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Opinião|Afinal, os cigarros eletrônicos devem ser regulamentados no Brasil?

Espero que as evidências científicas e a saúde da coletividade saiam vencedoras deste debate

Um dos maiores estadistas do século 20, Winston Churchill, dizia que “construir pode ser uma tarefa lenta e difícil de anos, já destruir pode ser um ato impulsivo de um único dia”. Dependendo do resultado da Consulta Pública 1.222/2023, sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), que expirou em 9 de fevereiro e contou com mais de 7 mil manifestações, a sociedade e o sistema de saúde brasileiro correm o risco de perder décadas de trabalho e conquistas importantes na luta contra o tabagismo.

Os cigarros eletrônicos, ou vapes, como são popularmente conhecidos, são proibidos no Brasil desde 2009. Mesmo assim, são encontrados facilmente no País, na internet, e têm conseguido seduzir o público mais jovem, graças aos sabores e aromas incluídos em suas composições. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 17% dos adolescentes a partir dos 13 anos já experimentaram os vapes – 70% deles têm entre 15 e 24 anos. 60% dos que se declaram consumidores do produto nunca experimentaram um cigarro convencional. No País, são cerca de 2,2 milhões de usuários, segundo o Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec).

O Projeto de Lei 5.008/2023, que tramita no Senado Federal, pretende regulamentar a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos. O tema é polêmico. A indústria alega que os DEFs são menos nocivos à saúde. Estudo recente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), porém, mostra que alguns componentes químicos encontrados nas fórmulas desses produtos aumentam as chances de infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e aterosclerose. Os que defendem a regulamentação argumentam que a proibição fortalece o mercado ilegal, já que o produto é vendido livremente sem controle de qualidade e procedência. Já os que são contrários, entre eles a maioria das entidades médicas, acreditam se tratar de um retrocesso e que a liberação irá estimular o seu consumo.

Dos 35 países que compõem as Américas, 14 não têm nenhuma regulamentação para os DEFs, 13 adotam medidas regulatórias para consumo total ou parcial e 8, entre eles Brasil e Argentina, proíbem a venda. Os dados são da Organização Pan-americana da Saúde (Opas). Nas últimas três décadas, o Brasil implementou quase todas as estratégias preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) contra o tabagismo. Apenas algumas dessas medidas são: as mensagens impactantes nas embalagens dos maços de cigarro e a obrigatoriedade de estamparem o Disque 136, serviço telefônico do Sistema Único de Saúde (SUS) de ajuda aos fumantes; a proibição do fumo em locais fechados, da propaganda de cigarros em veículos de comunicação e do patrocínio de eventos esportivos e culturais; e a oferta de tratamento gratuito para quem deseja parar de fumar.

As ações reduziram o consumo do tabaco em mais de 50% entre todas as faixas etárias. Atualmente, 9,8% dos brasileiros se declaram fumantes, segundo o Ministério da Saúde. Apesar do êxito nacional, os tabagistas ainda representam cerca de 20% da população mundial e consomem algo em torno de 6 trilhões de cigarros por ano. Anualmente, 6 milhões de pessoas morrem no mundo em decorrência do tabagismo e mais 1,3 milhão por consequências da convivência com quem fuma, os chamados fumantes passivos. O Banco Mundial estima que as doenças ligadas ao tabaco consumam aproximadamente US$ 200 bilhões todos os anos.

Que as evidências científicas e a saúde da coletividade saiam vencedoras deste debate. Pela facilidade para obter tais produtos, as autoridades sanitárias precisam agir com rigidez, antes que os hospitais, as clínicas e os laboratórios registrem aumento no volume de serviços por problemas relacionados ao tabaco. Isso terá impacto econômico-financeiro direto no SUS e na saúde suplementar. Cabe ao Estado, independentemente do resultado da consulta pública, a missão de educar, desenvolvendo campanhas de conscientização inteligentes, focadas principalmente no público mais jovem, e que elucidem os efeitos nefastos que esses dispositivos produzem para a saúde humana.

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É PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E LABORATÓRIOS DO ESTADO DE SP (FEHOESP) E DO SINDICATO DOS HOSPITAIS, CLÍNICAS E LABORATÓRIOS DO ESTADO DE SP (SINDHOSP)

Opinião por Francisco Balestrin

É presidente da Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de SP (FEHOESP) e do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de SP (SindHosp)