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Opinião|O investimento do Ministério da Saúde em hemodiálise

Precisamos repensar e otimizar a difícil jornada do paciente renal. O caminho mais efetivo é propagar a diálise peritoneal com educação sobre o tratamento e investimento neste método dialítico

Por Geovana Basso

Há alguns dias fomos agraciados com uma nota do Ministério da Saúde anunciando que irá destinar R$ 200 milhões para custear equipamentos de hemodiálise em uso no Sistema Único de Saúde (SUS), visando a promover assistência às pessoas em tratamento da doença renal crônica. Mas qual o impacto da iniciativa para o paciente?

A doença renal crônica, que consiste na perda lenta e gradual da capacidade dos rins de realizar as suas funções, tem alto índice de mortalidade, e é a realidade de ao menos 10% da população mundial (ou seja, 1 em cada 10 tem algum grau de doença renal). Esta lesão nos rins é progressiva, silenciosa e irreversível e faz com que grande parte dos pacientes necessite de tratamentos de reposição renal chamados de diálise, ou seja, uma terapia para suprir algumas das funções renais, como filtrar impurezas do organismo e remover excesso de líquido.

O investimento citado é um avanço para a jornada do paciente, porém é importante ressaltar que, além da hemodiálise, existem outros dois tipos de terapias: a diálise peritoneal e o transplante.

A hemodiálise consiste num procedimento pelo qual uma máquina filtra o sangue, fazendo parte do trabalho que o rim doente não pode fazer, e é realizada numa clínica no mínimo três vezes por semana. No caso da diálise peritoneal – também conhecida como terapia domiciliar –, o paciente faz o tratamento em casa, normalmente enquanto dorme, por meio de um cateter implantado no abdômen. E o transplante de rim é uma modalidade bem desenvolvida e realizada em nosso país. Todas são terapias ofertadas no Brasil e contempladas no SUS, no qual, de acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 82% dos pacientes dependem exclusivamente desse financiamento para ter acesso ao tratamento.

A diálise peritoneal é recomendada em alguns países como modalidade terapêutica de primeira escolha. No Brasil, apesar dos seus benefícios comparados à hemodiálise, ainda não é o tratamento mais utilizado. Conforme o mais recente Censo de Diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia, do ano de 2022, mais de 153 mil pacientes estão em terapia renal substitutiva (TRS), e os dados apontam que aproximadamente 5%-6% desses pacientes fazem diálise peritoneal; o restante está em tratamento por hemodiálise. Apesar de a terapia ser financiada pelo SUS, 74% das clínicas de nefrologia que prestam o serviço de terapia renal substitutiva são instituições privadas, 18% são filantrópicas e 8%, públicas.

Apesar da baixa utilização da diálise peritoneal no País, estudos demonstram os benefícios clínicos desse tratamento em comparação com a hemodiálise, especialmente quando escolhida como primeiro método de terapia renal substitutiva, em que apresenta maior sobrevida nos primeiros anos e maior preservação da função renal residual. Além de permitir maior inserção social e qualidade de vida aos pacientes, a diálise peritoneal pode ser indicada em até 90% dos casos e representar economia de recursos. O método fornece qualidade de vida pelo fato de ser realizado em casa e, ao mesmo tempo, preserva a diurese residual dos pacientes, melhorando a sobrevida deles.

Precisamos repensar e otimizar a difícil jornada do paciente renal. Ainda faltam vagas para diálise e temos regiões desprovidas do tratamento. Iniciativas como esta do Ministério da Saúde chegam a estes pacientes em situações de vulnerabilidade. Todavia, acredito que o caminho mais efetivo é propagar a diálise peritoneal por meio da educação sobre o tratamento (tanto para os profissionais da saúde quanto para os pacientes), investir recursos no financiamento deste método dialítico e apoiar a escolha compartilhada (shared decision-making) do melhor método pelo próprio paciente.

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MÉDICA NEFROLOGISTA, É MESTRE PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP)

Opinião por Geovana Basso