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Lucas Mendes: Malvinas, Reagan e Tatcher no gelo

30 anos após a invasão, as ilhas ameaçam a voltar esquentar a pauta da ONU.

Por Lucas Mendes
Atualização:

Neste 2 de abril a invasão das ilhas que os britânicos chamam de Falklands, e os argentinos de Malvinas, vai fazer 30 anos. 74 dias depois, com 649 baixas, "los hermanos" se renderam. Os britânicos perderam 255 militares e 3 moradores da ilha mas o triunfo reforçou o prestígio da primeira-ministra Margareth Thatcher e apressou a queda do regime militar liderado pelo ditador Leopoldo Galtieri. As Malvinas ainda matam muita gente de tédio, mas a prosperidade e segurança dos seus 3 mil habitantes são invejáveis e custam caro à coroa. Quase tudo é de graça. Para problemas médicos complicados os moradores são levados para hospitais no Chile. Os universitários estudam de graça na Grã-Bretanha. Um cidadão britânico custa ao Estado dez mil libras, um morador da ilha custa o dobro. Antes da invasão os britânicos queriam fazer um acordo com os argentinos e se livrar daquelas rochas geladas, distantes de manutenção cara. Desde então, encareceu mais ainda, mas os residentes da ilha detestam os argentinos. Querem continuar britânicos. Quando os militares argentinos decidiram invadir a ilha para recuperar o minguante prestígio da ditadura, uma das fontes de informação dos generais foi o influente diplomata Vernon Walters que desde a Segunda Guerra teve conexões fortes com a América Latina em geral e com o Brasil em particular. O diplomata disse aos militares que se invadissem as ilhas os ingleses iriam rugir e bufar mas não mandariam tropas. Pobre Argentina, pode chorar. Há poucos dias, numa entrevista para o programa Milênio, passei algumas horas com o professor Richard Aldous que acaba de publicar Reagan e Thatcher: uma relação difícil, muito bem recebido por críticos e historiadores em vários países. Foi o nono livro de Aldous que tem 42 anos anos e parece dez anos mais jovem. Ele teve acesso a documentos até então secretos e conta detalhes preciosos sobre as relações entre os dois líderes. As Falklands/Malvinas foi uma das maiores brigas entre Reagan e Thatcher que estavam no período de lua de mel, com o cowboy recém empossado e mulher, ainda não de ferro, em busca de uma liga poderosa. A inglesa esperava apoio imediato e incondicional à invasão e não se importava com as preocupações do americano com as esquerdas latinas. A embaixadora americana na ONU, Jane Kirkpatrick, não resistia a um ditador de direita e apoiava os argentinos. Reagan colocou seu secretário de Estado, Alexander Haig, um general, numa ponte aérea entre Londres e Buenos Aires. A mulher ouvia e passava sermões no general. Ia adiante com armada a todo vapor , rumo às ilhas. Aflito, Ronald Regan pegou no telefone e ligou para o general Galtieri em busca de concessões que pudessem frear Thatcher mas o general estava embriagado. Ligou de volta quatro horas depois. Reagan conta que o porre não tinha passado completamente mas a incoerência de Galtieri não era o maior problema. Vários generais argentinos davam ordens, ninguém se entendia, as promessas eram feitas e desfeitas em questão de horas. O presidente Figueiredo, em maio, estava em Washington numa visita oficial. Richard Aldous conta que ele disse ao presidente Reagan que os ingleses planejavam bombardear forças argentinas no continente. O americano pegou de novo no telefone. Thatcher disse que faria tudo que fosse necessário para proteger seus soldados mas nunca mandou bombardear a Argentina. A briga entre os dois provocada pelas ilhas foi uma das mais intensas mas não a mais longa. A União Soviética era o principal foco de atritos. A primeira foi sobre sanções econômicas, a mais grave foi sobre desarmamento. Reagan queria um acordo radical para eliminar todas armas nucleares e exasperava Thatcher porque sem elas nenhum exército europeu seguraria o exército russo. O desarmamento só não foi adiante porque Reagan insistia na construção do projeto guerra nas estrelas que teria como objetivo destruir mísseis com armas instaladas no espaço. Nem com a promessa que os Estados Unidos dividiriam todos segredos e recursos do SDI (Space Defense Iniciative) com os soviéticos Reagan conseguiu convencer o time do Gorbachev. Reagan e Thatcher brigaram sobre orçamentos e redução de impostos e quando Reagan invadiu Granada, parte do Reino Unido, mas na frente das câmeras sempre mantiveram a postura de uma de união perfeita e indivisível. Richard Aldous conta que durante a juventude os dois tiveram algumas semelhanças na vida, ambos de origens modestas. Ela, educada em Oxford, se achava moral e intelectualmente superior a Reagan mas as afinidades ideológicas eram profundas. Na velhice ambos tiveram a doença de Alzheimer. Ela ainda está viva. Reagan, já com sinais de demência, terminou o mandato feliz em sair de Washington para o seu "Rancho nel Cielo" na Califórnia. Thatcher nunca aceitou o golpe dos aliados que a tiraram da liderança e nunca se ajustou à obscuridade. O alimento essencial dela era o poder. A Grã-Bretanha, e as ilhas Falklands ou Malvinas, vão comemorar discretamente o 2 de abril. Mais cedo ou mais tarde, com ou sem petróleo no fundo do mar, a soberania das ilhas geladas vão esquentar a pauta da ONU. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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