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Opinião|Mercado de carbono, incentivos e as oportunidades para o Brasil

O combate às emissões de GEEs e às mudanças climáticas não poderá dar-se meramente mediante a taxação e políticas de comando e controle (fiscalização)

Atualização:

Nos aprendizados de finanças públicas, sabe-se que as funções do Estado são três. A função de estabilização, que se associa à manutenção do emprego e da renda ao mesmo tempo que se busca a estabilidade dos níveis de preços; a função distributiva, que se volta para uma melhoria na distribuição de renda da sociedade (previdência social, assistência social, políticas sociais etc.); e, finalmente, a função alocativa, que é um dos objetivos centrais deste artigo.

A função alocativa analisa a eficiência do sistema econômico e da alocação de recursos. Por vezes, o desejável funcionamento dos mecanismos de mercado não nos permite obter maiores níveis de eficiência e, consequentemente, uma melhor alocação de recursos. Isso ocorre por causa das chamadas falhas de mercado. Entre as falhas de mercado, podemos citar as falhas de competição; as externalidades, positivas e negativas; os bens públicos; os mercados incompletos; e a assimetria de informação. Neste momento, estamos particularmente interessados nas externalidades negativas.

As externalidades negativas ocorrem quando um indivíduo ou firma (empresa) impõe um custo excessivo à sociedade sem que a sociedade seja compensada por isso. Neste caso, consideramos que o benefício privado é superior ao benefício social, sendo justamente este desequilíbrio o gerador da externalidade. No caso, há a produção de uma externalidade negativa quando um indivíduo/firma se beneficia às expensas dos demais indivíduos e o resultado é uma piora dos níveis de bem-estar social.

Estamos ainda muito teóricos. Talvez um exemplo nos faça ver mais claramente o que é a externalidade negativa e suas consequências. A poluição é um dos casos mais clássicos de externalidade negativa. Nesta situação, uma empresa, no seu processo produtivo, despeja num curso d’água ou no ar dejetos. Tais dejetos irão prejudicar quem faz uso da água rio abaixo ou quem respire o ar perto dessa firma. Logo, a empresa gerou uma perda de bem-estar para a população em seu entorno.

Podemos generalizar o pensamento construído no parágrafo anterior e adaptá-lo para as mudanças climáticas e a emissão de gases de efeito estufa (GEEs)? Sim. Esta é justamente uma forma econômica de explicar os efeitos das emissões de GEEs e o aquecimento global. De outra forma, as emissões de determinadas atividades, processos e organizações, ao provocar o aquecimento global e as mudanças climáticas, geram uma série de efeitos negativos sociais e econômicos sobre o mundo. Esses efeitos negativos são provenientes justamente de uma externalidade negativa: as emissões de GEEs.

Temos, então, que as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a sociedade são fruto de uma externalidade negativa, que, como vimos acima, trata-se de uma falha de mercado. Esta, por sua vez, sugestiona uma intervenção do Estado na economia para eliminar ou ao menos mitigar este desequilíbrio que afeta a sociedade mundial. O raciocínio é, então, o seguinte: deve-se reverter a externalidade negativa, que é provocada pela emissão excessiva de GEEs.

Normalmente, falamos que a reversão de uma externalidade negativa, como a poluição ou a geração de resíduos, é mediante a imposição de uma taxação justamente sobre os poluidores. No entanto, a imposição de uma taxa talvez não gere os melhores incentivos econômicos para a superação deste inadequado funcionamento do mercado e, no presente caso, reverter as mudanças climáticas. Há dificuldades desde a fixação de seu valor à sua efetiva cobrança. Imagine, por exemplo, o número de fiscais ambientais e advogados necessários para pôr um instrumento deste em funcionamento – obviamente, as multas estarão sujeitas a longos processos administrativos e judiciais. Os custos regulatórios da medida – lembrando que vivemos num ambiente de escassez de recursos, ainda quando observando a situação fiscal do Estado brasileiro – e sua baixa efetividade nos forçam a procurar alternativas mais viáveis às medidas de comando e controle.

Há, de fato, um mecanismo que pode ser mais eficiente para enfrentar as mudanças climáticas – nem de perto pode ser o único, mas é um instrumento que pode apoiar a reversão do processo. Trata-se do “sistema de comércio de emissões” ou Emission Trading System (ETS). Neste sistema, as unidades produtivas são divididas entre deficitárias e superavitárias. As deficitárias são aquelas que emitem além de uma determinada cota autorizada. As superavitárias, por outro lado, emitem num nível inferior ao autorizado. Como resultado, as unidades superavitárias podem vender seus excedentes para as unidades deficitárias, que, desta forma, compensam seu excesso de emissões. Este é o mercado de carbono, que pode nos ajudar a obter um “equilíbrio de mercado ambiental”.

É importante trazer outro ponto relevante: a maior eficiência e efetividade deste sistema de trocas no combate às mudanças climáticas. Na medida em que unidades superavitárias podem vender seus excedentes e, dessa forma, auferir resultados econômicos, combater as emissões e as mudanças climáticas pode ser lucrativo. Logo, há incentivos para diminuir as emissões de GEEs. Por outro lado, as unidades deficitárias, que o são pelas dificuldades tecnológicas e de custos, podem compensar suas emissões numa espécie de indulgência. Este sistema consegue obter o melhor de cada organização e é justamente daí que vem a maior eficiência. Estes são os incentivos por trás do combate aos problemas ambientais.

Falta colocar a situação brasileira nesta equação. Temos uma situação extremamente privilegiada. Em razão de nossa extensão territorial e de nosso clima privilegiado, podemos construir soluções baseadas na natureza em larga escala para combater as mudanças climáticas. A possibilidade de transformar áreas desmatadas ou degradadas em novas florestas que capturam carbono surge como uma nova potencial fonte de empregos e renda para os brasileiros. Ajudamos, dessa forma, a combater um seriíssimo problema ambiental global e, ao mesmo tempo, produzimos oportunidades de negócios.

Com base na discussão realizada, verifica-se que o combate às emissões de GEEs e às mudanças climáticas não poderá dar-se meramente mediante a taxação e políticas de comando e controle (fiscalização). Estas não tendem a gerar incentivos suficientemente adequados. De outra forma, sem os incentivos adequados, o combate aos problemas climáticos terá custos muito maiores, drenará recursos e tenderá a ser inefetivo. Na outra ponta, percebe-se que a adoção dos adequados incentivos econômicos pode nos ajudar não só a solucionar os problemas climáticos, como nos trazer algum bônus econômico – os chamados cobenefícios, na linguagem do Acordo de Paris.

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INSTRUTOR CREDENCIADO DO INSTITUTO BRASILEIRO GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC), PROFESSOR COLABORADOR DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (IDP), É PROFESSOR CONVIDADO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL (FDC)

Opinião por Fernando Antônio Ribeiro Soares

Instrutor credenciado do Instituto Brasileiro Governança Corporativa (IBGC), professor colaborador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), é professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC)