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Opinião|Por que álcool e gravidez não combinam

O conteúdo de qualquer copinho inocente pode atravessar a proteção da placenta e diminuir a quantidade de oxigênio enviada ao feto, prejudicando o desenvolvimento cerebral e a formação óssea

Por Clóvis Francisco Constantino

Em 9 de setembro destaca-se o Dia de Prevenção e Conscientização da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). Trata-se de doença grave e irreversível que compromete o desenvolvimento cerebral de bebês, provoca anomalias congênitas, como problemas cardíacos e fenda do palato, entre outros problemas de saúde.

No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência da SAF é estimada em um caso para cada mil nascidos vivos. Contudo, o número certamente é bem maior em virtude da subnotificação consequente do desconhecimento sobre a doença entre médicos, profissionais de saúde e população, da dificuldade de diagnóstico e, ainda, do crescimento do consumo de bebidas alcoólicas entre as mulheres.

Estudos internacionais apontam que a prevalência é maior em populações vulneráveis socioeconomicamente. Esse achado científico é corroborado, em território nacional, por pesquisa de meados de 2014, com 2 mil puérperas do Hospital Municipal Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha: 33% das acompanhadas bebiam mesmo esperando um bebê. O mais grave: 22% consumiram álcool até o dia de dar à luz.

Seja de médicos, de familiares, de amigos ou de conhecidos, gestantes escutam à exaustão que não se deve ingerir bebidas alcoólicas durante a gravidez. A recomendação, no entanto, costuma ser vaga e muitas vezes não responde às perguntas feitas pelas futuras mamães: Por quê? Quais são os riscos? Existe consumo seguro? Como o álcool afeta o bebê?

O espectro de desordens fetais alcoólicas, do inglês Fetal Alcohol Spectrum Disorders (Fasd), está sempre à espreita de crianças expostas à bebida no útero. Elas podem ter atrasos de memória, fala, audição e atenção, dificuldades na aprendizagem escolar, especialmente em Matemática, e no relacionamento interpessoal.

Quando crescem, correm o risco de se tornarem adultos com problemas de saúde mental e de comportamento, desrespeitando leis, consumindo drogas e demonstrando dificuldades com o emprego, conduta sexual inadequada e dependência física e emocional.

A situação se agrava ao entrar em cena a Síndrome Alcoólica Fetal, a mais séria das desordens do espectro Fasd. Crianças portadoras da SAF completa manifestam não apenas alterações comportamentais, como também físicas desde o nascimento – mais de 400 já foram listadas, mas as principais delas são a microcefalia, isto é, cabeça e crânio pequenos, e as dismórficas faciais típicas, como olhos pequenos, lábio superior fino e fissuras palpebrais curtas.

Além disso, os bebês com a síndrome tendem a crescer de forma lenta dentro do útero e a apresentar, já nascidos, baixo peso relativo à altura, deformidades nas articulações, problemas no coração, nos rins e nos ossos. Estima-se que para cada indivíduo com a SAF completa existam ao menos dez com outras desordens em todo o mundo. Isso corresponde a de 1% a 3% da população geral.

Embora essas alterações variem de pessoa para pessoa e dependam da quantidade de álcool ingerida ao longo da gravidez, é preciso salientar que não há nível seguro de consumo. Adotar abstinência total é a única maneira de prevenir as doenças. O conteúdo de qualquer copinho inocente pode atravessar a proteção da placenta e diminuir a quantidade de oxigênio enviada ao feto, prejudicando o desenvolvimento cerebral e a formação óssea.

Por colocarem em risco o aleitamento materno, bebidas também são desaconselhadas depois do nascimento. O álcool é transferido para o leite entre 30 e 60 minutos após a ingestão e pode alterar o seu cheiro e seu sabor, levando o bebê a recusar o alimento e à redução de sua produção, pois inibe a fabricação do hormônio prolactina, responsável por ela. Sonolência, sudorese, sono profundo, fraqueza e, por conseguinte, ganho anormal de peso, diminuição do crescimento linear e outros riscos rondam os pequenos.

Retornando à análise de dados brasileiros: são localizados e insuficientes. Estimativas mundiais indicam que 1 em cada 13 mulheres que bebem durante a gestação dará à luz um bebê com Fasd, o que resulta no nascimento 630 mil portadores de desordens fetais alcoólicas todos os anos ao redor do globo.

Importante frisar que essas crianças podem, sim, viver com mais qualidade, se submetidas, o mais cedo possível, a um bom acompanhamento com obstetras, pediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais. Entretanto, como estamos falando de doenças sem cura ou tratamento exato, o melhor caminho sempre será evitá-las antes que surjam.

Uma palavra que deve sempre permanecer no nosso radar é moderação. Quando na gestação, zero álcool. Levantamento realizado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), com dados do Datasus 2021, aponta que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, caracterizado pela ingestão de quatro ou mais doses, cresceu 4,25% entre as brasileiras na última década. Investigar as razões por trás do aumento é urgente. Vidas de mães e filhos, afinal, estão em jogo.

Neste 9 de setembro – aliás, durante todo o mês – e também em outubro, em razão do Dia das Crianças, a Sociedade Brasileira de Pediatria realizará uma série de ações de conscientização em sua campanha permanente #gravidezsemálcool, ao lado da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e do Instituto Olinto Marques de Paulo (Iomp), Associação Médica Brasileira e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Vale acompanhá-las, para obter informações cientificamente sólidas e não dar brecha para a SAF. Fica a dica: se ama, não beba. Seu bebê será saudável e teremos novas gerações mais felizes.

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É PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA

Opinião por Clóvis Francisco Constantino