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Futuro hipotecado

A cornucópia de concessões e exceções para aprovar a reforma tributária joga para as gerações futuras a conta dos interesses imediatos; faltam políticos que pensem além de seus mandatos

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Por Notas & Informações
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Um dia após ter apresentado o parecer da reforma tributária, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que as mudanças que havia proposto não serão suficientes para angariar os votos necessários para aprová-la. O relator disse que o governo, ao concordar com o aumento dos repasses do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões, “já aceitou dar o primeiro beijo” e passou o sinal de que cederá ainda mais. Deixando à parte a infeliz metáfora mencionada pelo senador, as discussões sobre a reforma tributária dizem muito sobre o País.

Numerosos regimes especiais foram criados ao longo do tempo para conferir vantagens aos mais variados setores econômicos sem que houvesse uma análise prévia ou póstuma dos custos e benefícios de cada uma dessas medidas. Cada segmento beneficiado reduziu a capacidade de arrecadação da União, dos Estados e dos municípios, que há anos não conseguem dar conta de suas despesas. Ainda assim, o Senado quer criar uma trava para manter a carga tributária no mesmo nível dos últimos dez anos e impedir medidas que resultem em receitas mais elevadas.

Na conjuntura atual, a conta simplesmente não fecha e, se depender das negociações sobre o texto final da reforma, jamais voltará a fechar. Sabe-se que não é exatamente assim, mas a tônica das discussões expressa uma preocupação com o imediato e um menosprezo às implicações que essas concessões terão no futuro. Só isso explica declarações como a de Braga, para quem um fundo de R$ 60 bilhões em 2043 representa uma “miserabilidade”, e a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para quem o incremento de R$ 20 bilhões neste mesmo fundo seria “pequeno e sustentável”.

Nem o senador nem o ministro devem realmente acreditar no que disseram, mas suas declarações reforçam o quanto as negociações sobre o texto final estão pautadas pela estrita perspectiva do presente. Em 20 anos, Haddad não será o ministro da Fazenda, e não caberá mais a ele encontrar formas de reduzir o déficit público. Com 40 anos de vida pública, o senador, segundo suas próprias palavras, terá “virado pó” em 2043.

Não parece haver ninguém disposto a impedir as escolhas erradas prestes a serem feitas neste momento e que afetarão um futuro longínquo. Ora, quem escolhe seguir a vida pública não pode pensar apenas em votos ou apoio político na próxima eleição. Não pode perder de vista a dimensão do futuro, pois propõe mudanças e compactua com concessões em nome de uma sociedade que ainda não tem como se defender.

Também por isso a reforma tributária é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Seu texto, uma vez aprovado, passará a ser parte da Carta Magna e produzirá efeitos por muitos e muitos anos. Esta não é, nem nunca foi, a reforma do governo Lula ou a reforma desta legislatura. É uma reforma que nos encaminha para o País que queremos ser.

Nunca houve um momento político mais favorável do que este à aprovação de uma reforma tributária. Por isso mesmo, a chance de acabar com o manicômio tributário não pode ser desperdiçada. O esgotamento do modelo anterior , reconhecido por todos, está por trás do declínio da indústria, da queda da produtividade, da redução dos investimentos e do baixo crescimento econômico. A sociedade pagou um preço muito elevado por esses erros e não pode repeti-los nem legá-los às gerações futuras.

A votação da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve ocorrer entre os dias 7 e 9 de novembro. Depois, seguirá para o plenário e ainda terá de voltar para a Câmara. Logo, ainda há tempo para aprimorar o parecer que será submetido aos senadores. Afinal, em um modelo que acaba com a cumulatividade de impostos e que garante a recuperação de créditos ao longo da cadeia, tratamentos especiais e alíquotas reduzidas podem e devem ser exceções, não a regra.

Atualizar os estudos que estimam a alíquota padrão para manter a arrecadação pode contribuir para trazer de volta alguma racionalidade neste debate. Quanto mais próxima ela estiver do patamar de 30%, maior será a necessidade de rever as exceções.