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Opinião|Câncer do colo do útero: rumo à eliminação da doença

A eliminação desse tipo de câncer como um problema de saúde pública é um objetivo ambicioso, mas alcançável, e passos recentes representam um progresso nessa direção

Por Flávia Miranda Corrêa

O câncer do colo do útero, apesar de ser uma doença evitável e tratável, ainda figura como um desafio de saúde pública global. No Brasil, estima-se que mais de 17 mil mulheres serão diagnosticadas por ano com essa doença até 2025, e cerca de 6 mil mortes ocorrerão, segundo dados do Ministério da Saúde. Existem muitos desafios para a eliminação da neoplasia, e um deles é o rastreamento (prevenção secundária). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), menos de 5% das mulheres em países de baixa e média renda são rastreadas para o câncer do colo do útero. Um número significativamente baixo. Mas é possível ver uma luz no fim do túnel frente a esse cenário. Durante o primeiro trimestre deste ano, importantes passos foram dados rumo à eliminação desse tipo de câncer. Um deles foi a recente incorporação da testagem molecular para detecção do HPV (papilomavírus humano) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Durante muitos anos, a detecção precoce por meio do exame de Papanicolaou ou citopatológico tem sido a principal estratégia utilizada para combater essa doença. Entretanto, o rastreio ainda é um grande desafio, já que são diversas etapas de idas e vindas às unidades de saúde para a realização do exame e, caso positivo, confirmação diagnóstica e tratamento, o que faz com que muitas mulheres abandonem o processo no meio do caminho. E isso é ainda mais latente quando são consideradas as desigualdades socioeconômicas.

Porém, estamos vivenciando um momento promissor, com a adoção de um novo método de detecção. A inclusão dos testes moleculares no SUS traz consigo diversas vantagens em relação ao exame citopatológico. Uma das principais é a sua maior sensibilidade para detecção do HPV oncogênico, o vírus responsável pelo desenvolvimento do câncer do colo do útero. Com essa nova abordagem será possível identificar, de forma mais precisa, as mulheres que estão sob maior risco de desenvolver a doença e direcioná-las para um cuidado mais adequado. Com o teste é possível mudar também a periodicidade do preventivo ginecológico. Atualmente, ele é recomendado a cada três anos, em mulheres entre 25 e 64 anos, após dois exames iniciais anuais negativos. Já o novo método permite a realização em um intervalo de cinco anos, no caso de resultado negativo, e o aumento da idade do início de rastreio para 30 anos.

Outra vantagem desse novo teste é a possibilidade da autocoleta para diagnóstico do HPV. Países que já aderiram ao novo método entregam para as pacientes um kit de autocoleta e conservação da amostra. Após a coleta residencial ou na unidade de saúde, o material é encaminhado para um laboratório. Em um país continental e diverso como o Brasil, as pessoas que vivem em localidades com acesso limitado a serviços de saúde podem se beneficiar com esse processo, uma alternativa que pode ajudar a expandir o acesso ao rastreamento, à confirmação diagnóstica e ao tratamento. Mas como garantir que os casos positivos sejam tratados? Uma estratégia eficaz é o acompanhamento da paciente por meio do fornecimento de informações claras sobre os próximos passos após o resultado do autoteste, como buscar atendimento médico para confirmação do diagnóstico e início do tratamento.

Outro passo dado para o controle do terceiro tipo de câncer mais comum e a quarta maior causa de morte por câncer em mulheres no País foi a instituição de um Grupo de Trabalho para Controle e Eliminação do Câncer do Colo do Útero no âmbito do Ministério da Saúde. Essa iniciativa é fundamental para coordenar esforços, promover ações integradas e implementar políticas públicas eficazes que visem a reduzir a incidência e mortalidade por essa doença. O grupo conta com a participação de representantes de diversas secretarias do Ministério da Saúde.

Para além do rastreio, a imunização contra o HPV também é a principal forma de prevenção primária do câncer do colo do útero. O segundo volume do info.oncollect, recente publicação feita pela Fundação do Câncer, apontou que a cobertura vacinal da população feminina de 9 a 14 anos contra o vírus causador da doença foi de 76% para a primeira dose e 57% para a segunda no Brasil. Se olharmos a primeira dose, a taxa de adesão está abaixo da meta OMS, que é de 90%. Um dos motivos para esse cenário é que muitos responsáveis desconhecem os benefícios e a segurança da vacina. Portanto, ainda precisamos de um vasto trabalho de informação junto à população.

A boa notícia é que o Ministério da Saúde atualizou o esquema de vacinação contra o HPV. A partir de agora, o novo modelo para imunização contra o vírus passa a ser em dose única para meninos e meninas de 9 a 14 anos. Com essa decisão, o Brasil se junta aos outros 37 países que já mudaram o regime de aplicação para uma dose. A dose única facilita a implementação em programas de vacinação em larga escala e, consequentemente, aumenta a cobertura. Mas será que com essa mudança será possível alcançar a meta estabelecida até 2030 pela OMS?

Além de disponibilizar os recursos é preciso informar à população sobre os benefícios e democratizar o acesso à vacina com ações de educação em saúde e conscientização da população. O ambiente escolar pode ser um grande canal para isso. É necessário quebrar esse tabu para que os adolescentes sejam instruídos e protegidos. Além disso, levar as campanhas de vacinação para dentro de todas as escolas e possibilitar a melhoria do acesso aos serviços de saúde é primordial para garantir que toda a população feminina, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tenha a oportunidade de se beneficiar.

A eliminação do câncer do colo do útero como um problema de saúde pública é um objetivo ambicioso, mas alcançável, e esses passos representam um progresso nessa direção.

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CONSULTORA MÉDICA DA FUNDAÇÃO DO CÂNCER

Opinião por Flávia Miranda Corrêa

Consultora médica da Fundação do Câncer