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O sociólogo Paulo Delgado escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O semelhante cura o semelhante

A gloriosa inventividade da medicina popular não é cativa do jugo bruto do poder médico, embora sofra ataque de quem se dispõe a desmoralizar a medicina milenar

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Adeptos da homeopatia, a Rainha Elizabeth, Paul McCartney e Bill Clinton são sua melhor propaganda. Tente supor quais as principais manchetes médicas da última edição da imprensa mundial com o necrológio da vida na Terra derretida pelo calor. Certamente, se resumiriam a cinco boas notícias sobre saúde dos últimos 3 mil anos: Nasceu a acupuntura; Descobriram a homeopatia; Inventaram a psicanálise; Criaram a penicilina; Transplantaram um coração.

Originado em sistemas humanistas cuja vocação é se dedicar a escutar o sofrimento e ajudar as pessoas a restabelecer a saúde, sem as distrações que a medicina biotecnológica produziu no corpo e na mente, só deveria ser permitido o exercício da medicina a quem confia na energia vital do corpo posta em liberdade para agir sobre as moléstias. A pretensão obsessiva de curar você de si mesmo que a medicina industrial pratica é uma boa oportunidade para se decepcionar com quem a defende. Médico é quem se recusa a ver um só sintoma e não anula a missão do corpo e do desejo de viver e vencer os fenômenos mórbidos que cercam nossa vida.

A esperança de viver é mais forte do que pode imaginar a má medicina, e em muitos casos morre-se primeiro na UTI. Mas o jeito Revista Caras da inteligência atual está com a corda toda e faz crescer a disposição para falar bobagens e embarcar no élan de conquistar e destruir do cavador. Desfalecido de rir, aguarde o pau na fonoaudiologia, gelo na contusão, dedo no pulso para medir pressão, emplastro de tofu. A isca da denúncia não desmoraliza o anzol da criação nem confere ao boato a cortesia da verdade da opinião. A ciência poderia anunciar uma exuberante persistência vital, mas o uso torto do seu nome faz a vitalidade e a alegria desaparecerem dos corações. As ambições da ciência são indiferentes sobre o que será do mundo. Aborrecida com o espírito de liberdade e a perigosa aventura da ideia natural, ela vê o diferente como antagonista do progresso. E se coloca acima da vida do outro, por não estar à altura dela.

Há um quê de deleite em falar mal do que não é carceral, interdição e poder. E há um aspecto sombrio nos estudos que exalam raiva da liberdade afrouxando as exigências da medicina sobre si mesmo. Em qualquer profissão, conselhos corporativos sem controle externo são cartórios privados. Vítimas conhecem melhor o que se fez delas. Estão aí as mortes provocadas por drogas legais e erro médico. Um escárnio que se tornou a parte que o povo menos vê e o que mais sente.

O que é a vida, o que é a matéria médica, Deus que nos acorde de tirar proveito de distorcer o direito. De onde vem esta condenação sem apelo às sessões demoradas de anamnese, médicos relíquia que tocam nos pacientes, acompanham famílias, crianças, idosos, seus odores, alucinações do olfato e dos humores. Acreditam no tratamento conservador das fraturas, conhecem os meridianos do corpo, sabem por que alguém tombou do lado errado, médicos que não são sócios de laboratórios e cirurgias. É carnavalesco não serem considerados ciência doses fracas, diluídas, agulhas, pomadas, infludo, alimentos convenientes – sólido na moléstia crônica, líquido nas agudas –, defesa intransigente da higiene. Dinamizações variadas, embrocações, talcos, supositórios, dietas. Uma equilibrada dose de nux vômica ajuda bem aos impulsivos temerosos de fracasso.

A homeopatia não está na farmácia popular pelo mesmo motivo que os ansiolíticos, anticonvulsivantes, antidepressivos e antipsicóticos também não estão. As práticas integrativas e complementares ameaçam a farmacoeconomia e irritam seus sócios prêt-à-porter. O que precisa ser preservado é a alta costura da saúde da população, a avant-garde de quem sabe do sucesso do diagnóstico que transcende a medicina que não foi sequestrada pela ciência.

A gloriosa inventividade da medicina popular não é cativa do jugo bruto do poder médico, embora sofra ataque de quem se dispõe a desmoralizar a medicina milenar. Não é para impedir, é para tirar a confiança. Profissão e vocação são coisas diferentes, confusão de quem quer encantonar o Ministério da Saúde para tentar desmoralizar a liderança do não médico, como foi José Serra e, agora, é Nísia Trindade.

Disparates? Com tantas coisas para enriquecer nosso povo, como se não as tivesse, o Brasil verídico é um estrondoso sucesso de fraudes encaixadas no baralho do poder. Objeto cobiçado, a sabedoria popular e dos menos deslumbrados com antibiótico e bisturi não perdeu seu atrativo. Não é dos consagrados saberes medicinais que o povo usa que o crítico não gosta, é do povo mesmo. Estudo médico com tom de julgamento civil aponta para doença das condutas, insinua interdição e perda de direitos.

Na riqueza das farmácias se descobre o segredo dos críticos da medicina milenar. Na vida real de quem precisa e recorre sem preconceito aos dois modelos de medicina, a balança nos diz que os defeitos da qualidade da alopatia, drogaria e psiquiatria são maiores que a qualidade dos defeitos da homeopatia, acupuntura e psicanálise.

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É SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Opinião por Paulo Delgado

Sociólogo

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