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Improbidade administrativa, controle de políticas públicas: a 'situação' das pessoas em 'situação de rua'

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Por Marco Aurélio Bezerra de Melo e Thaís Marçal
Atualização:
Marco Aurélio Bezerra de Melo e Thaís Marçal. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Controle forte ou fraco de políticas públicas é tema incandescente no Direito Administrativo. Longe de ser jabuticaba brasileira: trata-se de fenômeno global necessariamente interdisciplinar. Por óbvio, são encontradas variações a depender, basicamente, de dois grandes nichos: direito fundamental posto em discussão e cultura de judicialização do país. O amadurecimento da capacidade institucional dos vocacionados para tais ações de controle também é algo que impacta muito no comportamento do Judiciário, assim como a valoração da cultura democrática de cada ente nacional.

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Um exemplo de controle de políticas públicas manejado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro diz respeito à política de aluguel social que teve acolhida constitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

A "criminalização da política" é fenômeno amplamente debate nas ciências penais. Na faceta administrativa, o "Direito Administrativo do Medo" tratado de maneira magistral na pena de Rodrigo Valgas, Rodrigo Mascarenhas e Fernando Vernalha, encontra sua amplitude no debate jurídico nacional.

A Lei 14.230/2021, por nós compreendida como nova lei de improbidade administrativa, por inaugurar novos paradigmas teóricos na legislação brasileira, foi expressa ao prever a impossibilidade de manejo de ações de direito sancionador para controle de políticas públicas.

Tal resposta legislativa parece ser uma espécie de backlash, tema tratado de forma brilhante pelo promotor de justiça do Ministério Público de Goiás, Samuel Sales Fonteles, a cultura do medo fomentada pelo ajuizamento de diversas ações de improbidade para análise de atos que teriam graus amplos de discricionariedade administrativa pelos gestores. A este respeito, vale destacar as lições do Promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, Emerson Garcia, no sentido de que não há que subsistir no Direito Administrativo Moderno a dicotomia entre atos administrativos vinculados e discricionários, devendo-se trabalhar com o conceito de graus de discricionariedade, sendo que os atos administrativos ditos como vinculados teriam sua "discricionariedade reduzida a zero". Pois bem.

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Parece que o legislador quis, de fato, fomentar o accontability na Administração Pública. Contudo, há que se aplicar uma interpretação conforme ao disposto no mencionado dispositivo, qual seja: não há que se cogitar o manejo de ações de improbidade administrativa para o controle de políticas públicas. Contudo, a inexistência de políticas públicas deve ser fato hábil a ensejar o ingresso da menciona ação sancionadora. Ao administrador não é facultado um dever de não agir na concretização de direitos fundamentais. A Carta Magna concedeu-lhe, por vocação institucional, a capacidade de escolha da via eleita, mas não lhe facultou a omissão.

Um exemplo claro que pode ser identificado, diz respeito ao fato público e notório da frente fria que se instala no Brasil na presente data. A população mais vulnerável neste tema, sem sombra de dúvida, é aquela em situação de rua.

Parece cometer ato de improbidade administrativa aquele administrador que não implemente alguma política pública em relação a forma de enfrentamento da questão na sua zona de competência. Zona de competência essa que deve ser interpretada à luz do conceito de federalismo por cooperação.

Razoável cogitar que as sociedades empresárias privadas, no exercício de sua função social, bem como com a pauta ESG empreenda mecanismos de apoio institucional a tal grupo vulnerável. Em especial na temática de ESG, não basta fazer palestras sobre uso de papel de rascunhos, propagandas bonitas sobre consumo consciente de águas, medidas estas que não são valoradas negativamente por natureza. O que se está a deixar claro é que não podem ser exclusivas. Muito menos pode haver políticas de "varredura" das pessoas em situação de rua de suas calçadas, em processo vergonhoso de higienização da cidade, e pretender o enquadramento de suas ações na bolsa de valores com o selo ESG.

Colocar o "dedo na ferida" é fundamental em uma democracia real. Ufanismos devem ser guardados para torcidas de futebol. A democracia é território de debate público concreto e não ilações teóricas para levar do nada ao lugar nenhum.

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Aqui jaz o tempo de discussões sobre a correção do termo "o usucapião" ou "à usucapião". O "Direito Administrativo de carne e osso" de André Cyrino pede passagem. E que o "oxalá" do texto de Paulo Modesto se concretize no debate efetivo do direito à moradia em pessoas em situação de rua não só hoje, Dia da Defensoria Pública, mas em todos os 365 dias do ano. Vida longa à Defensoria Pública e vida longa ao debate concreto do Direito.

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*Marco Aurélio Bezerra de Melo, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Professor emérito da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Professor titular de Direito Civil do IBMEC/RJ. Presidente do Fórum Permanente de Direito Civil Professor Sylvio Capanema de Souza da EMERJ. Doutor e Mestre em Direito pela UNESA

*Thaís Marçal, presidente da Comissão de Estudos de Improbidade Administrativa da OABRJ. Coordenadora Acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OABRJ. Mestre pela UERJ. Advogada e árbitra do quadro permanente do CBMA, CAMES-SP e CAMESC

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