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Opinião|Uns passos adiante, outros nem tanto

Coisas importantes deram certo em 2023. E podem dar em 2024, apesar de previsões sombrias como algumas feitas há dias

Foto do author Jorge J. Okubaro

Podia ter dado tudo errado. A violência e a fúria da turba bolsonarista na tentativa de golpe de 8 de janeiro acentuaram o pessimismo que turvava o início do governo Lula. Mas as instituições republicanas resistiram e a maioria da população repudiou a abjeta vileza política dos derrotados nas urnas. Nem tudo saiu como se desejava e alguma coisa deu errado, é verdade, mas 2023 foi melhor do que se previa.

A reformulação de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, a retomada do Minha Casa Minha Vida, a valorização do salário mínimo e outros programas sociais trouxeram alívio às famílias de menor renda. A evolução do mercado de trabalho igualmente as ajuda. O desemprego no trimestre setembro-novembro caiu de 8,1%, em 2022, para em 7,5%, em 2023. Mas é lento o avanço da agenda de direitos sociais e humanos.

Políticas e instituições da área ambiental, destruídas na gestão anterior, estão sendo redesenhadas e recompostas, para que readquiram respeitabilidade e eficácia. De pária no cenário mundial, como governantes anteriores proclamavam com orgulho, o País vai retomando seu protagonismo internacional e reconstruindo seu prestígio em questões ligadas à proteção ambiental e em discussões sobre a transição energética, embora ainda continue a desenvolver e executar projetos de exploração de combustíveis fósseis.

Há quem tenha observado que, na busca intensa por participação em grandes debates mundiais, o presidente Lula acabou perdendo o foco em algumas ocasiões, excedeu-se em outras e não alcançou o papel de destaque que poderia estar a seu alcance. Não há dúvida, porém, de que o Brasil voltou a ser visto com respeito por outros países.

Negociações e acertos políticos do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional continuam sendo alvo de críticas da oposição e, sobretudo, de quem diz apoiar o governo. Concessões excessivas teriam sido feitas em troca de um apoio parlamentar fluido e não confiável. A presença, na equipe ministerial, de políticos de vida pública eticamente questionável justifica as críticas e as fortalece. Personalidades com essas características deveriam, de fato, ser afastadas do cargo. Mesmo assim, acordos políticos precisam ser feitos e respeitados por um governo que, nitidamente, não dispõe de maioria num Congresso claramente fragmentado, majoritariamente oposicionista e, em parte, de extrema direita.

Mas foi nesse Congresso que o governo conseguiu, com diálogo e negociação, a aprovação de importantes projetos. A substituição do teto de gastos pelo novo arcabouço fiscal e a reforma tributária (ainda que incompleta e dependente de muitas medidas legais) são duas das mais importantes. Houve derrotas, por certo, como a derrubada de vetos presidenciais. Entre eles estão os vetos ao projeto que impõe o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, agora transformado em lei, e à desoneração da folha de salários de 17 setores intensivos em mão de obra. Mas também a derrota é parte do jogo político, embora nem todos a aceitem.

No campo econômico, a reversão do cenário pessimista desenhado no fim de 2022 parece evidente. A recente elevação da nota do Brasil por uma das grandes agências de classificação de crédito talvez seja uma boa síntese do que, contrariando as previsões, se passou na economia brasileira ao longo de 2023. Desta vez foi a agência Standard & Poor’s (S&P). Em julho, a agência Fitch tinha tomado decisão semelhante. O Brasil, ainda assim, continua distante do chamado grau de investimento, espécie de certificado de bom comportamento que o tornaria mais atraente e seguro para os grandes investidores internacionais. Esse pormenor não deixou de ser destacado por operadores do mercado financeiro.

Mas é, seguramente, um atestado de melhora, num cenário mundial ainda adverso. A guerra de Israel contra o Hamas, a guerra entre Rússia e Ucrânia, outras guerras pouco noticiadas, a evolução da política monetária e da economia dos Estados Unidos, a desaceleração da economia chinesa, a perspectiva de queda dos preços de produtos de grande peso na balança comercial do Brasil são itens frequentemente apontados para montar um quadro preocupante também para a economia brasileira.

Talvez dê algum alívio ou algum ânimo saber que nem sempre as previsões pessimistas se confirmam. No fim de 2022, as projeções dominantes entre os analistas das principais instituições financeiras era a de que o PIB brasileiro cresceria apenas 0,79% em 2023. É provável que tenha crescido 3% ou até mais. Previa-se também inflação de 5,23%, acima do teto da meta do Banco Central (4,75%). O IPCA-15 de 12 meses até dezembro (que antecipa o resultado do ano) ficou em 4,72%, dentro, portanto, da meta. O dólar, que muitos previam em mais de R$ 6,00 em dezembro, fechou o ano em R$ 4,84. Coisas importantes deram certo em 2023. E podem dar em 2024, apesar de previsões sombrias como algumas feitas há dias.

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JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!) (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Opinião por Jorge J. Okubaro

Jornalista, é autor, entre outros, do livro 'O Súdito (Banzai, Massateru!)' (Editora Terceiro Nome)