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'Somos a bucha de canhão do Exército francês', diz brasileiro

O carioca Marcelo serve na Legião Estrangeira há três anos.

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Por Natalia Viana

Apesar de satisfeito com a carreira de soldado na Legião Estrangeira, onde está desde 2005, o carioca Marcelo, de 36 anos, afirma que o trabalho dos legionários não é simples e que a Legião é "a bucha de canhão do Exército francês". "O primeiro tiro quem dá é a gente, depois vem o Exército. Se a Legião ganha a guerra, tudo bem, mas o mérito é do Exército francês. Se perdeu, tudo bem, quem morreu era estrangeiro mesmo", disse Marcelo à BBC Brasil. No entanto, o legionário afirmou que que apesar de não ter seguido carreira no exército brasileiro - serviu por dois anos no Rio de Janeiro - ele sempre quis se aprimorar como soldado pára-quedista e A Legião lhe deu esta oportunidade. "Estou fazendo coisas aqui que eu nunca conseguiria fazer no Brasil", contou. Carreira militar Marcelo vê a sua entrada na Legião como uma continuação da carreira militar. Depois de deixar o Exército brasileiro, ele trabalhou como entregador, segurança e assessor parlamentar. Mas sempre manteve o objetivo de virar legionário. "Eu sempre quis vir, mas casei, tive um filho. Quando me separei, pensei: é agora ou nunca." Ao chegar à França, se alistou logo no primeiro dia. Para ele, os meses iniciais foram os mais difíceis. "Quem é novo tem que fazer faxina até as 9 horas da noite, além de treinar como todo mundo. E no começo não tem telefone, não tem contato com ninguém. Fiquei um ano sem ter contato com um civil, sem conversar. Foi só trabalho, trabalho e trabalho." A rotina de um legionário começa cedo, por volta 5h30 da manhã, quando acontece a primeira revista aos alojamentos. Às 6h, todo mundo tem que estar preparado para as instruções. Quando não há cursos ou missões, o dia se divide em tarefas rotineiras dentro do quartel, como cozinhar, fazer a faxina ou trabalhos burocráticos, além de esportes e treinamento. O serviço termina às 17h30. "O mais difícil é o fator psicológico, por ser cada um de uma nacionalidade diferente", conta Marcelo. "Acaba acontecendo o que a gente chama de máfias. Você acaba se unindo ao cara que tem a mesma pátria que você. Existe muito racismo", disse ele à BBC Brasil. Marcelo vê com bons olhos a vinda de mais brasileiros à Legião, mas acha que o número "está longe do ideal". Hoje em dia, já não é incomum, segundo ele, haver feijoadas e batucadas aos fins-de-semana em alguns regimentos. Missões Por escolha própria, Marcelo foi para o 2º Regimento de Pára-Quedistas, que fica na ilha da Córsega. "Ali, o treinamento é ainda mais puxado. Fazemos cursos de salto, estágio de comandos na selva, montagem e desmontagem de todas as armas. Saltamos de helicóptero no mar, alpinismo, estamos o tempo todo ralando." Ao longo desses três anos, o carioca esteve com o exército francês em missões no continente africano, como no Chade e na República do Djibuti, e no Libano. Além disso, já fez guarda na Torre Eiffel, em Paris, com uma equipe anti-terrorismo. Mas de todas as operações, a que mais marcou foi a primeira, na Costa do Marfim, em 2006. "O país tinha acabado de sair da guerra civil, as tropas da ONU já estavam lá, e nossa missão era ajudar a manter a paz. Entramos em conflito com os rebeldes 3 vezes, isso me marcou. E também foi o primeiro contato que eu tive com a África. Ver aquela situação de miséria e fome me marcou muito." Marcelo se diz satisfeito em ser um "soldado profissional". Ganha 1,8 mil euros (R$ 4,7 mil) e ainda tem seguro de vida, férias e fundo de garantia. Apesar das críticas que tem sobre o trabalho, ele contou à BBC Brasil que pretende ficar na Legião até se aposentar, o que pode acontecer depois de 15 anos de serviço. No entanto, passados três anos, as experiências na Legião já mudaram um pouco sua visão sobre a profissão que escolheu. "Acho que no fundo todos somos pacifistas. Quem quer a guerra? Guerra só traz destruição. Me diz um soldado que quer a guerra, ele está louco da cabeça. A gente faz porque é o nosso trabalho. Tem que fazer, a gente faz", contou. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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