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Em tempos difíceis, propagandas prometem paz de espírito aos consumidores

Gastos com comerciais para todos eles estão aumentando em meio ao crescente número de mortos e à pressão econômica da pandemia

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Por Tiffany Hsu
Atualização:

A pandemia letal e o desemprego generalizado coincidiram com uma campanha presidencial tensa e agitação em todo o país. Para a indústria de publicidade, isso significa oportunidade. “Se a história nos ensinou alguma coisa, é que podemos superar qualquer coisa – e esta cerveja às vezes ajuda”, diz o ator Paul Giamatti num comercial da Coors Light. O narrador de um comercial do Firstleaf, um clube de vinhos por assinatura, ecoa o sentimento: “Vamos precisar de muito vinho para atravessar este ano”.

Esses comerciais fazem parte de uma enxurrada de anúncios que prometem alívio em tempos estressantes. Anúncios online da Moon Pals, uma linha de bichos de pelúcia com olhos grandes e tristonhos, prometem “sono mais profundo”, “melhor funcionamento cognitivo” e “redução da ansiedade”. As peças de marketing da empresa informam aos clientes em potencial que os braços das criaturas de pelúcia Moon Pals foram concebidos para dar “abraços que podem salvar o mundo”.

Shira Inbar The New York Times 

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A Vitality Extracts, uma empresa que vende elixires e quinquilharias, promete “levantar seu humor e aliviar a tensão”. Seu Combo Estresse e Ansiedade traz uma pequena garrafa rotulada “Xô, Estresse”, que contém uma “mistura de óleo essencial puro” e um par de ‘pulseiras calmantes contra a ansiedade”. Vendido a 50 dólares, o pacote está esgotado. A Procter & Gamble diz que pode “transformar a vida estressada na sua melhor vida” em anúncios recentes sobre os chicletes StressBalls, cujos ingredientes incluem extrato de ashwagandha e de raiz de valeriana.

A Nature’s Bounty, uma empresa de bem-estar, promete uma maneira para seus clientes “encontrarem paz” em novas propagandas de gomas Stress Comfort, feitas de ingredientes como ácido gama-aminobutírico, melatonina e extrato de lavanda. A Roman, uma empresa de Nova York que oferece tratamentos para condições como disfunção erétil e queda de cabelo, está anunciando cápsulas de alívio do estresse as quais garante que são “baseadas na ciência”.

Um usuário anônimo dos produtos da Roman apresentado em seus materiais de marketing afirma: “Esta empresa mudou minha vida”. Mas a Roman reconhece que alguns ingredientes de seus produtos, como a rhodiola rosea, “ainda precisam ser mais estudados nos Estados Unidos”. Stephanie Van Stee, professora associada da Universidade de Missouri-St. Louis, que se especializou em comunicação de saúde, aconselha os consumidores a não permitir que o estresse vença seu ceticismo.

“Você precisa olhar para esses anúncios de maneira crítica e fazer sua pesquisa para ter certeza de que sabe onde está se metendo”, disse ela. Durante um período em que mais de 180 mil pessoas morreram de covid-19 nos Estados Unidos e milhões ficaram desempregadas, quase um terço dos adultos americanos relataram sinais de ansiedade ou depressão, um aumento significativo em relação ao ano anterior, segundo relataram os Centros para Controle e Prevenção de Doenças no mês passado.

Uma pesquisa recente da Kaiser Family Foundation descobriu que, dos milhões de trabalhadores que enfrentaram cortes de salários ou demissões, mais da metade culpou a pandemia pelos prejuízos à sua saúde mental. As mensagens de serviço público voltadas para essa população vulnerável começaram a aparecer na primavera, com comerciais do Advertising Council, um grupo sem fins lucrativos.

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Numa campanha, artistas como Meghan Trainor e Addison Rae incentivavam os adolescentes a se conectarem com os amigos; em outra, influenciadores do TikTok como Jaci Butler e Parker James compartilharam dicas sobre como lidar com o isolamento. Depois dessas mensagens veio uma enxurrada de propagandas sobre soníferos, aplicativos de saúde mental, serviços de terapia remota, medicamentos prescritos, extratos e poções.

O Calm, um aplicativo de sono e meditação, gastou cerca de US $ 15,6 milhões em comerciais de TV de março a agosto, em comparação com US $ 3 milhões no mesmo período do ano anterior, de acordo com a empresa de pesquisa iSpot.TV. Os gastos da empresa com o Facebook quase triplicaram durante esses meses, de acordo com estimativas da plataforma de análise de publicidade Pathmatics.

Num anúncio do Calm que apareceu no Instagram, a atriz Eva Green lê uma história para dormir, O Hotel Mágico, da autora de “contos do sono” Christina Yang, com sua voz de contralto, ao som das suaves notas de um piano. Headspace, outro aplicativo de meditação, gastou US $ 27,3 milhões numa campanha de televisão que atingiu os telespectadores cerca de 1,9 bilhão de vezes, de acordo com iSpot.TV.

“Esta crise está afetando a todos nós”, diz o narrador de um comercial. “Nossa saúde mental está sofrendo, mas nós simplesmente não sabemos como lidar com isso. Mas podemos tentar, com ferramentas que nos ajudam a cuidar da nossa mente”. A agência de publicidade digital Playbook Media está testando mensagens para o Mellow, um aplicativo em desenvolvimento que mostra aos usuários imagens de pinturas como uma maneira de acalmá-los.

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“Temos uma oportunidade de mercado para capitalizar no momento atual”, disse Bryan Karas, presidente-executivo da Playbook. Os gastos com anúncios de medicamentos antidepressivos em plataformas tradicionais também aumentaram ligeiramente, subindo de US $ 75,6 milhões no ano passado para US $ 76,8 milhões de março a junho deste ano, de acordo com a empresa de pesquisas Kantar. O Trintellix, um medicamento antidepressivo, tem oito anúncios diferentes no Facebook, de acordo com a Facebook Ad Library.

A indústria da cannabis também vem gerando demanda por produtos com potencial calmante. As empresas focadas no CBD, ou canabidiol, gastaram quase US $ 4,3 milhões em anúncios de março a junho, mais de cinco vezes os US $ 798 mil que gastaram um ano antes, de acordo com a Kantar.

Uma dessas empresas, a Green Roads, diz aos clientes: “Hoje em dia estamos sempre nos sentindo sobrecarregados. Guarde um minuto para você mesmo”. O CBD Charlotte’s Web diz no Instagram: “a ansiedade pode ser uma resposta compreensível a muitos dos acontecimentos estressantes que a vida joga sobre nós, especialmente durante uma pandemia”. Os reguladores advertiram as empresas de CBD quanto às promessas exageradas. A Food and Drug Administration (FDA) proibiu os anúncios que defendiam o CBD como um tratamento pandêmico que podia “acabar com o corona”.

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A Comissão de Comércio Federal advertiu o Patriot CBD por declarações enganosas como: “Quando seu corpo está sempre estressado, seu sistema imunológico sofre. Com a disseminação desse coronavírus potencialmente mortal, o estresse ficará alto... pense em tomar o óleo CBD”. Janelle Applequist, professora associada de propaganda e relações públicas da University of South Florida, disse que o apelo dos anúncios que prometem consolo deve continuar.

“O que é assustador agora é que estamos presos em casa há tanto tempo e o dia-a-dia ficou tão difícil que é muito tentador ver um anúncio de medicamento e pensar que ele vai trazer alívio”, disse ela. “Estamos falando de pessoas que estão sentindo sérias pressões financeiras, ansiedade social e solidão. É quase uma receita para o desastre”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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