Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Gravidez na adolescência e economia da vida

O problema gera impactos negativos para a economia de muitas vidas. Para a menina-mãe e sua criança especialmente, mas é de todos o custo socioeconômico

Há poucos meses voltei de minha licença-maternidade. Estou com os superlativos que envolvem a tarefa de gerir, parir e cuidar de uma vida à flor da pele. É um período comovente, de uma alegria constante e terna, que resiste mesmo ao mais extremo cansaço de longas madrugadas. Mas essa é a minha experiência, de alguém que desejou ter um filho e se estruturou para esse momento. É muito diferente da situação de milhares de meninas que engravidam e têm bebês sem o preparo ou a idade para isso. A gravidez na adolescência é um tema que pede a atenção de todos, pelo bem das nossas adolescências e também de nossas infâncias e do futuro da sociedade.

Segundo o Ministério da Saúde, entre 2008 e 2019 nasceram 6.118.205 de bebês de mães adolescentes no Brasil. A média brasileira é 20% superior à mundial. Norte, Nordeste e Centro-Oeste concentram 67% dos nascimentos de crianças com mães entre 15 anos e 19 anos e 74% dos bebês de meninas de 10 anos a 14 anos. Que a maior incidência dos casos ocorra onde se concentram as populações mais pobres é um alerta para a manutenção das desigualdades e a nossa incapacidade de estruturar soluções que quebrem os ciclos intergeracionais de pobreza.

Como a grande maioria dos problemas que atingem os mais pobres, estamos falando de questões que comprometem a vida de meninas pretas, pardas e indígenas. Estudos de organizações como a Plan International, o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), o Unicef e um levantamento feito pelo Estado de São Paulo nos contam diferentes versões de uma mesma história.

A adolescente pobre que engravida interrompe seus estudos. Apenas 2,4% das mães adolescentes conseguem cumprir 12 ou mais anos de educação. A saída da escola diminui o acesso a oportunidades de conquistar sua autonomia financeira. Segundo estudo da Plan International e do Banco Citi, não garantir o acesso de todas as meninas ao ensino médio significa deixar de aumentar o PIB em até 10% nos países em desenvolvimento.

Esse significativo incremento econômico se dá pela maior empregabilidade e geração de renda dessas meninas. Mas os retornos desse investimento vão além e relacionam-se com a melhoria da educação e da saúde das garotas, além da diminuição da mortalidade infantil, da morte prematura no parto e da própria gravidez na adolescência.

Tão importante quanto a vida e o futuro desta menina-mãe é a do bebê que ela gera. A situação de uma mãe adolescente, eventualmente solo ou que vive num casamento abusivo, que não tem estrutura, recursos nem preparo para lidar com os desafios da maternidade põe em risco o desenvolvimento integral da criança, com impactos comprovados em seu desempenho escolar, social e socioemocional.

A atenção adequada com a primeira infância, por outro lado, pode blindar aqueles que nasceram em contexto de vulnerabilidade social. Uma criança bem cuidada se transforma num adulto produtivo, saudável e autônomo. Com a proteção a esta fase da vida, os ganhos no futuro de cada indivíduo são 25% superiores aos de seus pares do mesmo contexto sem esses cuidados na infância.

O grau de instrução formal da mãe é preditor de escolhas mais saudáveis para o bebê desde a gestação até o número de anos que essa criança frequentará a escola. Essa é uma das razões de termos, na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, o mantra “a importância de cuidar de quem cuida”, para que se construa um modelo econômico no qual a possibilidade de crescimento seja real.

As pesquisas na primeira infância têm repetidamente evidenciado que o investimento no início da vida gera retorno para a criança, sua família e toda a sociedade, na medida em que aumenta a geração de emprego e renda ao mesmo tempo que reduz os gastos públicos com saúde e educação. Essa eficácia nos investimentos não só traz benefícios diretos, mas os perpetua para futuras gerações.

Construir o caminho para fazer essa equação funcionar, entretanto, não é simples. Daí a importância de manter a visão sistêmica, mas investir em atitudes concretas e propostas específicas para trabalhar o tema.

Evitar que meninas engravidem antes da hora melhora a economia da vida. Embora não haja proposta única, sabemos que políticas públicas são fundamentais para diminuir a incidência de gravidez indesejada e precoce. Entre as ações analisadas, a que se destaca como a mais efetiva é promover a educação sobre o tema.

A educação reprodutiva e de direitos sexuais não diz respeito apenas a conhecer métodos anticoncepcionais. Trata-se, sobretudo, de a adolescente aprender a pensar o direito sobre o próprio corpo, refletir sobre escolhas e passar a identificar situações de abuso e coerção.

Convidamos todos a se juntarem a nós na reflexão sobre os riscos de não enfrentar este problema histórico. Além do drama pessoal vivenciado por cada adolescente, trata-se de uma ameaça econômica para nossa sociedade, que perde a oportunidade de fazer crescer e desenvolver seus jovens e suas infâncias.

*

CEO DA FUNDAÇÃO MARIA CECILIA SOUTO VIDIGAL, É ‘YOUNG GLOBAL LEADER’ DO FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Opinião por Mariana Luz