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Opinião|Os confrontos que dividem Israel

Próximo passo do Parlamento poderá ser a batalha em que a teocracia pretende vencer o confronto com a democracia

Na segunda metade dos anos 20 do século passado, o movimento sionista sofreu uma implosão significativa. Um judeu chamado Vladimir (Zeev) Jabotinsky, natural da cidade ucraniana de Odessa, 45 anos, lançou o movimento Sionista Revisionista. Dono de carisma pessoal, excepcional orador, um talento literário, Jabotinsky se insurgiu contra os líderes sionistas de então. Assumiu agressiva oposição ao socialismo, que era a ideologia predominante entre os líderes sionistas de seu tempo. Estes eram seguidores de Ber Borochov, um intelectual judeu nascido na Ucrânia em 1881, que morreu com apenas 36 anos de idade, tendo deixado um precioso legado: a formulação do sionismo socialista.

Jabotinsky pregava a existência de uma nação judaica na Palestina Otomana, que, conforme arguia, deveria se estender desde o Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo. Os socialistas judeus discordavam dessa abrangência territorial. Seguiam os ensinamentos do pensador e pioneiro Aaron David Gordon (1856-1922), que propunha a ocupação da terra por meio de aquisições formais e, sobretudo, por meio do trabalho braçal na agricultura.

Quando a Polônia foi invadida em 1939, Jabotinsky já havia percorrido diversos países europeus em sua cruzada revisionista e decidiu partir para os Estados Unidos. Em Nova York, passou a contar, até sua súbita morte em 1940, com um secretário e braço direito voluntário chamado Benzion Netanyahu, pai do atual primeiro-ministro de Israel.

A ideologia revisionista passou de pai para filho e essa circunstância é fundamental na trajetória política de Benjamin Netanyahu, que agora tem como ápice inamovível a limitação do poder da Corte Suprema de seu país. Netanyahu a considera subjugada pela esquerda, no mesmo tom que Jabotinsky demonizava o socialismo. Tanto assim que, quando é confrontado pela oposição, Netanyahu não a denomina como oposição, mas como esquerda. Na verdade, a atual oposição que lhe é feita abriga distintas posições ideológicas. Sua doutrinação revisionista é tão acentuada que, quando incrementa novos assentamentos na Cisjordânia, ele busca o antigo ideal de ter a terra de Israel disposta desde o Jordão até o oceano.

A rigor, o socialismo sionista jamais foi um adepto do marxismo radical, mas de um trabalhismo nos moldes britânicos. Ao cabo da 2.ª Guerra Mundial, o movimento sionista abrigava três correntes principais: a trabalhista, liderada por Ben-Gurion, a centrista liderada por Chaim Weizmann e a revisionista liderada por Menachem Begin. Os sionistas religiosos pontuavam muito menos.

Em 1948, o primeiro governo de Israel optou por um regime social-democrata tal como os que atualmente existem na maioria dos países europeus. Os revisionistas formaram o Herut, partido de oposição, que gerou o partido conservador Likud, ao qual Netanyahu pertence desde sua iniciação política. O Likud cresceu exponencialmente a partir da década de 90 e vem-se sustentando no poder.

Este crescimento se deu em razão da imigração de 1 milhão de judeus russos para Israel depois do colapso da União Soviética. Os judeus russos, egressos da opressão comunista, tinham justificado horror a qualquer forma de expressão socialista e passaram a votar em massa no Likud, acompanhados por sua segunda geração. Assim, o partido trabalhista, pai da pátria, foi sendo erodido a partir do século 21 e hoje está à míngua. Ou seja: o antiesquerdismo pregado por Jabotinsky e impulsionado por Netanyahu acabou vencendo o confronto.

Para formar maioria em seu primeiro governo de formação secular, Ben-Gurion cedeu às demandas dos partidos religiosos que eram, e ainda são, fiéis das balanças eleitorais em Israel. As concessões de Ben-Gurion permitiram que os religiosos mantivessem um sistema educacional em separado e isentaram seus filhos e filhas de cumprirem o serviço militar. Essas medidas, acrescidas de robustas verbas oficiais, selaram uma divisão entre seculares e religiosos na sociedade israelense. Isso foi acrescido pelo fator demográfico, com os religiosos sempre tendo mais filhos do que os seculares, e se tornaram uma força política muito mais expressiva e dada ao confronto.

É neste cenário que entram em cena os atuais direitistas extremistas de Israel. Nacionalistas xenófobos, estes se aliaram aos ortodoxos, revestindo sua atuação com um manto de religiosidade, que visa a colocar a ordem litúrgica acima da ordem jurídica, quer dizer, acima da Suprema Corte do país.

Há pouco, o Parlamento israelense, dominado pela coalizão do governo, aprovou uma resolução que extingue a cláusula de razoabilidade, adotada pela Corte quando necessário. (Isso equivale a se, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal fosse impedido de proferir um desvio de finalidade.) O segundo passo do Parlamento será no sentido de dar-se ao direito de revisar, ou até mesmo de anular, uma decisão da Suprema Corte. Se passar, será uma medida na medida do Talibã. Será a batalha em que a teocracia pretende vencer o confronto com a democracia.

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JORNALISTA

Opinião por Zevi Ghivelder