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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O Brasil e a OCDE: um longo caminho

O início das conversações é o ponto de partida de um projeto de país e da definição do lugar do Brasil no mundo

Por Rubens Barbosa

O Brasil, junto com mais cinco países, recebeu resposta positiva do diretor-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao pedido formulado em 2017 de ingresso na Organização, com a informação de que cada um deles deverá concordar com os termos, condições e processos para a adesão. No mesmo dia, o Itamaraty preparou resposta assinada pelo presidente Bolsonaro notando que, “sem qualquer hesitação, poderia garantir que o Brasil está pronto para iniciar o processo de adesão à OCDE”. Na carta, o presidente afirma que “o Brasil está alinhado às prioridades dos países membros no tocante ao comércio e investimento, à governança política e nos esforços efetivos para a proteção ao meio ambiente e ação positiva na mudança de clima”.

É importante entender como se desenrolará todo o processo. Depois de quatro anos, superada a resistência dos EUA em permitir o aumento dos atuais 38 membros, começará o longo processo de negociação. Será preparado um roteiro pela OCDE refletindo os avanços nos últimos quatro anos e serão criados 20 comitês para analisar a consistência das visões, das políticas e das ações em relação à regulamentação e aos princípios e às prioridades da Organização. Não se trata de uma negociação, no sentido de que cada lado cede um pouco para se conseguir um consenso. Nas tratativas, os países membros examinarão como os países que demandam o ingresso se adaptaram ou se adaptarão às regras existentes na Organização. Em outras palavras, a OCDE não se ajustará aos países, mas os países terão de se adaptar à OCDE, com prazos para ajustes e exceções definidos de comum acordo. Tudo isso sem prazo para terminar. A palavra final será dos países membros, que decidirão pela adesão por unanimidade.

O Brasil, nos últimos governos, tem demonstrado seu compromisso em trabalhar em estreita colaboração com a OCDE. Além de participar de mais de 30 comitês (o primeiro – do aço – a partir de 1994, quando, como subsecretário econômico do Itamaraty, tive de convencer muita gente), o País já é parte de 103 dos atuais 251 instrumentos da OCDE.

O processo não será fácil, porque vai além das afirmações positivas mencionadas na carta de Bolsonaro. Para mostrar as contradições e as dificuldades que terão de ser enfrentadas nos entendimentos, comento dois itens dessa carta. Notei a ausência de qualquer referência a ações anticorrupção, apesar da existência na OCDE de grupo para acompanhar as ações anticorrupção no Brasil. Por curiosa coincidência, no mesmo dia da resposta do diretor-geral da OCDE, a Transparência Internacional divulgou seu Index sobre a percepção da corrupção no setor público, no qual se vê o Brasil caindo algumas posições. O segundo é a questão do meio ambiente, na qual o presidente ressalta “o compromisso do governo com as metas do Acordo de Paris, e o apoio, na recente COP-26, à meta de zerar as emissões globais de gases do efeito estufa até 2050, por meio de reduções de emissões possibilitadas por investimentos públicos e privados. Nesse contexto, Bolsonaro afirma “estar comprometido em adotar e implementar completamente políticas públicas em linha com suas metas climáticas, tomando ações efetivas, incluindo trabalhar coletivamente para parar e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030, enquanto entrega desenvolvimento sustentável e promove uma transformação rural inclusiva”, como previsto na Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, do qual o Brasil é signatário. Como é de conhecimento publico, não é o que está ocorrendo na prática, pois continuam sem repressão os ilícitos na Amazônia, com queimadas, desmatamento e uma intensa atividade de garimpo, inclusive em terras indígenas. Por isso, o Brasil pode ser impedido de entrar, como disse Macron e deixou implícito, em nota, o Departamento do Tesouro dos EUA. Também por coincidência, no mesmo dia da resposta presidencial, Bolsonaro anunciou cortes de recursos na área ambiental nos vetos à lei orçamentária de 2022, com forte impacto no controle de incêndios florestais e na conservação e uso sustentável da biodiversidade.

O início das conversações sobre o ingresso do Brasil na OCDE não é “o reconhecimento de um grande país”, mas o ponto de partida de um projeto de país e da definição do lugar do Brasil no mundo.

Que País queremos? Quais as perspectivas para os próximos anos? Como o Brasil, país continental, que já foi uma das dez maiores economias do mundo, potência ambiental e agrícola, vai atuar em um cenário global em constante transformação?

O tema da adesão à OCDE não poderá ser ignorado nos debates da próxima eleição presidencial justamente pelas contradições existentes e porque vai apontar para o rumo que a sociedade brasileira quer seguir. O PT sempre ficou contra o ingresso do Brasil na OCDE, por não ver vantagem e ser contra nossa soberania. Lula, que recusou em 2007 convite para o ingresso, vai manter essa posição ou vai aceitar a entrada do Brasil com todas as mudanças necessárias, muitas das quais seu partido ficou contra? Bolsonaro, se reeleito, vai mudar a política ambiental em relação a Amazônia? Como ficará a luta contra a corrupção? O resultado das eleições será aceito, sem contestação?

Como dizia o filosofo, o difícil não é fácil.

RESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE) E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS