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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|E essa tal de ‘aula ativa’?

É o único caminho para dominar lições complicadas. É pôr em marcha o ato de pensar. Ouvir a aula pode ser apenas a porta de entrada

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Faz pouco, entrou em cena a “aula ativa”. Novidade? Modismo fugaz?

Nem um nem outro. Esse conceito tem mais de cem anos. O termo foi proposto por John Dewey, um respeitado educador americano. É a ideia poderosa de que o ensino pode ser ativo ou passivo. Porém, foi esquecida.

Em anos recentes, essa distinção está sendo redescoberta. Mais ainda, pesquisas confirmam a superioridade da aula ativa.

O ensino passivo é ameno, agradável e leve. O professor ensina tudo, passo a passo. Não é surpresa que essa forma de ensino agrade a todos. Peça a qualquer aluno que descreva seu professor ideal e teremos a figura de um grande expositor.

Já o ensino ativo pode ser bem mais penoso para os estudantes. Em versões extremas, o professor nem sequer explicaria, apenas manda os alunos decifrarem a charada sozinhos. É desconcertante para o aluno, que logo acusa o professor de preguiçoso.

O grande paradoxo é que, no ensino passivo, o aluno aprende pouco, embora ache que ficou sabendo muito. Em contraste, mesmo que haja sofrimento, no ensino ativo o aluno aprende num nível em que a memória tem vida mais longa. Não obstante, ele acha que está aprendendo pouco. Ou seja, é tudo ao contrário.

No ensino passivo, o conhecimento é depositado na cabeça do aluno. Mas, na melhor das hipóteses, apenas se decoram as palavras ou as fórmulas. O ensino passivo leva bomba no teste do aprendizado! Porém, equivocadamente, o aluno dá bomba no ensino ativo.

Para melhor entender, comecemos imaginando três situações de sala de aula. 1) O professor comunica: “Amanhã não haverá aula”. 2) “A Primeira Guerra Mundial eclodiu em 1914″. 3) “Vou explicar como se transformam pés quadrados em centímetros quadrados”.

Essas informações chegam ao nosso cérebro. O cancelamento da aula irá para um escaninho já existente, com um cantinho para guardá-la com segurança. O 1914 e a transformação de medidas de superfície irão para outro lugar, meio lusco-fusco (chamado de Memória de Curto Prazo). Não há escaninhos, tudo flutua no ar. Ou some! Se o mesmo 1914 reaparecer várias vezes, acaba sendo “decorado” e enviado a algum canto seguro da memória. O professor explica o assunto de forma brilhante e persuasiva. Ao tocar a campainha, os alunos comentam: “Que aula maravilhosa, entendi tudo”. É um caminho mais suave: ouvir a aula e decorar a matéria. Pode virar uma lembrança indelével, seja relevante ou não.

Na transformação de medidas, a aula pode tomar dois caminhos diferentes. No primeiro, como na data da guerra, fica pairando no ar, com risco forte de desaparecimento. Mas, se o aluno volta ao assunto várias vezes, a fórmula acaba sendo memorizada.

Mas, provavelmente, não será realmente digerida e incorporada. Fazendo uma compra na Amazon, não saberá transformar em metros quadrados as medidas do tapete que deseja (especificado em pés quadrados).

O segundo caminho leva a um espaço do cérebro cujo funcionamento é diferente. Operar nessa sala é penoso, ao menos inicialmente. Pode ser uma luta suada e lenta. O fracasso espreita. Até traz cansaço físico. Mas é nela que se dissecam as ideias e explora-se a sua lógica. Essa tarefa árdua é o próprio ato de “pensar”.

É ir para a “câmara de torturas” do cérebro e enfrentar o desconhecido. O lado bom é que, ao dominar o assunto, vem um sentimento de prazer ou realização. E o aprendido vira uma ferramenta útil.

Tomemos uma versão exagerada. O professor manda os alunos lerem o capítulo do livro e que construam um experimento para ilustrar a regra. Em seguida, põe-se a ler um jornal.

Os alunos do primeiro professor adoraram a aula, mas apenas decoram a fórmula. Evitaram o esforço intelectual requerido. Já os do segundo sofreram e praguejaram. Contudo, terminaram sabendo usar a fórmula.

Na aula de que os alunos gostam, eles decoram, mas não sabem usar o conhecimento. Na outra, ainda que penem e detestem, passam a dominar o assunto.

Usando os termos de John Dewey, a primeira foi uma aula passiva. A segunda foi ativa. Esta última pode ser mais doída e desconfortável. Para exagerar, apresentamos uma versão áspera de aula ativa, mas há inúmeras maneiras de torná-la instigante.

Concluímos, então, que precisamos abolir a aula passiva e ficar apenas com a ativa? Não! Em geral, o bom ensino é uma alternância bem dosada entre as duas. Na exposição, o professor apresenta as ideias e explica a sua articulação. Isso ajuda e economiza tempo. Ademais, alguns mestres motivam, inspiram, fazem a cabeça dos alunos e até mudam o seu destino profissional.

Há casos em que a aula pode ser toda ativa. Ou toda passiva. Depende. E há muitas formas de tornar uma aula tradicional mais ativa.

Em suma, o conceito de “aula ativa” nos leva à noção de que o aprendizado se dá dentro da cabeça do aluno – por vezes, penosamente. É o único caminho para dominar lições complicadas. É pôr em marcha o ato de pensar. Ouvir a aula pode ser apenas a porta de entrada.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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