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Opinião|Da equiparação de licenças à licença parental

Compartilhar entre os responsáveis pela criança o tempo de afastamento do trabalho é o objetivo desta jornada para a redução da desigualdade de gênero

Meu filho mais velho, hoje com 15 anos, nasceu numa sexta-feira. O pai, na quinta-feira seguinte, já precisou retornar ao seu serviço, enquanto eu estive ausente por quatro meses. Isso porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que a licença-paternidade é de apenas cinco dias consecutivos, enquanto a materna é de 120. Recordo-me de um misto de sentimentos negativos que experimentei durante esse período, especialmente quanto ao meu desejo de voltar às atividades profissionais antes do tempo determinado, desde que eu tivesse a certeza de que meu bebê estaria amparado pelos cuidados paternos durante minha ausência.

A licença-paternidade está prevista na Constituição de 1988, em seu art. 7.º, XIX, mas ela reservou sua regulamentação à lei ordinária. Ocorre que o Poder Legislativo nunca aprovou essa norma. São quase 35 anos de mora legislativa. Como diria o jargão popular, “foi ficando” o prazo de cinco dias para o gozo da licença-paternidade estipulado não apenas pela CLT, mas também pelo art. 10, § 1.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Entretanto, há um projeto de lei (PL) que dispõe sobre o tema tramitando na Câmara desde 1989, o PL n.º 1.626, de autoria da deputada do Partido dos Trabalhadores Benedita da Silva.

Somente agora, em 2023, é que a Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho para dar o devido encaminhamento ao assunto. A Secretaria da Mulher daquela Casa convidou parlamentares e integrantes da sociedade para a elaboração de estudos sobre a regulamentação. A ideia é a de que surja um novo projeto de lei, resultado da participação efetiva de diversos segmentos, bem como se produza um relatório de impacto financeiro para a hipótese de equiparação entre as licenças concedidas a homens e mulheres, já que poderá caber ao Estado arcar com seus custos (hoje a licença-paternidade é custeada pelo empregador).

Diante da inércia do legislador, foi preciso provocar o Supremo Tribunal Federal (STF). A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20 e o julgamento do caso foi suspenso em razão de pedido de vista de Rosa Weber. Já são cinco votos pela declaração da passividade do Congresso e necessidade da solução normativa definitiva.

Apesar de argumentos ad terrorem no sentido de que tal equiparação possa ter impacto fiscal de até R$ 17,5 bilhões para 2025 – dos quais R$ 5,2 bilhões sejam custeados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e R$ 12,3 bilhões, pelas próprias empresas –, é inquestionável que a pressão sobre o afastamento do trabalho por significativo período não mais recairá sobre os ombros femininos.

Não haverá igualdade salarial para nós enquanto as empresas puderem escolher mão de obra que se afaste por meros cinco dias, ao invés de 120. A Lei n.º 14.611, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, sancionada pelo presidente Lula no dia 3 de julho passado, será apenas mais uma destas sem qualquer eficácia para as brasileiras.

Importa dizer que estamos absolutamente atrasados no ponto, porque o que queremos, mesmo, é a licença parental. Esta, que existe em cerca de 50 países, é compartilhada entre os responsáveis pela criança, que decidem em comum acordo qual o tempo de afastamento do trabalho por cada qual. Se eu tivesse tido essa chance, tenho certeza de que teria escolhido por me ausentar na primeira metade, para deixar a segunda para o pai.

A Suécia está incentivando as mães a voltarem a trabalhar com uma das licenças parentais mais generosas do mundo. São 480 dias de licença remunerada para o casal, sendo 90 dias para o pai, 90 para a mãe e os 300 restantes para eles dividirem como entenderem melhor. Juntos, eles podem tirar até 30 dias. Embora a Suécia esteja muito mais avançada do que o Brasil, já é possível afirmar que somente esta política pública ainda não resolveu o enorme hiato fruto de milênios de desigualdade de gênero.

No cenário atual, apenas 40% das mulheres suecas trabalham em tempo integral, em comparação com 75% dos homens, e eles recebem salários mais altos. Mas lá não se duvida de que essa ação do Estado impacta muito positivamente na jornada em prol dos direitos femininos.

No Brasil, o instituto da licença parental foi apresentado ao Congresso em 2021 pelos deputados Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ). Trata-se do PL 1.974/2021, que prevê 180 dias de licença a serem compartilhados por dois responsáveis pela criança, que podem ser pai e mãe, duas mães, dois pais ou outros, como avós. O projeto segue em tramitação.

No ranking de desigualdade de gênero, dentre 146 nações, o Brasil ocupa o 57.º lugar. A classificação foi feita pelo Fórum Econômico Mundial, no relatório global de desigualdade de gênero de 2023. O escore vai de zero a 1 – quanto mais perto de 1, mais próximo está o país de atingir a igualdade de gênero. O Brasil ainda pontua 0,726. O avanço pode ser lento e a jornada segue em construção.

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MESTRE E DOUTORANDA EM DIREITO PELA USP, RELATORA DA COMISSÃO DO SENADO DO ANTEPROJETO DA NOVA LEI DO IMPEACHMENT, FUNDADORA DO INSTITUTO DE ESTUDOS JURÍDICOS APLICADOS (IEJA), DEDICA-SE A TEMAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITOS HUMANOS E EQUIDADE DE GÊNERO

Opinião por Fabiane Oliveira