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Opinião | A visão das câmeras corporais sob o olhar jurídico

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convidado
Por Émerson Lima Tauyl

O tema tem gerado inúmeros posicionamentos quanto ao uso das Câmeras Corporais Portáteis - COP, suas vantagens e desvantagens, ainda mais após o episódio repercutido pela mídia sobre abordagem errônea em uma ponte em São Paulo. Em todo o mundo, cerca de 25 países utilizam câmeras corporais que registram as ações de agentes durante o seu turno de serviço. Para tanto é preciso uma discussão mais ampla sobre o uso do equipamento, pois existe uma órbita que navega entre o otimismo e a incerteza aos resultados práticos.

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A diferença das regras quanto ao uso das câmeras tem sido o motivo pelo qual se deve aprofundar o assunto com maior propriedade. Um ponto relevante é sobre a autonomia do policial para decidir o momento do seu acionamento e assim, dar início à gravação, outro fator é o acesso das imagens e a forma de como elas devem ser manipuladas durante uma investigação. Para alguns especialistas, o viés que permeia o uso das câmeras, dormita sob “trazer segurança ao Policial”. Em verdade pesquisas apontam uma certa variação quanto a eficácia técnica do equipamento.

Alguns estudos apontam que o índice de confronto com evento morte baixaram muito, porém, tal afirmação não é absoluta, mas, questionável. Na prática o equipamento causou forte impacto nos policiais. No estado de São Paulo a regulamentação é carente de lei federal, estadual ou mesmo municipal. Sua instituição foi através das “portarias internas”, Boletim Geral PM nº 147/2022 e a Diretriz nº PM3-001/02/22.

Ainda que a transparência seja fator exigido para a administração pública, esta não está divorciada das normas constitucionais, penais e outras arestas que podem atingir tanto cidadãos quanto agentes públicos. O constituinte originário, lá no Capítulo que trata sobre os direitos e deveres individuais, elencou como garantias fundamentais de todo cidadão (incluído o agente público) o princípio da presunção de inocência e o direito do preso de permanecer calado sem que isso pese contra si, ambos previstos, respectivamente, no artigo 5º, incisos LVII e LXII, da Constituição Federal. Outra garantia fundamental que alcança os agentes públicos é o direito de “não produzir provas contra si”, que encontra reflexos na Convenção de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Em seu artigo 8º, das Garantias Judiciais, a Convenção declara que toda pessoa tem “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”.

Pois bem, a um criminoso contumaz é garantido todos os direitos, sendo assim, por qual razão o policial está na excepcionalidade da aplicação da lei? Alguns firmam dizer que o policial quando no exercício da sua função está revestido sob o manto do Estado e, por ser um mandatário da Máquina Estatal, não está sujeito às regras aplicáveis aos cidadãos comuns. Se a interpretação acima for diametralmente correta, aqui me permito fazer um parêntese pois, se assim fosse a leitura aplicável, por qual razão o Estado não toma por base esse método de transparência e adota a implementação das câmeras corporais nos políticos, nos professores que vivem sofrendo com a violência dentro e fora das escolas, nos médicos da rede pública que, volta e meia são questionados sobre seus procedimentos e atendimentos e tantos outros funcionários públicos e mandatários do povo?!.

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Aos entusiastas de plantão, vale registrar que as imagens captadas pelas câmeras corporais são de utilização exclusiva da Polícia Militar denominadas na diretriz como “de interesse policial”. Segundo pesquisas, as câmeras corporais contribuem para a diminuição dos índices de criminalidade e no aumento de prisões, porém, em minha percepção, isso é um ledo engano. Analise comigo: no Brasil ocorrem cerca de 812 mil prisões em flagrante por ano e aproximadamente 41,25% dessas pessoas não são condenadas e sabe por qual razão? As imagens para subsidiar o conjunto probatório dos processos não são encaminhadas, ou seja, por falta de provas o infrator é posto em liberdade ou absolvido.

