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Opinião|Demência: como enfrentar esse desafio com informação, prevenção e tratamento

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Celene Queiroz Pinheiro de Oliveira Foto: Divulgação

O Brasil enfrenta o desafio de cuidar de uma população que envelhece cada vez mais, graças aos avanços do sistema de saúde. Porém, esse envelhecimento vem acompanhado de um aumento das doenças crônicas, entre elas as neurodegenerativas, que afetam o cérebro. Estima-se que, até 2050, haverá 150 milhões de pessoas com demência no mundo, sendo a maior parte em países de baixo e médio desenvolvimento socioeconômico, onde os casos podem crescer cinco vezes.

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O estudo “Prevalência de Demência e Comprometimento Cognitivo Sem Demência em uma Amostra Nacional Grande e Diversificada”, desenvolvido pela ELSI-Brasil (sigla para Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros), encontrou, no Brasil, uma prevalência de 1,8 milhão de pessoas com demência e 2,4 milhões com algum tipo de comprometimento cognitivo. Coordenado pela psiquiatra e epidemiologista, Cleusa Ferri, a pesquisa foi e publicada, em junho de 2023, pelo The Journals of Gerontology.

O levantamento foi realizado em cinco regiões geopolíticas do país, em cidades de diferentes portes. Com base nos resultados do censo demográfico, estima-se que em 2019 havia 1.757.480 pessoas com 60 anos ou mais vivendo com demência no Brasil e pelo menos outros 2.271.314 convivem com algum tipo de comprometimento cognitivo.

Apenas 1,2% dessas pessoas recebem o diagnóstico adequado, sendo que a maioria já está em estágios avançados da doença. Um número gigantesco de pessoas que sem diagnóstico estão à margem dos cuidados e tratamentos existentes, e disponíveis no SUS, com grande impacto para a sua saúde e bem-estar além de afetar a toda a família.

O objetivo do estudo foi estimar a prevalência de demência e Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), sem demência, na população brasileira de 50 anos ou mais, usando dados da Pesquisa Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros. O levantamento analisou os fatores associados à demência e ao CCL, como idade, sexo, escolaridade, região geográfica, estado civil, renda familiar, atividade física, tabagismo, consumo de álcool, depressão e doenças crônicas. Como ainda, comparar os resultados com outros estudos nacionais e internacionais sobre a epidemiologia da demência e do CCL.

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O Brasil carecia de estudos que retratassem sua realidade. Tínhamos apenas estudos populacionais em pequenas cidades, em sua maioria no sudeste do país. Usando dados de 5.249 os participantes foram categorizados como tendo função cognitiva normal ou demência com base em uma combinação do estado cognitivo e funcional do indivíduo. Além disso, os pesquisadores conseguiram um retrato mais fidedigno da realidade brasileira, o que possibilitará o desenvolvimento de políticas públicas e ações mais condizentes com as necessidades do país neste quesito.

A melhor maneira de evitar as doenças neurodegenerativas é adotar um estilo de vida mais saudável. A Lancet Commition, uma comissão mundial, com os maiores nomes da pesquisa em demência, identificou 12 fatores de risco que podem ser modificáveis e em quais fases da vida a intervenção teria maior impacto.

Entre eles, estão o estímulo cerebral por educação ainda na infância, a prática de atividade física, a atenção à perda auditiva na meia idade, o controle da pressão arterial, do peso e do diabetes. Além disso, é importante reduzir o consumo de álcool e eliminar o tabagismo, tratar a depressão e evitar traumatismos cranianos, isolamento social e poluição ambiental. Esses hábitos podem fazer a diferença para proteger o cérebro das demências.

A pesquisa do braço Brasileiro da Lancet Commition, com base na população brasileira em seus diversos cenários étnicos e sociodemográficos, revelou que o potencial de prevenção em nosso país, seria aproximadamente 48%. Os fatores com maior importância nesse cenário são o baixo nível de escolaridade, perda auditiva, hipertensão arterial e obesidade. Nosso país tem urgência de um plano de enfrentamento e redução de riscos para as demências.

