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A corrupção no país da impunidade

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Por Claudia Pitta
Atualização:
Claudia Pitta. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

"Quando você luta contra a corrupção, ela revida." (Nuhu Ribadu)

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Após um período de importantes avanços, tanto legislativos quanto judiciais, iniciado pela aprovação da Lei Anticorrupção e da Lei das Organizações Criminosas em 2013, a operação Lava Jato e operações similares, a Lei das Estatais, a Lei do Processo Sancionador CVM e BACEN, entre outros desenvolvimentos, passamos a assistir, principalmente a partir de 2019, a uma sequência de retrocessos no combate à corrupção.

Ataques ao movimento anticorrupção têm partido tanto do Congresso Nacional, quanto dos Poderes Judiciário e Executivo. A corrupção no Brasil é sistêmica. Quando ela revida, revida de forma sistêmica, difusa. O estamento não tem partido, não tem ideologia. Não há uma figura pública que simbolize ou lidere o movimento pró-impunidade, embora algumas autoridades públicas adotem um discurso antipunitivista, reforçado pela crítica à "criminalização da política".

É preciso dizer e enfatizar que, quando o discurso entendido como antipunitivista é legítimo e bem-intencionado, orientado a coibir abusos, essa dialética entre garantismo (ênfase nos direitos de defesa do réu) e punitivismo (ênfase na efetividade da punição) é importantíssima para buscar o melhor balanço entre as garantias do devido processo legal e a capacidade do Direito de prevenir e punir atos ilícitos. Esse equilíbrio só pode ser atingido por meio de debates sensatos, que evitem a armadilha da polarização entre duas visões radicais. Nesses moldes, os debates - tanto os teóricos quando aqueles que se desenvolvem no bojo dos processos judiciais - são necessários à evolução do sistema jurídico de qualquer país.

Mas, quando travamos esses embates, não podemos desprezar os dados da realidade - me refiro aqui especificamente à realidade brasileira.

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Um levantamento feito pelo Estado de São Paulo em 2018, mostrou que 1/3 do Congresso eleito era alvo de investigações, levando em conta inquéritos no Supremo, ações criminais e por improbidade. Em um parlamento com essa característica, o debate sobre os meios adequados de combate à criminalidade é contaminado pelo conflito de interesses. O viés de "legislar em causa própria" impede a busca das melhores soluções jurídicas para a sociedade no longo prazo. E os argumentos antipunitivistas legítimos são usados como instrumentos de proteção dos interesses de legisladores investigados (e daqueles que temem futuras investigações).

O outro dado de realidade que precisamos levar em conta é que, se o desdobramento legal e jurisprudencial das garantias do réu tem como consequência a certeza de não-aplicação da lei para certos tipos de ilícito ou certos tipos de réu, como víamos antes de 2013, então, ou as garantias constitucionais são garantias de impunidade by design para esses grupos privilegiados, ou sua aplicação tem sido excessivamente ampla, levando ao mesmo resultado prático de impunidade.

Um observador cínico diria que o movimento de contra-ataque à luta anticorrupção é menos motivado pela preservação das sagradas garantias do devido processo legal do que pelo interesse difuso do estamento em restituir o sagrado privilégio da impunidade, benefício historicamente conferido por um conjunto de leis e práticas, como o famigerado foro privilegiado.

Independentemente das motivações, sejam elas manifestas ou ocultas, os retrocessos no combate à corrupção nos últimos dois anos são evidentes. Na edição de 2021 do Índice de Capacidade de Combate à Corrupção - CCC, o Brasil apresentou a maior queda entre os 15 países latino-americano analisados. Seguimos a trajetória de queda no Índice CCC desde 2019.

No Índice de Percepção da Corrupção da ONG Transparência Internacional, atualmente, o Brasil ocupa a 94ª posição do ranking, atrás de nações como China, Turquia e Colômbia e com pontuação idêntica a Cazaquistão, Etiópia, Peru, Sérvia, Suriname e Tanzânia.

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Em 2019, aliás, a OCDE já havia demonstrado preocupação com o declínio relevante na elaboração de medidas anticorrupção no Brasil e enviado um grupo de trabalho composto por dez representantes do seu alto escalão para participar de uma missão no país. Concluída a missão, a entidade emitiu um alerta público: "O Brasil deve cessar imediatamente as ameaças à independência e à capacidade das autoridades públicas para combater a corrupção".

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Igualmente preocupada com a situação do país, no final de 2020, a Transparência Internacional enviou à OCDE um relatório sobre retrocessos no combate à corrupção no Brasil. Após constatar que os problemas persistiam e que novos continuavam a surgir, em março deste ano de 2021, a OCDE adotou uma medida inédita na história da organização: criou um subgrupo permanente de monitoramento do assunto no país.

Motivos para a queda do Brasil nos rankings internacionais e a preocupação de entidades de combate à corrupção não faltam. Sobre eles, poderiam ser escritas muitas páginas. Os relatórios mencionados acima destacam episódios como a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, o reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes conexos aos crimes eleitorais, que levou à anulação de várias condenações da Lava Jato, a mudança de entendimento sobre a prisão em segunda instância e o esvaziamento da Lava Jato com base em argumentos formais, levando ao risco de prescrição dos crimes investigados no âmbito da operação.

Atuando no desenvolvimento da cultura ética e sustentável em empresas há alguns anos, estou convencida de que não é possível falar de integridade e sustentabilidade socioambiental em sociedades que não solucionaram o problema da corrupção, ao menos em sua vertente sistêmica.

Uma sociedade que opta por adotar um sistema legal e uma orientação jurisdicional lenientes com o crime deseduca seus cidadãos, reduzindo sua capacidade de censurar impulsos de praticar atos ilícitos ou antiéticos em busca de recompensas individuais. A impunidade está na base do esvaziamento ético da sociedade.

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Portanto, temos razões de sobra para nos preocupar. E urge refletirmos sobre possíveis caminhos para solução do problema da corrupção no Brasil.

*Claudia Pitta é consultora e professora de Ética Organizacional e ESG, fundadora da Evolure Consultoria, mentora e sócia da plataforma digital CompliancePME, diretora do IBRADEMP e coordenadora de sua Comissão ESG e membro da Comissão de Ética do IBGC

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