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Eficácia temporal da coisa julgada

Finalização do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal

Por Ana Cristina Mazzaferro
Atualização:
Ana Cristina Mazzaferro. Foto: DIVULGAÇÃO

Com a finalização do julgamento dos REs 955.227 e 949.297 (temas 885 e 881) pelo Supremo Tribunal Federal, restou definido que a coisa julgada material (trânsito em julgado individual) em relação tributária de trato continuado (fatos geradores que continuam a ocorrer) perderá seus efeitos quando firmado novo entendimento pelo STF em sentido contrário à coisa julgada (decisão modificadora), desde que tal novo entendimento seja proferido em sede de controle de constitucionalidade incidental com necessária repercussão geral e em controle concentrado, ou seja, somente decisões com efeitos erga omnes (decisões em sede de ADC, ADI e em sede de repercussão geral).

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Com isso ficou definitivamente afastada a incerteza quanto às decisões proferidas pelo Supremo em caráter individual de controle incidental, sem repercussão geral, nesses casos, as decisões do STF só surtem efeitos entre as partes e não poderão ter reflexo em coisa julgada material individual diversa.

Isso significa dizer que a coisa julgada individual em matéria tributária de relações de trato continuado somente perderá eficácia (perder efeitos) quando houver um novo precedente judicial com efeitos erga omnes, que configure uma mudança de entendimento, que caracteriza uma nova interpretação pelo Judiciário do mesmo tema, tudo isso tendo como objetivo trazer unicidade de julgados e aplicação dos Princípio da Igualdade e Livre Concorrência.

 

Quanto a modulação de efeitos, o limite temporal ficou fixado como a data da publicação da ata de julgamento da decisão pacificadora do Supremo, ou seja, os limites da coisa julgada só podem ter efeitos cessados, após a publicação da ata de julgamento do STF que, em controle de constitucionalidade com efeitos erga omnes, altere o entendimento do tema, sem efeitos retroativos, nesse sentido. O novo posicionamento firmado pelo STF deverá ser aplicado com efeito apenas futuros (ex nunc), respeitado, de acordo com cada tributo, a necessidade de observância do princípio da anterioridade (anual ou nonagesimal).

A análise sobre modulação de efeitos gerou diversas dúvidas e até mesmo algumas polêmicas sobre a retroatividade ou não das decisões. Isso ocorreu porque os recursos atuais julgados agora pelo STF sobre a coisa julgada refletiam situação de coisa julgada material firmada em 1992 e a alteração de entendimento do tema pelo STF em decisão erga omnes proferida somente em 2007. Tal ponto foi objeto de longa discussão entre os Ministro durante o julgamento, sendo a maioria do entendimento de que a decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade incidental com necessária repercussão geral e em controle concentrado (ADC, ADI e RE com repercussão geral) são decisões de amplo conhecimento e possuem aplicação imediata, de tal modo que, como no caso analisado já estava diante de uma decisão em ADI proferida em 2007, seus efeitos, desde então, já afetaram a coisa julgada matéria tributária.

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O principal argumento do Ministros, tanto para afetar a coisa julgada material quanto para a modulação de efeitos ex nunc (dali para frente) tem como fundamento principal a aplicação dos Princípios da Igualdade de Livre Concorrência. Nesse ponto é possível destacar um exemplo partindo de algumas situações debatidas pelos Ministros no julgamento. Vejamos:

Um contribuinte "A" possui decisão que fez coisa julgada material individual, afastando a cobrança de determinado tributo (aqui a decisão é individual, só vale entre partes). Com isso o contribuinte consegue diminuir o seu preço final do seu produto.

Até esse momento o tema acerca da constitucionalidade do tributo ainda não foi avaliado pelo STF. Porém, depois de alguns anos, finalmente o Supremo chega a um julgamento, com efeitos erga omnes e decide pela constitucionalidade do tributo. Ou seja, o tributo é sim devido. Mas TÃO SOMENTE a partir desse momento, do momento em que a decisão do STF com efeitos erga omnes é proferida e tornada pública, ou seja, a decisão passa a ser aplicável à TODOS. Com isso, todos os contribuintes devem recolher o tributo. A consequência direta, o contribuinte "A" se não tiver a coisa julgada material afetada, cessada, passará a vender o seu produto mais barato do que todos os demais, o que implicará em efetiva deslealdade comercial, o que afeta de sobremaneira os princípios da Igualdade e Livre Concorrência.

A grande pergunta que surge é sobre a Segurança Jurídica, protegida expressamente com relação à coisa julgada pelo famoso art. 5º da CF. Pois bem, a resposta está no próprio Código de Processo Civil vigente, que em seu art. 505 permite justamente a limitação da coisa julgada em casos de relação jurídica de trato continuado e modificação no estado de fato ou direito. Ou seja, justamente o fixado na tese do Supremo "A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos".

Observa-se que tal abordagem foi enfaticamente ponderada pelos Ministros durante os debates do julgamento, sendo que a maioria da Corte entendeu pela necessidade de avaliação em conjunto de todos os princípios constitucionais envolvidos no caso, tendo sido reforçado o entendimento de que a segurança jurídica da coisa julgada segue preservada até que se tenha uma nova posição do STF, oportunidade em que ficariam em evidência a necessidade de observação do princípio da igualdade e livre concorrência, sendo a coisa julgada sujeita à limitação temporal e não relativização ou ineficácia.

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Com isso, o novo posicionamento fixado no julgamento traz uma afirmação acerca da nova tendência do Judiciário, que já em sendo implantada desde o novo código de processo civil, qual seja, de que os precedentes judiciais que configuram unicidade de julgados possuem um caráter de norma, ou seja, se busca com essa nova ordem processual um equilíbrio das situações jurídicas perante a sociedade, para que se afaste a possibilidade de coexistirem decisões judiciais divergentes sobre o mesmo fato jurídico tributário, o que incorreria em violação a princípios constitucionais da livre concorrência e igualdade.

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Por outro lado, com a finalização desse julgamento pelo STF tais alterações substanciais que trazem ainda mais caráter de norma aos precedentes do STF firmado com efeitos erga omnes trazem também um alerta para as novas discussões de teses tributárias no judiciário (ou as que ainda seguem pendentes de julgamento). Agora, a obtenção de uma decisão individual, ainda que transitada em julgado, que forme coisa julgada material, poderá ser posteriormente ilidida, atribuindo limite a eficácia da coisa julgada, o que pode impactar nas demandas individuais dos contribuintes.

*Ana Cristina Mazzaferro é advogada, sócia do contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados

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