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A elitização das especialidades médicas e o apartheid da saúde no Brasil

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Por Eduardo Costa Teixeira
Atualização:
Eduardo Costa Teixeira. Foto: Divulgação

O Brasil tem 546 mil médicos em atuação, número proporcionalmente grande, que representa 2,56 médicos para cada grupo de mil habitantes. O índice é praticamente igual aos dos Estados Unidos (2,6) e maior que o Japão (2,55). Ainda assim, um dos problemas mais graves enfrentados pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) é a falta de especialistas. Nas regiões mais distantes das grandes metrópoles, a espera por uma consulta com uma especialidade pode durar vários anos. A situação assume contornos dramáticos que levam o poder público a pagar salários de até R$ 135 mil para tentar atrair profissionais para cidades da região Norte, para citar apenas um exemplo divulgado pela imprensa.

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Dados da Demografia Médica 2023 confirmam esse drama: 56,1% dos médicos residentes estavam na região Sudeste, um terço deles (33,3%) em São Paulo. Enquanto isso, as regiões Centro-Oeste (7,5%) e Norte (3,6%) têm as menores proporções de residentes do Brasil. Juntos, os estados de Roraima e Amapá tinham, em 2021, apenas 100 residentes. A desigualdade na distribuição dessas vagas aprofunda o abismo social no Brasil.

Os grandes entraves ao aumento do número de especialistas no Brasil são a insuficiente quantidade de vagas de residência médica disponibilizadas; a má distribuição dessas vagas pelo Brasil e a falta de uma política do MEC para a pós-graduação na área médica.

O mesmo estudo mostrou que o número de graduados que iniciam a residência médica vem caindo ano a ano: entre 2018 e 2021 essa queda chegou a 14,8%. A defasagem entre formados e as vagas referentes às especialidades de acesso direto é ainda maior: em 2018 o deficit era de 3.866 e saltou para 11.770 em 2021, um aumento de 204%.

Enquanto isso acontece, uma norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) impede milhares de médicos especializados em cursos de pós-graduação oferecidos por universidades federais e até por instituições médicas renomadas de divulgar suas especializações.

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Segundo a Lei Federal 3.268, os médicos com diplomas e títulos registrados no MEC e com registro nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) estão habilitados a exercer a medicina em qualquer uma das suas especialidades. Mas uma resolução do CFM criou um modelo privado com poderes para definir os destinos das especialidades médicas.

Diferentemente de todas as demais profissões, inclusive da área de saúde, as pós-graduações credenciadas pelo MEC não conferem ao médico o título de especialista. Para apresentar a sua especialidade, o profissional precisa cursar a residência ou fazer algum dos cursos de pós-graduação credenciados por sociedades privadas de medicina vinculadas à Associação Médica Brasileira (AMB). Ou seja, não é o órgão máximo da Educação no Brasil quem diz quais cursos podem conferir o título de especialistas a médicos, mas uma entidade privada.

É preciso uma ação contundente do MEC para democratizar o acesso à especialização médica e tirar das mãos de entidades particulares o poder de definir quem pode ou não ser especialista. O órgão máximo deve criar uma comissão para estabelecer normas e critérios rigorosos para os cursos de formação de especialistas que são oferecidos no Brasil.

Enquanto isso não for feito, veremos esse abismo social aumentar ainda mais: de um lado, teremos milhões de brasileiros sem acesso a atendimentos em especialidades como psiquiatria, geriatria, neurologia, dentre outras, enquanto, do outro lado, entidades privadas elitizam ainda mais a medicina especializada e a restringem a uma parcela privilegiada que pode pagar caro por convênios e consultas particulares.

*Eduardo Costa Teixeira é professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Associação Brasileira de Médicos Com Expertise em Pós-Graduação (Abramepo)

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