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Bets mergulham na vaquejada e se misturam a políticos em leilões de cavalos milionários

Casas de apostas entraram com força no mundo dos cavalos, com patrocínio a competições e também com ofertas em leilões de animais que chegam a mais de R$ 8 milhões

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Foto do author Vinícius Valfré
Foto do author Julia Affonso
Por Vinícius Valfré e Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA - As bets, que movimentam um mercado bilionário no Brasil, entraram forte, em 2023, em uma modalidade que mistura tradição popular do Nordeste, negociações milionárias de cavalos de raça, políticos poderosos e empresários investigados. Neste ano, as casas de apostas “descobriram” a vaquejada.

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Em um movimento inédito, os sites de apostas passaram a movimentar competições e leilões de animais, espaços de poder e prestígio frequentados por lideranças políticas de Brasília, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e por personalidades como o cantor Wesley Safadão, um dos maiores agitadores do setor.

O mergulho mais profundo das bets no mundo da vaquejada ocorreu no segundo semestre, quando surgiram competições patrocinadas, arena e equipes próprias. Em paralelo, as casas de apostas lidavam com fatores cruciais aos negócios: a pressão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta na Câmara e a definição de uma regulamentação do setor pelo governo federal. O Senado deve votar nesta semana um projeto que cria regras e impostos.

Competição de vaquejada no Parque & Haras Luanna, em Vitorino Freire, no interior do Maranhão. Ministro Juscelino Filho cria cavalos de raça no local Foto: Prefeitura de Vitorino Freire via Facebook

“De três ou quatro meses para cá, a gente tem visto a presença desse pessoal da aposta”, afirmou Pauluca Moura, presidente da Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq), entidade responsável pelas regras das competições oficiais, ao Estadão. “Isso é muito novo para a gente, incomum na vaquejada. Preocupa um pouco, pelo que vem junto com a aposta. Ainda não sei como vai se comportar.”

Além de patrocinar a principal competição de vaquejada do País, as casas têm promovido campeonatos com regras próprias para facilitar o entendimento de apostas. Um dos principais nomes da vaquejada, Pedro Militão disse ao Estadão que a entrada dos sites “elevou” a prática “a um patamar nunca visto”.

“Temos vaqueiros com salários que a gente nunca imaginou que fosse ter. Tem outdoor com vaqueiros, eventos com premiação de R$ 500 mil, de R$ 1 milhão”, disse. “Acredito que risco (de fraude) ocorre em todos os meios. Tem risco de um prédio cair, de um avião cair. Em relação à combinação, se depender de mim e dos vaqueiros da Bet Favorita [patrocinadora dele], isso aí não acontece, não”.

A vaquejada surgiu há mais de cem anos, advinda da habilidade de sertanejos na apartação de bois. Montados a cavalo, os vaqueiros cercam o animal e, pelo rabo, o colocam no chão. A tradição foi transformada em um esporte que movimenta, só com inscrições e premiações, cerca de R$ 800 milhões por ano. A força e velocidade dos cavalos são determinantes para que os vaqueiros derrubem os bois, cada vez maiores. A genética dos cavalos da raça Quarto de Milha é a mais cobiçada em leilões.

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Arthur Lira em leilão realizado por Wesley Safadão em Pernambuco Foto: Fernando Pereira via Instagram

A tradição é importante para políticos, sobretudo os da região Nordeste, onde as vaquejadas são mais fortes. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a modalidade. Contrariada, parte da classe política se movimentou para reverter o quadro com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garantisse a legalidade da prática. Em 2017, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 96, que liberou vaquejadas e rodeios em todo o território brasileiro, tornando sem efeito a decisão do Supremo.

Bets fizeram maior oferta por um único cavalo

O animal mais caro já negociado no Brasil foi avaliado em R$ 8,4 milhões. Se depender do poder financeiro das bets, os valores serão empurrados para cima. Empresários da Pixbet e da MarjoSports, famosos sites de apostas do País, fizeram a maior oferta pública dos últimos tempos por um único cavalo: R$ 15 milhões. Eles pretendiam comprar o Dom Roxão, considerado um dos mais lendários garanhões da raça, mas o proprietário recusou a oferta.

A MarjoSports é administrada pelo empresário Jorge Barbosa Dias, que tem negócios nos setores de construção, agropecuária, veículos e postos de gasolina. Dias foi alvo da operação Game Over, do Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), em 21 de dezembro de 2021, investigado por contravenção penal de jogos de azar, crimes de lavagem de dinheiro e crimes de organização criminosa. A acusação foi recusada pela Justiça e o MP-PE recorre da decisão.

A empresa foi uma das primeiras a fechar contrato de publicidade com o cantor Wesley Safadão. O artista tem participado de competições e se consolidou como um dos maiores criadores de Quarto de Milha do País. Safadão se tornou um elo entre políticos, criadores, outros artistas e donos de casas de apostas. Esses personagens costumam se encontrar nos grandes leilões promovidos pelo artista. O último, no mês passado, movimentou quase R$ 29 milhões.

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Consultor de compra e venda de cavalos, Marcelo Frazão vê com ressalvas a onipresença das bets no meio. “Enquanto eles não interferirem no resultado, é bom, né? Se começar a interferir no resultado, o pessoal vai começar a achar sem graça e (o esporte) entra em decadência”.