Educação

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A Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, analisou quais são os fatores que podem aumentar ou diminuir o risco de uma pessoa ter um Comprometimento Cognitivo Leve (CCL), que é uma alteração na capacidade mental, que ainda não compromete o cotidiano, mas que pode ser um prenúncio do desenvolvimento de uma demência. A educação é um dos fatores que pode diminuir o risco de ter um CCL. Pessoas que tinham uma média de 11,5 anos de educação tinham 5% menos probabilidade de desenvolver, em comparação com aquelas com apenas dez anos de estudo. O levantamento não diferenciou o tipo de ensino (regular ou superior).

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Uma forma de preservar a saúde do cérebro e evitar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento é manter o órgão em constante atividade e desafio. Isso ficou demostrado na pesquisa de Columbia, que envolveu dois mil voluntários com mais de 70 anos. Segundo os resultados, as pessoas que continuaram fazendo atividades que estimulam o cérebro reduziram em 20% o risco de deterioração cognitiva.

O estímulo do cérebro também tem um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem, pois envolve uma série de processos cerebrais que permitem ao indivíduo adquirir novas informações e experiências. Por meio do estímulo, o cérebro consolida a formação conceitual de ideias que serão utilizadas no processo de aprendizagem da pessoa.

Existem diversas formas de estimular o cérebro, como ouvir músicas, ver fotos, ler revistas, colaborar nas tarefas cotidianas. Essas ações favorecem a plasticidade neuronal, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e se modificar, em resposta às mudanças na atividade neuronal. É importante que os exercícios sejam atividades que agradem ou interessem à pessoa para manter a motivação.

Audição

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A saúde do cérebro pode ser afetada pela perda auditiva. A conclusão é de um estudo com dados do biobanco do Reino Unido, que analisou 437 mil pessoas, com média de idade de 56 anos, por 12 anos. Publicado pela revista Lancet (periódico científico sobre medicina) em 2022, a pesquisa observou que 25% da população tinha déficit auditivo e que apenas 11% usavam aparelho auditivo. O risco de demência foi 42% maior entre aqueles que tinham déficit auditivo e não usavam aparelho. Para aqueles que usavam aparelhos auditivos o risco foi igual àqueles que ouviam bem.

O estudo avaliou a interferência de fatores como solidão, isolamento social e depressão que também são fatores de risco para demências e notaram que menos de 11% do risco seria por esses fatores secundários. Portanto diagnosticar e tratar déficits auditivos com o uso de aparelhos que ajudam a ouvir é uma medida muito importante para a redução de riscos de demência.

Hipertensão arterial e obesidade

A hipertensão arterial e a obesidade são condições que aumentam o risco de demência, especialmente entre as pessoas de 45 a 65 anos de idade. Os fatores combinados podem prejudicar o fluxo sanguíneo para o cérebro, causando danos às células nervosas.

A obesidade também está associada ao alto nível de colesterol, resistência à insulina e inflamação, que pode formar placas nas artérias que dificultam a circulação do sangue, mas também podem interagir com o gene APOE4 (um dos genes implicados no risco da Doença de Alzheimer). Um estudo publicado na revista “Lancet Neurology” revelou que a obesidade, a hipertensão e o alto nível de colesterol são fatores que elevam as chances de uma pessoa desenvolver demência.

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Horizonte

Um novo patamar se abre para as pessoas que vivem com demência e suas famílias. Após anos de frustração, novas alternativas terapêuticas surgiram. Esses medicamentos têm o potencial de modificar os processos fisiopatológicos da doença, eliminando as placas amiloides que se formam no cérebro. Apesar dos progressos recentes no tratamento farmacológico, as demências ainda não têm cura. A comunidade científica acolheu com entusiasmo por ser a primeira intervenção bem-sucedida nos mecanismos fisiopatológicos, mas também olha com cautela, devido a questões de segurança medicamentosa, a necessidade de um diagnóstico preciso, a aplicação nas fases muito precoces da doença e acessibilidade ao produto.

As novidades com relação aos tratamentos e a maior precisão no diagnóstico usando biomarcadores chacoalham o mundo científico, enchem as famílias das pessoas com demência de esperança. Mas as ações de prevenção ainda são a melhor forma de enfrentar a questão das demências, com maior impacto e otimizando programas já existentes, o que implica em menores custos.

*Celene Queiroz Pinheiro de Oliveira é geriatra e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) Regional São Paulo

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