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Opinião|Direito de oposição ‘para inglês ver’

Regulamentar o direito de oposição individual à contribuição assistencial aos sindicatos é questão de respeito e bom senso

Atualização:

Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a contribuição assistencial aos sindicatos. Seu papel seria o de custear as negociações coletivas envolvendo trabalhadores e empregadores. O novo entendimento considera lícito impor o valor a todos os empregados de determinada categoria, sindicalizados ou não, desde que assegurado o direito de oposição.

A decisão, infelizmente, gerou pouca luz e muito calor. Do lado dos sindicatos, surgiu a leitura de que assembleias com baixíssimo quórum (por exemplo, 2% ou 3% da categoria) podem aprovar o desconto para todos. Do lado dos trabalhadores, tem-se a impressão de que a opção individual, prévia e expressa, prevista na CLT, será negligenciada. Do lado das firmas, a dúvida é de que a decisão não tornou inconstitucional o referido dispositivo da CLT que veda qualquer desconto salarial sem a anuência do trabalhador.

Historicamente, os recursos recepcionados compulsoriamente por sindicatos impulsionaram movimentos político-partidários, bem como excessos de dirigentes, já amplamente divulgados pela mídia. A volta da obrigatoriedade, sob esse prisma, é um retrocesso. Um filme a que já assistimos antes, com mesmos enredo, personagens e desfecho.

A confusão provocada, agora, leva a interpretações casuísticas e ditatoriais de centrais sindicais. Chegam a propor a criminalização do direito de oposição individual, previsto na própria CLT e que não foi revogado. Isso porque passaram a enxergar uma espécie de licença para arrecadar, sem que o trabalhador possa opinar individualmente a respeito do destino de seu salário.

Vemos que isso é decorrente do fato de que minúcias não foram previstas na referida decisão. Entre elas, qual seria o quórum mínimo das assembleias, ao envolver também não associados; como garantir a participação virtual ou híbrida; como permitir o direito de oposição por meio de um simples e-mail ou mensagem de WhatsApp; entre outras.

De forma a garantir maior segurança, o senador Styvenson Valentim propôs um Projeto de Lei (PL) que coube a mim relatar. Embora se trate de um PL anterior à decisão do Supremo, o relatório é posterior. Nessa versão, busquei tecer respostas claras sobre as dúvidas existentes. No dia 3 de outubro, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou o parecer, com voto contrário de apenas três senadores petistas.

Em suma, entendemos que salário é verba alimentar. Tanto que a própria Constituição afirma que deve atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família. Mais ainda, prevê que a única prisão por dívida permitida é aquela de quem não paga pensão alimentícia. Também com esse fundamento a Carta Magna prioriza os pagamentos, devidos pelas Fazendas Públicas, que tratarem de salário.

Ora, é óbvio, portanto, que uma parte de tal verba não pode ser disposta livremente, ou sem consentimento, sob pena de violar um direito individual. O direito de oposição individual deve ser exercido de forma simplificada. Ou seja, por comunicação eletrônica, com assembleias que tenham participação remota, fornecendo ampla publicidade do direito de oposição; com o recolhimento da contribuição pelo trabalhador optante, e não por responsabilização das empresas, salvo as que desejarem permanecer operacionalizando o desconto.

Já vimos muitos relatos na imprensa de pessoas que passam horas em filas debaixo de sol, chuva, constrangimentos e até ameaças. No mês passado vimos o exemplo de um sindicato, no Distrito Federal, que aprovou desconto em folha em assembleia que reuniu cerca de 30 trabalhadores. Essa pequena parcela teria imposto uma decisão que impactou diretamente cerca de 40 mil profissionais. Ou seja, a aprovação se deu por uma expressão menor do que 0,08% da categoria.

O direito de oposição teria ocorrido em fila num horário restrito, durante o expediente. Os vídeos gravados pelos próprios trabalhadores retrataram o desprezo pelo tempo alheio, um servidor idoso derrubado e inúmeras queixas de quem se via no dilema entre abandonar o dia de serviço para tentar a sorte numa fila interminável.

O governo tem conduzido a discussão em torno dessas situações como um ato de democracia, dado que são organizações coletivas, e, portanto, isso bastaria para que as decisões em assembleia se sobrepusessem ao posicionamento individual.

A falta de razoabilidade é evidente, assim como as situações mencionadas não são casos isolados. Relatei, no referido projeto, um amplo conjunto de informações a respeito de cobranças de valores abusivos, comparecimento presencial compulsório em horários restritos ou inacessíveis, cobranças retroativas e até taxas de R$ 150,00 para, pasmem, exercer o direito.

Portanto, o direito de oposição não pode ser para inglês ver. Vamos regulamentá-lo, em nome do bom senso, adotando práticas que já são exercidas em outros países. É apenas uma questão de respeito ao trabalhador, bem como um dever dos representantes da população.

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SENADOR (PL-RN), LÍDER DA OPOSIÇÃO NO SENADO, FOI SECRETÁRIO ESPECIAL DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA (2019-2020) E MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL (2020-2022)

Opinião por Rogério Marinho