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A estranha ‘greve’ da Câmara e do Senado

Lira e Pacheco parecem mais preocupados com seu futuro político do que em cumprir as prerrogativas de suas funções como presidentes, que se encerram apenas em 2025

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Por Notas & Informações
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No primeiro semestre do ano, o governo Lula obteve vitórias importantes em votações no Congresso Nacional. A despeito de não ter conseguido eleger uma base de apoio forte na Câmara e no Senado, o Executivo conseguiu aprovar, antes mesmo de tomar posse, a emenda constitucional da transição e recompor o Orçamento. No lugar do teto de gastos, o Legislativo aprovou o novo arcabouço fiscal, prioridade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E depois de mais de 30 anos, até mesmo a reforma tributária sobre consumo conseguiu avançar na Câmara e está prestes a ser votada no Senado.

Mesmo quando o governo teve de admitir derrotas, o diálogo entre os Poderes quase sempre prevaleceu. O Congresso enfrentou o governo ao rejeitar uma proposta que desvirtuava o Marco do Saneamento, deixou claro que não aceitaria rever a autonomia do Banco Central e só deu aval ao retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) depois de muitos ajustes no texto final.

Algo mudou após o recesso branco parlamentar, em julho. Como é natural no jogo político, deputados e senadores cobraram a fatura pelas entregas na primeira metade do ano, e o governo teve de abrir espaço para acomodar aliados do Centrão nos ministérios, bem como pagar emendas parlamentares e irrigar bases eleitorais.

A despeito desses “gestos” do Executivo, Câmara e Senado entraram num modus operandi estranhíssimo, no qual nada que realmente importa ao governo tem sido votado ou mesmo pautado em plenário. É como se os parlamentares tivessem entrado em greve, mas as razões dessa paralisia são desconhecidas. Quem melhor poderia explicá-las são os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Ambos parecem completamente desconectados das reais necessidades do País, o que tem gerado situações no mínimo esdrúxulas. Há algumas semanas, deputados deixaram de registrar presença na Casa, impedindo quórum mínimo para uma série de deliberações. Na ausência de Lira, que está em missão na Ásia, quem teria agido para debelar a obstrução na Câmara teria sido o senador Pacheco, segundo reportagem do Estadão.

Esse ativismo de Pacheco faria algum sentido se o Senado estivesse trabalhando a pleno vapor. Mas, à exceção das discussões sobre a reforma tributária, que felizmente se encaminham para o fim, o Senado também vive momentos de absoluta letargia. A recusa do principal aliado de Pacheco, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), em marcar a sabatina dos ministros ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) expressa o desrespeito com que é tratada a função de avaliação e controle das indicações do Executivo quando é transformada em mera barganha política.

A estranha viagem de Lira à Índia e à China tampouco teria justificativa neste momento, não fosse a necessidade de o presidente da Câmara submergir após ter exigido do governo a entrega de todos os cargos da diretoria da Caixa e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Não que ele precise estar fisicamente no País para ser lembrado. Seus prepostos Elmar Nascimento (União-BA) e Doutor Luizinho (PP-RJ) têm agido para impedir qualquer chance de votação dos projetos que taxam fundos exclusivos e offshore.

Seria simples atribuir esse movimento a uma reação da Câmara e do Senado contra o governo, exigindo maior reconhecimento do trabalho dos parlamentares. Para isso, no entanto, Lira e Pacheco teriam de agir de forma coordenada contra a agenda do Executivo, e não é exatamente isso que tem ocorrido.

Lira e Pacheco parecem mais preocupados com seus respectivos futuros políticos do que em cumprir as prerrogativas de suas funções à frente das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, que se encerram apenas em 2025. Com a indesejável antecipação dessa disputa pelo comando das Mesas Diretoras, eles lutam para demonstrar quem melhor serve ao governo, quem mais entrega, quem mais ameaça e quem tem mais força, em detrimento da agenda de votações do País e do melhor interesse público.