Com mais empregos, melhores condições de consumo e algum alívio no endividamento, os brasileiros podem ter um Natal mais tranquilo que o do ano passado, mas um feliz ano novo ainda vai depender de Brasília, onde a tentação da gastança e da irresponsabilidade é permanente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez cara feia quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a intenção de reduzir a zero o déficit primário, sem gastar mais, portanto, que o valor da arrecadação em 2024. Os programas sociais serão preservados, prometeu o ministro. A arrumação das contas federais dependerá, em parte, de um aumento da receita tributária, mas alguma austeridade será indispensável. Se o plano funcionar, o endividamento público será contido e a redução de juros será mais fácil, favorecendo o crescimento econômico – mas falta o governo convencer o mercado financeiro de suas boas intenções.
Por enquanto, as expectativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos 12 meses são bem moderadas. Este ano termina com crescimento econômico entre 2,9% e 3% e inflação na vizinhança de 4,5%, segundo projeções do mercado. O desemprego bateu em 7,6% no trimestre de agosto a outubro. Um ano antes estava em 8,3%. Com arrefecimento da agropecuária e dos serviços, a expansão econômica deverá situar-se, no próximo ano, entre 1,5% e 1,7%, segundo estimativas do Banco Central (BC) e do setor financeiro. O ritmo inflacionário deve continuar diminuindo, em 2024, e a alta de preços poderá ficar no intervalo de 3,5% a 3,9%, de acordo com projeções correntes. Mas o recuo será muito lento, e por isso se espera uma redução cautelosa dos juros básicos.
O Copom, Comitê de Política Monetária do BC, baixou os juros básicos de 12,25% para 11,75% em sua última reunião, no começo do mês, e sinalizou mais dois cortes iguais no primeiro trimestre. Mas as pressões inflacionárias globais ainda preocupam, a inflação de serviços permanece forte, a evolução das contas federais é incerta e as expectativas seguem desancoradas. Ainda há, segundo a ata do Copom, “um caminho longo a percorrer para a ancoragem das expectativas e o retorno da inflação à meta”.
As condições ainda são desfavoráveis, portanto, a um afrouxamento mais veloz da política monetária. A incerteza quanto ao futuro das finanças públicas é ressaltada também por analistas do setor privado. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou a nota de crédito soberano do Brasil de BB- para BB. Mas, apesar da melhora, o País foi mantido abaixo do chamado “grau de investimento”, onde se alojam os “bons pagadores”. Essa posição foi perdida em 2015, no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, marcado por inflação em alta, forte desgaste das contas públicas e, como ato final, uma recessão.
Em nota, a agência de avaliação de risco menciona a reforma tributária como fato positivo, mas cita um “progresso lento” na gestão fiscal e uma perspectiva fraca de crescimento econômico. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lamentou e até pareceu estranhar a classificação do Brasil fora do “grau de investimento”. Seu espanto pode ter sido apenas aparente. Ou talvez denote frustração, depois de meses de esforço, reconhecido por analistas do mercado e da imprensa, para ordenar as finanças do governo. Mas o comentário da S&P nada tem de estranho. Países com tradição de seriedade fiscal e confiabilidade financeira podem até apresentar contas deficitárias sem assustar o mercado. Não é, por enquanto, o caso do Brasil. Alcançar essa respeitabilidade pode ser muito trabalhoso e demorado.
Todo esforço de seriedade fiscal conflita com as inclinações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com as bandeiras do PT e com a vocação gastadora de grande parte dos congressistas. Embora sem esconder seu incômodo, o presidente da República deu espaço ao ministro da Fazenda, no entanto, para trabalhar e para desenhar seus planos. Evitou interferir na ação do ministro Haddad, pelo menos até agora, mas foi muito menos contido em relação à política do BC.
O presidente Lula pressionou abertamente o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. Cometeu grosserias, acusou-o de atuar contra o Brasil e condenou a estratégia de juros altos contra a inflação. Não foi mais longe, afinal, porque a lei garante a independência do BC na formulação e na condução da política monetária e, além disso, porque o ministro Haddad interveio como pacificador.
Mas aliados do presidente Lula chegaram a falar de uma possível ação no Congresso para afastamento de Campos Neto. Qualquer avanço nessa frente poderia abrir a porteira para mais ações contrárias à austeridade. Haveria espaço para a farra com o dinheiro público se tornar ainda mais ampla e desavergonhada. Com a preservação de Campos Neto, manteve-se de fato a autonomia funcional do BC e evitou-se um enorme retrocesso na gestão econômica. Gestão pública saudável pode até causar incômodo, de vez em quando, mas é uma das condições para muitos anos novos felizes.
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JORNALISTA