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Opinião|Finesse real

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Quando do último referendo aqui realizado, os brasileiros optaram pela República. Mas a Monarquia ainda tem fieis adeptos e eles têm razão quando invocam o exemplo europeu. Cabeças coroadas garantem o sentimento de acendrado amor à nacionalidade, coisa que os “imperadores transitórios”, que são os Presidentes da República, nem sempre conseguem.

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Não há dúvida de que a monarquia tem um glamour incomparável com a vulnerabilidade dos comportamentos nem sempre republicanos de algumas Repúblicas. O charme da Corte Britânica, a austeridade do trono sueco, a simpatia dinamarquesa, dão-nos reflexão: valeu realmente a pena o 15 de novembro de 1889?

Os episódios cortesãos costumam ser muito mais saborosos do que os que ocorrem no regime republicano. Um deles, é narrado por Rodrigo Octávio, cujas memórias “dos outros”, é uma leitura fascinante. Ele narra a visita à Rainha Margherita da Itália, ocasião em que acompanhou o então Presidente Epitácio Pessoa.

A rainha vivia em pequeno palácio, à Via Vittorio Veneto. Uma casa de puro e rendilhado estilo renascentista, cujo interior era de extraordinário requinte, em ambiente florido e claro. Sua Majestade visitara o Presidente eleito do Brasil e sua esposa. Mandava o protocolo que essa visita real fosse retribuída.

Os visitantes foram recebidos com todas as honras, nos aposentos particulares da Rainha. A comitiva do Presidente ficou no salão principal. De repente, uma porta se abriu e, acompanhada de suas damas de honra, apareceu a viúva de Humberto Primo, na aureola de seus cabelos brancos, na distinção de seu altivo porte.

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Essa aparição emocionou os presentes. Rodrigo Octávio já tinha uma experiência internacional, a representar o governo brasileiro. Mas jamais tivera tão eloquente, tão sugestiva e tão impressionante visão de majestade. Não era uma mulher que aparecer, mas uma verdadeira soberana.

Discreta, algumas palavras de agradecimento do Presidente do Brasil, a resposta da Rainha, mais na graça do sorriso do que no sentido de uma frase e a reverência de um beija-mão.

Dela, a Rainha Margherita, já se divulgavam algumas lendas e alguns acontecimentos reais. Um deles: em noite de gala, recepção na Corte. A Rainha recebe o círculo de seus cortesãos amigos. De repente, a um movimento qualquer, o leque se prende ao precioso colar de pérolas, cujo fio se rompe. Caem ao chão as valiosas contas que, em todos os sentidos, correm sobre o polido soalho de mármore. Os cortesãos, solícitos, precipitam-se para apanhar as pérolas.

A Rainha, impassível e mantendo o sorriso, observava, ereta, a movimentação e o desalinho que o brusco acidente provocara.

Recolhidas as pérolas, cada qual se aproximava da soberana para lh’as entregar. A Rainha, mostrando-se realmente Rainha, num aceno cordial da pequena mão enluvada, dirigindo-se a todos os presentes, pediu que, para lembrança daquela visita, cada qual guardasse as pérolas que havia tido a bondade de apanhar.

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Gesto de desprendimento singular, impossível de acontecer no mundo republicano. Aqui, a questão de joias suscita outros pensamentos. Já na monarquia, isso já acontecera em Veneza, no século XVIII.

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Quem narra é Philippe Monnier, no livro “Venise au XVIIIème Siècle”. No palácio dos Foscarini, durante um baile privado, Caterina Querini dança com o rei da Dinamarca e, quando um fio de seu colar se rompeu, as pérolas se espalham sobre o solo. A elegante par do monarca não parou de dançar. Era mais importante valsar com um Rei do que se ajoelhar para apanhar suas pérolas.

E como se fala em Pérolas, não custa lembrar que a multiplicação de partidos políticos, o despreparo de alguns que disputam eleições, a falta de consciência cívica dos eleitores, a omissão da cidadania em participar da administração da coisa pública. Quando alguns profissionais da política parecem cuidar mais de seus próprios interesses do que buscar a consecução do bem comum, cabe lembrar daquele ditado do “lançar pérolas aos porcos”.

Faz muita falta ao Brasil insistir em prática ética. A matéria-prima de que o nosso país mais se ressente. Verbete presente nos discursos, mas ausente da rotina. Que tal a criação de uma ENA, uma Escola Nacional de Administração, pela qual devessem passar todos aqueles que pretendem se candidatar a um cargo público? Sejam os funcionários burocráticos, sejam os funcionários eleitos. Afinal, são todos servidores, cada qual com sua missão e sua qualificação.

Talvez então, os costumes republicanos pudessem absorver algo, ainda que mero verniz, bem superficial, da instigante finesse monárquica.

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José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo
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