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O jornalista Carlos Alberto Di Franco escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Diplomação, deserto de estadistas

A narrativa de Lula, construída de costas para a realidade, não é capaz de captar o sentimento profundo de gigantesca parcela do eleitorado

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Eu tinha esperança de que a diplomação do presidente eleito pudesse representar aquilo que só os estadistas são capazes de fazer: entender o contexto, construir pontes verdadeiras, olhar para além da própria militância e estender a mão a todos os brasileiros. Não foi o que aconteceu.

A história sempre é rica em ensinamentos. O presidente Juscelino Kubitschek sofreu muito mais do que protestos de rua contra sua eleição. Após assumir a Presidência, e ainda no primeiro mês do seu mandato, o fundador de Brasília enfrentou uma revolta armada contra o seu governo. Militares da Aeronáutica se organizaram num levante contra o presidente. Sufocada a rebelião, como deveria ser, JK anistiou todos os envolvidos. O presidente era um homem sem retrovisor, sem ódios e sem amarguras. Olhava para a frente. Tinha a grandeza dos estadistas.

O que se viu no passado dia 12, na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi rigorosamente o contrário.

No seu discurso de diplomação, o presidente eleito disse que ele venceu “um projeto de destruição do País” e da democracia. Jogou no limbo do autoritarismo, da mentira e do ódio 58,2 milhões de brasileiros que votaram em Jair Bolsonaro.

Ele afirmou que “o resultado destas eleições não foi apenas a vitória de um candidato ou de um partido”. Foi a vitória de “uma verdadeira frente ampla contra o autoritarismo”.

Para Lula, portanto, os cidadãos que votaram em Bolsonaro – quase a metade do eleitorado – aderiram a um projeto de destruição da democracia. A narrativa, construída de costas para a realidade, não é capaz de captar o sentimento profundo dessa gigantesca parcela do eleitorado: uma forte decepção com a entronização na Presidência da República de um personagem cuja imagem está intrinsecamente vinculada ao maior caso de corrupção da nossa história.

Lula carrega um passivo inescapável. Sua estratégia, aparentemente, será afogar e reprimir a verdade dos fatos. Como pretende evitar que eles se imponham? Segundo ele, “o combate precisa se dar nas trincheiras da governança global, por meio de tecnologias avançadas e de uma legislação internacional mais dura e eficiente”. O recado do que virá está dado: recorrer ao globalismo asfixiante para, em nome da suposta defesa da democracia, reprimir a liberdade de expressão nas redes sociais. Depois, estou certo, a repressão se estenderá às empresas jornalísticas tradicionais.

Mas não foi apenas Lula que decepcionou os brasileiros. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, aproveitou a cerimônia para escalar seu empenho contra a liberdade de expressão. Ao citar o que considera “grupos extremistas”, Moraes afirmou que as redes sociais foram subvertidas para a disseminação de notícias fraudulentas e que a liberdade de expressão foi “desvirtuada”.

O fato é que, objetivamente, o nível de repressão à liberdade de expressão adotado antes, durante e depois do período eleitoral nos tem colocado mais perto das nações autocráticas que das nações livres.

Não existe “democracia combatente”, como afirmam alguns. O Estado democrático se caracteriza, entre outros atributos, pela liberdade de expressão do pensamento e da crítica. É assim que a coisa se dá nas democracias maduras.

Na França, os gilets jaunes (movimento dos coletes amarelos), durante dois anos, pediram a destituição pura e simples do presidente Macron, em manifestações que se deram nas praças e em locais de grande aglomeração. Nem por isso houve alteração do princípio do livre protesto.

Nos Estados Unidos, agora mesmo, um número considerável de militantes republicanos continua questionando o resultado das eleições. Numa boa. A liberdade de expressão está preservada. A invasão do Capitólio, no entanto, é crime. Outra conversa. Deve ser punida.

A repressão à liberdade de pensamento é a completa deformação da natureza do regime democrático e do direito de criticá-lo, quando se sabe que a única maneira de levá-lo a aperfeiçoar-se está exatamente nas críticas profundas que se fazem num determinado momento.

Meus reparos ao Poder Judiciário não têm ânimo de antagonismo. As reservas que faço a certos comportamentos se apoiam na convicção da importância essencial da instituição. A Corte exige moderação, despolitização e recato.

Não foi o que aconteceu logo após a cerimônia no TSE. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a diplomação na casa do advogado criminalista e antilavajatista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O evento, numa casa luxuosa no Lago Sul, em Brasília, foi organizado pela primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ao som de samba e com garçons servindo whisky, vinho, champanhe e canapés às mais de 50 autoridades, entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parlamentares, que estiveram presentes.

Faz sentido a presença de ministros da Corte Suprema numa festa com as características acima descritas? É coerente com a discrição e o recato que se esperam dos membros do Poder Judiciário?

O Brasil precisa de estadistas. Com muita urgência.

Excelente ano novo!

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Opinião por Carlos Alberto Di Franco

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