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Opinião|Escola sem nexo

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convidado
Por José Renato Nalini

A educação brasileira é bem concebida, a partir do artigo 205 da Constituição da República. Mas é miseravelmente implementada. Haja vista os quase doze milhões de analfabetos e os muito milhões de analfabetos funcionais, que não podem se considerar letrados.

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Isso porque a escola parou no medievo. Transmite informações, nem sempre atualizadas. Perde na competição com as redes sociais e com o mundo web, que fornece dados completos, coloridos, sonoros, o que torna a aula expositiva algo mais próprio à arqueologia.

Fala-se em currículo, grade de disciplinas que não dialogam. No Ensino Médio, entra o professor de português que não tem ideia do que se aborda na Matemática. O de ciências não conversa com o de inglês. As aulas são tópicas e compartimentadas. Despeja-se um acervo de dados desinteressante, completamente desvinculado da vida real.

Daí a evasão. O jovem antenado com a realidade virtual, parece que já nasceu com chip, é manipulado algoritmicamente. Não suporta, não pode tolerar aquela prisão enfileirada e só uma pessoa a falar diante do quadro negro. A metáfora é cruel: quadro negro é o que espera o egresso dessa escola completamente anacrônica.

O que falta para a educação é nexo e investimento no trato das competências socioemocionais. Ideias não faltam, porém esbarram no conservadorismo, na inércia, na pouca vontade de se reinventar.

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O mundo é outro. A tragédia do Rio Grande do Sul mostrou que mudança climática é assunto que não pode mais ser ignorado. Fenômenos extremos podem acontecer em todo e qualquer lugar. As crianças são treinadas para enfrentar situações de crise? Sabem o que se pode fazer, em nível individual, familiar e de vizinhança, para mitigar os impactos dessa loucura dos tempos, provocada pela própria insanidade do animal que se considera racional?

Tudo precisa ser reavaliado, revisto e reescrito. O sucesso do agronegócio tem de ser analisado com cautela. Para atingir esse resultado, ele desmatou. Quem desmata não pode ignorar que a natureza cobrará um preço. Um dia, o próprio mundo civilizado vai querer saber de onde sai o produto de exportação brasileiro. Vedará o ingresso dele na civilização, se a cadeia produtiva não se compatibilizar com as exigências de um planeta a pedir socorro.

Como afirmou recentemente Celso Moretti, pesquisador e ex-presidente da EMBRAPA, há três grandes eixos inspiradores do agronegócio: bioinsumos, agricultura digital e mitigação climática. Não cabe mais derrubar árvores para fazer pasto e fabricar deserto. É urgente pensar e trabalhar em fixação biológica de nitrogênio, plantio direto, manejo integrado de pragas, controle biológico, integração lavoura, pecuária e floresta, prestar atenção ao que ocorre no Brasil e no mundo. Lembrar que os próximos anos serão de pragas, fome, intempéries, migração ambiental e proliferação de conflitos.

As ciências humanas também precisam se atualizar. Pense-se no fenômeno da multiplicação de Faculdades de Direito, muitas das quais empresas de venda de diploma de bacharel em ciências jurídicas. Profissionais que, em grande parte privados de um ensino fundamental de qualidade, não sabem escrever, não sabem falar, não sabem pensar e não gostam de ler. Terão o diploma para enfeitar a sala. Mas continuarão a desempenhar funções que consideram subalternas após a obtenção do título de “doutor”.

Os concursos para as carreiras jurídicas também necessitam urgente reformulação. Replicam o “decoreba” da escola anacrônica. Não contemplam atributos como empatia, sensibilidade, capacidade de adaptação ao inesperado – (que já não é tão inesperado assim...) – ética, vocação, amor ao serviço e ao próximo.

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Não faria mal que todos estudassem Direito para conhecer também os seus deveres, obrigações e responsabilidades. Mas pensar que um diploma em direito garante ascensão social e sobrevivência digna, isso é um estelionato que mereceria grave sanção a quem apregoa a ilusão que só vitima os mais pobres. Os incapazes de discernimento suficiente para não serem enganados.

Mais nexo na educação em todos os níveis. Sem isso, o Brasil continuará a ser um projeto fracassado para os mais pessimistas e um país atrasado e em crescente déficit civilizatório, para os mais otimistas.

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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