As câmeras corporais fizeram medo nos policiais, pois é difícil atuar com independência quando se sabe que todos os seus atos (incluindo os pessoais) serão alvo de questionamentos. No país, nove estados utilizam as câmeras corporais portáteis na farda dos policiais militares, sendo eles: São Paulo, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Santa Catarina e Paraná. Aqui, na maioria dos casos o acionamento da câmera é automático, como o de Santa Catarina, entretanto, em países como Reino Unido, Estados Unidos e França o uso é diferente: na maior parte dos departamentos, os policiais acionam a gravação manualmente. São Paulo aplicava o acionamento obrigatório em todo atendimento de ocorrência de interesse policial, mas recentemente passou a adotar o acionamento voluntário do policial ou em casos de disparo, o Centro de Atendimento de Ocorrências - COPOM faz o acionamento remoto.

Há cerca de 20 anos o equipamento é utilizado na Europa, todavia, o objetivo principal NÃO É REDUZIR A LETALIDADADE POLICIAL. O foco está direcionado em melhorar a prestação de serviço dos agentes à população. Sob este prisma, em Londres, as câmeras além de proteger os policiais servem como evidência. Já na Alemanha, a introdução das câmeras corporais teve uma justificativa extra: com o aumento do número de cidadãos que começaram a filmar as ações policiais com o aparelho celular, o equipamento da corporação passou a servir como um contraponto à possíveis edições maliciosas do conteúdo.

Aqui no Brasil, infelizmente o policial não possui um respaldo jurídico e muitas vezes tem de responder a processos administrativos ou mesmo judiciais baseados em denúncias infundadas ou inverídicas. Segundo pesquisa feita no ano de 2020 pela Universidade George Mason, dos EUA, que revisou 30 estudos sobre câmeras corporais em vários países, concluiu que: “restringir a discricionariedade [autonomia] dos agentes para ligar e desligar câmeras corporais pode reduzir o uso da força pela polícia, mas são necessárias mais avaliações”. Notadamente este ponto é citado em diversos outros estudos que avaliaram o uso da tecnologia em departamentos de polícia americanos e de outros países. Análises mais recentes têm reforçado essa linha de raciocínio. O Instituto Nacional de Justiça dos EUA, braço do Departamento de Justiça americano voltado para estudos e avaliação de políticas públicas afirma que: “Uma revisão abrangente de 70 estudos sobre o uso de câmeras corporais constatou que a maior parte das pesquisas sobre câmeras corporais não demonstrou efeitos consistentes ou estatisticamente significativos”, ou seja, é muito prematuro afirmar a eficiência prática do equipamento nos países de primeiro mundo, quem diga aqui em um país subdesenvolvido e propício à prática da corrupção.

Atrelado a todos esses argumentos, vale destacar que os meios de comunicação veiculam diariamente a escalada da audácia da criminalidade que avança a passos largos. O Estado é impotente no controle jurisdicional de seus presos. No sistema carcerário existem as próprias regras impostas pelas facções criminosas, onde o Estado é apenas um coadjuvante que lança os apenados em uma cela fria e afeta ao submundo de forma que todo gerenciamento e acolhida fica a cargo do poder paralelo.

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Não bastasse isso, a sensação de impunidade avança de forma muito rápida. O problema atual de maior relevância no país é o da segurança pública. Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) sob o panorama de competitividade dos países do G20 Brasil 2024 coloca o país na 25ª posição em uma lista de 27 nações, superando apenas México e África do Sul. O problema da “Insegurança Pública” virou caso de Segurança Pública. Em tempos de violência urbana, a Segurança Pública é o mal que aguarda a cura, todavia, os estudos dessa cura se encontram em fase embrionária.

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Émerson Lima Tauyl
Sócio-administrador do escritório Tauyl & Jardim Sociedade de Advogados. Criminalista, especialista em Segurança Pública e Direito Militar, formado pela Universidade Católica de Santos - UniSantos. Foto: Arquivo pessoal
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