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Opinião|Para onde vai a democracia brasileira?

Toda hipertrofia de poder traduz anomalia institucional, alertando que algo não está bem na República. Sintomas ecoam aos ventos

Por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.

Há um clima de intranquilidade e preocupação no País. Além de riscos geopolíticos extraordinários, é fato público e notório que a política institucionalizada não mais consegue bem responder aos anseios de uma cidadania frenética e impaciente aos velhos arranjos de ocasião. A desconexão de perspectivas salta aos olhos. De um lado, uma dinâmica realidade social em transformação, verticalmente impactada pelas lógicas da inovação e tecnologia, criando um ambiente cívico hiperconectado em fluxo informacional imediato. Do outro, cruzando o vale do abismo bizantino, resta uma classe política feudal, geneticamente atrasada, herdeira do colonialismo extrativista, do patrimonialismo estatal parasitário, do poder pelo poder, do desapego à lei e da imoralidade estonteante.

No desvão da política nacional, exceções são cada vez mais raras, minguando no lodo viscoso de um sistema que insiste em não querer mudar. Aliás, no pouco já visto, é possível intuir que Lula da Silva nada mudou e que insistirá em pautas do petismo fracassado. Os famigerados “mensalão” e “petrolão” parecem não ter surtido qualquer efeito pedagógico. Em ostensiva homenagem ao retrocesso institucional, a fragilização de aprimoramentos políticos importantes, como a Lei das Estatais, em favor de amigos ou companheiros de quermesse, exala profundo desrespeito aos princípios constitucionais da eficiência e impessoalidade na administração pública (Artigo 37, Constituição federal). Agora, será possível respeito à lei no país da impunidade desbragada?

Sim, a recente eleição presidencial revela o teor do cancro. Sem cortinas, opções eleitorais baixas e despreparadas são fruto de um sistema político-partidário doente. Triste nação; pobre país. Se Lula representa trevas de imoralidade, o governo Jair Bolsonaro marca época de estupidez monumental. Nesse jogo de soma negativa, era impossível ter vencedores; a derrota estava no âmago das opções em liça. Assim, voto após voto, o maior derrotado foi, decididamente, o próprio Brasil.

Ora, não mais podemos silenciar diante da grave decadência estrutural da política brasileira. A situação – faz muito – passou todos os limites aceitáveis. Simplesmente, não há corpo social que resista a tantas agressões e sucessivas humilhações. Na escuridão do momento, balizas civilizatórias estão sendo colocadas perigosamente em xeque. Melhor não brincar com certos instintos bestiais. A História, em páginas cruas, ilustra males incontroláveis de duradouros efeitos danosos. Hora, portanto, de restabelecermos o primado da consciência cívica independente, aquela que não teme e não se deixa calar.

Na agenda positiva, abre-se amplo campo de trabalho ao civismo ativo, responsável e integrador. Tal espaço democrático deve ser exercido, com firmeza e direção, pelos cidadãos conscientes e pela sociedade civil organizada. A pura e simples terceirização de responsabilidade a políticos e partidos fracassou. Isso não significa que partidos e políticos não sejam essenciais à democracia institucionalizada; sim, o são, mas os que aí estão submergiram na incompetência inercial, impondo-se necessária renovação. Tal renovação, logicamente, não ocorrerá por velhos métodos de intervenção militar nem por regimes jurídicos de exceção. Os erros do passado devem seguir enterrados no cemitério dos acontecimentos, pois o futuro requer novas angulações.

Aqui chegando, importante destacar que sentenças judiciais não resolvem problemas políticos, podendo, inclusive, os agravar. Ou seja, questões políticas devem ser politicamente resolvidas, até mesmo porque existem competências constitucionais que são só, e somente só, do Parlamento e do Executivo. E, frisa-se, de mais ninguém. Nesse sentido, toda hipertrofia de poder – seja ela qual for – traduz anomalia institucional, alertando que algo não está bem na República. Os sintomas ecoam aos ventos. As disfunções se exacerbam. Enquanto o Estado de Direito se ajoelha, o cidadão perde a fé perante um altar sem santos. Felizmente, política digna não precisa de santidade, mas de traços humanos virtuosos como a decência, verticalidade, coerência, bondade, compaixão e ação correta.

Por tudo, a democracia brasileira grita desesperadamente por ajuda. Somos nós, cidadãos, que temos o dever de ajudar. A sabedoria superior de Paulo Brossard costumava dizer que “o exercício de atividade pública é o ônus da cidadania”. Algumas lições políticas jamais perdem atualidade. Sobre o amanhã, a bússola democrática apontará para onde rumar nossos passos e, fundamentalmente, à força magnética do trabalho cívico diário, sério e impessoal, em favor do bem comum, auxiliando, com criatividade e inteligência, o processo construtivo de novas respostas, de novos arranjos eficazes e no surgir de novos líderes político idôneos, corajosos e competentes.

Assumiremos, então, o leme ou seguiremos a navegar ao léu?

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ADVOGADO, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM

Opinião por Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.