A corrupção é tradicionalmente classificada em três categorias: endêmica, sindrômica e sistêmica.[1]
A corrupção endêmica é aquela que decorre de pequenos desvios éticos (micro corrupção), como, por exemplo, não devolver o troco recebido a mais na compra de um sorvete. A educação ética, em especial no âmbito familiar, permite a formação de uma consciência crítica e resiliente para evitá-la.
A corrupção sindrômica, por sua vez, é aquela que ocorre de forma viciosa dentro da Fazenda Pública, gerando um ciclo que se alimenta da burocracia estatal e da má gestão, através da interdependência entre diferentes atores e instituições.
De outro modo, a corrupção sistêmica é um problema generalizado e global que afeta a estabilidade política, econômica e social, sendo caracterizada por práticas corruptas em diversas esferas do setor público e privado, comprometendo a eficiência governamental e a confiança do cidadão nas instituições com um efeito de retroalimentação. Sustenta-se por meio de redes de influência e falhas na estrutura organizacional e de governança, envolvendo um padrão persistente, não episódico, de atos desviados.
As instituições responsáveis pelo combate à corrupção sistêmica – dentre as quais pode-se mencionar o Ministério Público - têm adotado, tradicionalmente, uma abordagem reativa - ou seja, após a identificação de práticas ilícitas. Contudo, é preciso buscar a atuação preventiva, de modo a combater a corrupção sistêmica de maneira mais eficaz.
Estratégias preventivas precisam ir além das punições tradicionais e devem incluir ações estruturais. As metodologias preventivas devem focar a redução das oportunidades de práticas ilícitas, alterando a própria dinâmica institucional. De forma didática, pode-se realizar:
- A fiscalização preventiva de processos administrativos (v.g., acompanhamento prévio de licitações, concessões e contratos administrativos), inclusive pelo Ministério Público, prevenindo desvios antes de sua ocorrência;
- Auditorias de rotina, permitindo a identificação precoce de vulnerabilidades, irregularidades, ou indícios de má gestão que possam se traduzir em esquemas de corrupção;
- O fortalecimento de políticas de transparência e de acesso à informação, promovidas, inclusive, pelo Ministério Público, através da implementação de portais acessíveis e atualizados que permitam ao cidadão monitorar informações sobre a execução de políticas públicas, licitações e despesas do governo, evitando a liberação de verbas para situações suspeitas;
- Programas de capacitação de servidores públicos sobre integridade, ética e responsabilidade administrativa, criando uma cultura de integridade no serviço público. Ao garantir que os agentes estejam cientes dos limites éticos e legais de sua atuação, é possível prevenir que práticas ilícitas sejam incorporadas à cultura institucional, inclusive através de simulações de dilemas éticos e estudos de casos;
- A implantação de tecnologias de ponta, como inteligência artificial, análise de dados e blockchain para monitorar transações financeiras, movimentações orçamentárias e padrões de comportamento anômalos, permitindo a identificação de sinais precoces de atividades corruptas;
- A adoção de mecanismos voltados à redução da motivação para se envolver em atos de corrupção, como, por exemplo, a criação de códigos de ética e de conduta;[2]
- A adoção de mecanismos para eliminação do envolvimento em atos de corrupção, como, por exemplo, o sancionamento de conflitos de interesses;
- A exposição do comportamento corrupto, como ocorre com a criação de canais de denúncias para comunicação de irregularidades;
- O ajuizamento de processos com medidas estruturais, visando prevenir práticas corruptas sistêmicas. Essas medidas corrigem deficiências institucionais relacionadas à corrupção, promovendo mudanças duradouras nas práticas institucionais. A título de exemplo, é possível o fortalecimento das instituições de controle: um processo com medidas estruturais pode determinar a criação ou o fortalecimento de órgãos de controle e investigação (v.g. “agências anticorrupção”), com a implementação de mecanismos de proteção a denunciantes/testemunhas, monitoramento de riscos e a adoção de programas de integridade. Assim, a aplicação de medidas estruturais pode contribuir para prevenir a prática de atos de improbidade administrativa, exigindo, contudo, um sistema jurídico e institucional robusto.
A mudança no paradigma, deixando de lado uma abordagem meramente reativa para uma preventiva, se apresenta como uma das vias para o combate efetivo à corrupção.
O presente estudo não pretende apresentar uma resposta definitiva para o problema, em especial porque se trata de temática de ampla envergadura. Contudo, pretende atentar para a necessidade de adoção de medidas preventivas no combate à corrupção, com um esforço permanente voltado para a honestidade no trato da coisa pública.
[1] LANÇA, Daniel. Os três tipos de corrupção (e como combatê-los). VEJA, 19 set. 2021, 12:53. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/ostres-tipos-de-corrupcao-e-como-combate-los/ Acesso em: 04 de novembro 2024.
[2] GARCIA, Emerson. A corrupção. Uma visão jurídico-sociológica. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 26, p. 203-245, 2004. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista26/revista26_203.pdf. Acesso em: 31 nov. 2024.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica