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Opinião|Os riscos que rondam o mundo

Relatório do WEF apresenta problemas que não compreendemos inteiramente e para os quais talvez não estejamos preparados

Foto do author Jorge J. Okubaro

Mais do que surpreendente, o relatório do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) sobre os dez principais riscos que o mundo terá de enfrentar nos próximos anos é um alerta perturbador. É inovador, pois mostra que questões econômicas, que tanto importunaram as sociedades e incomodaram as mentes de governantes, executivos e estudiosos, estão desaparecendo do foco das pessoas que pensam o futuro. Mas o relatório é essencialmente preocupante, pois apresenta temas e problemas que não compreendemos inteiramente e para os quais talvez não estejamos preparados.

Crescimento, inflação, dívida, comércio mundial e emprego perderam relevância no curto prazo e sumiram da lista dos principais riscos dos próximos dez anos. Em seu lugar aparecem entre as maiores fontes de preocupação as questões ambientais, a evolução da tecnologia, sobretudo da inteligência artificial (IA), bem como suas consequências e ameaças para a vida social, a estabilidade política e a democracia.

É claro que problemas antigos não desapareceram. Dia após dia, centenas de milhões de pessoas enfrentam dificuldades para sobreviver. O desenvolvimento é limitado e excludente. Conflitos armados surgem ou prosseguem. A paz mundial continua sendo um ideal dos humanistas. Mas agora somos avisados de que há ameaças tão ou mais sérias.

O ar de contemporaneidade da lista do WEF não lhe retira, nem lhe reduz sua essência inquietante. O Relatório de Riscos Globais 2024 relaciona a desinformação, os eventos climáticos extremos, a polarização social, a insegurança cibernética e os conflitos armados entre nações como os cinco maiores perigos no curto prazo (dois anos). Inflação e recessão, problemas que afligiram o mundo por anos, ainda estão entre os riscos imediatos, mas no longo prazo desaparecem.

Os quatro principais riscos no próximo decênio estão ligados ao meio ambiente: eventos climáticos extremos, mudanças críticas no ambiente planetário, perda de biodiversidade/colapso de ecossistemas e escassez de recursos naturais. Em seguida aparecem as consequências do progresso tecnológico, como a desinformação e os impactos da inteligência artificial.

Como evitar que o planeta sucumba ao risco em que o colocamos? E como impedir que o avanço do conhecimento, que tanto bem-estar proporcionou à humanidade, mais uma vez a ameace? São temas que devem provocar reflexões de dirigentes políticos, executivos, investidores, acadêmicos e jornalistas reunidos no Fórum Econômico Mundial que, em sua 54.ª edição anual, começou ontem em Davos, na Suíça.

O Brasil resistiu a ameaças institucionais sérias, manteve a inflação dentro da meta, cresceu mais do que o esperado e reduziu a taxa de desocupação para o nível mais baixo em muitos anos. O governo Lula conseguiu reconstruir políticas públicas em áreas essenciais como meio ambiente e proteção social. Mas o País enfrenta problemas históricos que, a despeito de estarem desaparecendo da lista dos grandes temas mundiais, ainda o desafiam. Sem a presença do presidente Lula da Silva e do ministro Fernando Haddad em Davos, o Brasil não deverá ser destaque no fórum. Nem por isso, porém, estará livre de resolver problemas antigos, e agora tendo de enfrentar os novos.

Riscos que o relatório do WEF aponta já afetam o País. A desinformação, que colocou em risco a democracia no ano passado, continua sendo disseminada pelas redes sociais e alimentando ódios e extremismos. A polarização social e política torna cada vez mais distante a convivência entre os que divergem. No mundo, a desinformação traz riscos para a legitimidade dos governantes que cerca de 3 bilhões de pessoas elegerão nos próximos dois anos.

O avanço da tecnologia, que estabelece novos e mais eficazes padrões de produção de riqueza, parece acompanhar uma dinâmica geopolítica, diz o relatório, de modo a criar ganhadores e perdedores, e assim aprofundar o fosso entre as economias desenvolvidas e as que ainda estão se desenvolvendo.

O WEF adverte também para o fato de que interesses comerciais e objetivos geopolíticos, mais do que o interesse público, constituem o principal motor a impulsionar a evolução da inteligência artificial e de outras inovações tecnológicas de ponta, o que aprofunda a diferença entre países ricos e pobres. Países e comunidades que já estão atrás nessa corrida ficarão ainda mais distantes dos que ocupam a ponta.

Há, ainda, a preocupação com o uso e os efeitos da IA e suas consequências imprevistas, algumas das quais podem ser nefastas para as pessoas e para a humanidade. Essa preocupação ocupa a sexta posição entre os riscos mais sérios dos próximos dez anos.

Tão preocupante quanto os riscos é o fato de governos e instituições internacionais não estarem adequadamente equipados para enfrentá-los. O mundo de nossos filhos e netos pode ser brilhante, mas está sob o risco de tornar-se sombrio.

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JORNALISTA, AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME), É PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)