piscar de olhos a gatinha estava nos braços das meninas. Quando tentaram colocá-la de volta, a gatinha se abriu como uma estrela-do-mar para não passar pela porta. Notei a plaquinha na gaiola: “Fêmea. Aproximadamente 8 semanas. Encontrada na Avenida Flatbush”. A atendente observou que ela não tinha chegado aos 2 quilos – o mínimo necessário para adoção – mas, sabendo da alternativa, a colocou numa caixa de papelão e a entregou para nós.

As meninas quiseram chamá-la de Tigerlily, em homenagem a uma personagem de Kung Fu Panda. Brincaram com ela o fim de semana inteiro, mas no domingo à noite voltaram para a casa da mãe. A gatinha ficou no quarto, em quarentena até que seus parasitas fossem erradicados.

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Eu trabalhava de casa, então os cuidados dela ficaram comigo. Seu miado vinha de hora em hora, e meus prazos que se danassem. Os gatos mais velhos mostravam os dentes para ela. Eu concordava. Tinha que dar a Tiger uma seringa de remédio rosa várias vezes ao dia. Deitava seu corpinho no meu colo, segurava sua cabeça e enfiava a seringa de plástico através de seus dentinhos afiados até o fundo da garganta.

Ela começou resistir mais, me agarrava com as unhas, e fui ficando cada vez mais irritada por esse fardo ter caído sobre mim.

Poucas semanas depois, perdi a paciência. Estava cuidando dessa obrigação pelas três pessoas que amava. Quando ela se contorceu, agarrei sua cabecinha com força, ela gritou. Naquele momento, percebi que meu problema não era com ela. “Me desculpe”, pensei comigo mesma.

Enquanto Tiger crescia, percebi como ela era barulhenta, miando e ronronando o dia todo. “Ela é uma tartaruga”, disse o veterinário, referindo-se à sua coloração de tartaruga. “Esses gatos são assim mesmo”.

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Ela se jogava na frente dos gatos mais velhos, se oferecendo para tomar banho. Eles batiam nela e, quando ela tentava de novo, a chutavam e mordiam. Implacável, ela por fim os conquistou.

E conquistou os humanos também. As meninas já estavam ganhas, mas ela decidiu me cortejar, pulando no meu colo com seu ronronar ensurdecedor. Miava para mim até que eu a acompanhasse até a cozinha e desse comida para ela, ficava olhando para trás enquanto comia para ter certeza de que eu ainda estava lá – um resquício, talvez, de sua vida nas ruas. Era uma gata com habilidades de sobrevivência.

Vários anos depois, meu marido me convenceu – como bom nova-iorquino – de que deveríamos comprar uma casa em Nova Jersey. Poucas semanas depois da mudança, ele me falou sobre um evento de adoção de animais de estimação no shopping local. Agora que tínhamos um quintal, ele queria um cachorro.

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Na calçada de um pet shop de luxo vimos um cachorrinho pastor solitário vestindo um colete laranja escrito “Adote-me”. O voluntário do abrigo calculou que ele pesava uns 20 quilos.

Eu não queria cachorro, mas amava meu marido, então topei.

Desde o início, Buddy era do meu marido. Quando nós dois estávamos em casa, Buddy ficava com ele, mesmo que fosse eu quem o alimentasse e o levasse para passear. Para Buddy, eu era uma empregada. Quando ele cresceu, chegando aos 25, depois 30, depois 35 quilos, não havia mais nada que eu pudesse fazer. As filhas, agora adolescentes, se irritavam com sua exuberância e o impediam de entrar nos seus quartos.

Com o tempo, os gatos mais velhos morreram. E meu marido voltou ao Brooklyn para ficar com sua nova namorada. Seu apartamento não permitia animais de estimação. Pouco depois, as meninas foram para a faculdade.

Numa noite de verão, botei Buddy e Tiger no banco de trás do carro para viajar por três horas até nossa nova casa, numa cidade da costa de Connecticut da qual eu nunca tinha ouvido falar. Ficamos no trânsito da via expressa Cross Bronx, com gata e cachorro choramingando o tempo todo. E eu também. Éramos só nós três agora.

Na casa nova, Tiger começou a se apertar contra minha perna quando eu sentava no sofá para ler ou assistir à TV. Mas ficava inquieta no meu colo. E continuou me chamando sempre que estava com fome.

Ela preferia a cama do cachorro à sua. Buddy parecia acuado quando ela se deitava sobre suas patas, mas a deixava em paz. Quando ele dormia, ela enfiava o rosto dentro da orelha dele. Adormecia com a patinha estendida para tocar a patona dele. Suas caixas de brinquedos ficavam lado a lado. Dela: papelão, vazia. Dele: vime, cheia de bichinhos de pelúcia.

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Quando Tiger acordava da sesta diária, entrava na sala miando alto, depois ela e Buddy ficavam se perseguindo em volta da mesa de centro. Um grito repentino significava que Buddy tinha pisado no rabo dela. Quando eu levantava os olhos, ela já estava dando um tapa no focinho dele.

Um belo dia, durante a pandemia, Tiger se aninhou no meu colo. Já tinham se passado doze anos desde aquele dia em que a machuquei. Acho que ela finalmente me perdoou.

À noite, Buddy se acomodava no meu lado da cama enquanto eu escovava os dentes, depois ia até os pés da cama, deixando os lençóis quentinhos para mim, mas nunca dormia comigo. Eu ainda não era a pessoa favorita dele.

Tiger se aninhava nos meus cabelos ou rastejava para baixo das cobertas, como uma bolsa de água quente. Começou a passar os dias debaixo das cobertas também. Quando eu me aproximava da cama e chamava o nome dela, um caroço no edredom ronronava em resposta. Às vezes eu puxava as cobertas para poder acariciar sua cabeça, que cheirava a roupas recém-saídas da secadora.

“Viva para sempre”, eu sussurrava no seu pelo.

Certa noite, eu estava na sala quando ouvi o barulho dela pulando da cama. Ela apareceu na porta, em silêncio. Tinha alguma coisa errada. As patas de trás estavam se arrastando. Ela desabou debaixo da mesa da sala de jantar. Eu a peguei e a levei ao pronto-socorro. Fizeram exames. Tumor espinhal. Era o fim, me disseram.

Eles a trouxeram para mim enrolada num cobertor para que eu pudesse me despedir antes que a sacrificassem. Acariciei sua cabeça, mas já cheirava a antisséptico. Ela morreu em meus braços dois minutos depois.

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Em casa, varri o pelo dela. Buddy cheirou o montinho, seu rabo começou a balançar.

“Sinto muito, garoto”, eu disse. Ele escapuliu de mim. Meses depois, ainda fica deprimido à noite, no horário em que ela costumava sair para brincar.

Tiger pesava menos de quatro quilos, mas, quando nos deixou, o silêncio encheu a casa inteira. Mesmo depois que as coisas dela sumiram – tirei todas as lembranças da casa – ela estava em toda parte.

Eu já tinha perdido animais de estimação antes, meus dois gatos, mas agora era diferente. Sempre havia o barulho da vida agitada, da família e dos outros animais para preencher o silêncio. Durante oito anos, éramos apenas nós três.

Buddy ainda fica animado ao ouvir a voz de um homem e se joga nos braços das visitas do sexo masculino, um lembrete constante de que perdeu o amor de sua vida anos atrás. Agora nós dois sentimos falta de Tiger, que, ao que parece, era o amor da minha vida. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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