No mesmo leilão, Edelson Gomes da Silva, um dos sócios da Bet Nacional, comprou um cavalo por R$ 800 mil e outro por R$ 200 mil. “Iniciando suas compras, ele, que é novo investidor na raça Quarto de Milha, nosso amigo Edelson, da Bet Nacional. Vai pra Passira, no Pernambuco”, anunciou o locutor.

Edelson é ex-vice-prefeito da cidade pelo PSB. Na eleição de 2012, declarou um patrimônio de R$ 272 mil. Atualmente, filiado ao PP, foi assessor parlamentar, entre 2018 e 2019, da deputada estadual Roberta Arraes (PP). Em agosto de 2021, abriu a Egomes Suporte Online, empresa de “suporte técnico, manutenção e outros serviços de tecnologia da informação”. A firma está registrada em um endereço residencial do Recife.

O haras de Edelson ainda não saiu do papel. Segundo ele, as obras, dentro da fazenda da família, deverão ser concluídas em seis meses. Mesmo assim, garante que os animais que arrematou em leilões já estão sendo trabalhados para reprodução. À reportagem, ele afirmou que a criação de Quarto de Milha é uma nova paixão, mas um negócio individual e familiar, sem relação com a Bet Nacional.

“A empresa não investe em nada de Quarto de Milha. Não tem interesse no momento. Foi uma compra minha, pessoa física, não tem nada a ver com a empresa. Absolutamente nada”, afirmou.

Sócio de Safadão é condenado por desviar verba do Fundeb

Em um mundo em que a criação de cavalos e o gosto pela vaquejada vêm de gerações, o caso de Ariel Almeida chama a atenção. Chegado no segmento do Quarto de Milha há pouco mais de um ano, o empresário de Manaus (AM) começou grande: tem disputado lance a lance alguns dos principais animais à venda em leilões e arrematou o cavalo mais caro já negociado no Brasil. Dias depois da compra que o notabilizou, foi condenado por desvio de verbas federais da educação.

O empresário pagou a Wesley Safadão R$ 4,2 milhões por metade dos direitos sobre a égua Eternal Offling Peju. A cifra fez do animal o mais caro da raça. Segundo Almeida, foi um passo ambicioso para uma mudança de ramo. De criador de bovinos, ovinos e caprinos, ele pretende se tornar uma referência na região Norte na criação de cavalos Quarto de Milha.

Almeida tem uma teoria sobre o forte crescimento da vaquejada em 2023. Para ele, o pós-pandemia levou muita gente a gastar dinheiro com gostos pessoais. “Depois dessa grande tragédia que vivemos, a pandemia, muita gente começou a fazer mais o que gosta. As pessoas mais conservadoras começaram a entender para que serve o dinheiro, que não adianta deixar parado”, disse.

O empresário não esconde, porém, que seu objetivo maior é o lucro. Ele afirma que a criação demanda estrutura menor que a dos pastos e ainda será mais rentável. Ele pretende criar um grande centro genético no Amazonas especializado na reprodução dos animais. “Com uma estrutura compacta, enxuta, você consegue ter talvez um faturamento maior que a fazenda, onde gira muito mais área, muito mais mão de obra, muito mais esforço”, disse.

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Wesley Safadão recebeu de empresário R$ 4,2 milhões por metade dos direitos sobre a égua Eternal Offling Peju Foto: @wesleysafadao via Instagram

Vinte e quatro dias depois de arrematar a estrela do leilão, Almeida foi condenado pela 2ª Vara Federal Criminal do Amazonas por envolvimento em um esquema de desvio de dinheiro do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na prefeitura de Apuí (AM). Desde 2016, ele e o então prefeito são réus. O grupo, narra a denúncia, falsificou assinaturas de convites a outras empresas e notas fiscais.

Segundo o Ministério Público Federal, a prefeitura atuou para fraudar uma licitação para fornecimento de material escolar custeado com verbas federais em favor da empresa de Ariel Almeida. O município repassou R$ 82,3 mil ao empresário, mas os itens nunca foram entregues, embora notas fiscais tenham sido criadas. Em valores correntes, o desvio é de R$ 180 mil.

“O próprio réu confirmou em juízo que não possuía em estoque os materiais que seriam vendidos (...) Confirmou ainda que forneceu materiais gráficos para a campanha do prefeito eleito no ano anterior aos fatos investigados. O procedimento licitatório foi ‘montado’ apenas para dar aparência de legalidade, uma vez que a empresa já havia sido escolhida para fornecer os materiais, após contato direto de pessoa da Prefeitura com o empresário”, diz o processo.

Sobre a condenação, Ariel Almeida disse que “foi uma sentença errada, mas o advogado já recorreu para que seja feito o reparo”.

Os responsáveis pela Pixbet não foram localizados. O Estadão tentou contato com Wesley Safadão por meio de sua produtora e de seu advogado. Não houve retorno. Os representantes da MarjoSports também não se manifestaram. Arthur Lira não comentou.

O Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), do MP-PE, informou que recorreu da decisão de um colegiado de juízes que rejeitou a acusação contra a MarjoSports em agosto. A Promotoria apresentou o recurso em 11 de setembro, “ainda pendente de análise pelo Judiciário”. “Após análise judicial, serão intimados os recorridos e posteriormente o feito será remetido ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE)”, registrou o Gaeco.

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