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Incitação à animosidade das Forças Armadas

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Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:

César Dario Mariano da Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Dificilmente alguém não ouviu falar em crimes contra o estado democrático de direito ou contra a segurança nacional, já havendo, inclusive, processos em curso por esses delitos e, ao menos um deles, com condenação.

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Um dos delitos imputados aos manifestantes que se encontram nas proximidades de quartéis do Exército Brasileiro é o previsto no parágrafo único, do artigo 286 do Código Penal.

Vou tentar explicar o dispositivo da forma mais simples possível de modo que todos entendam.

A Lei nº 14.197/2021 revogou a Lei de Segurança Nacional e inclui o Título XII no Código Penal, trazendo para o direito penal objetivo diversos tipos penais, muitos dos quais já eram previstos na legislação revogada, alguns com redação semelhante e outros diferente.

Uma das principais alterações, muito bem-vinda, aliás, é que os delitos de opinião, aqueles cometidos por escritos ou palavras, deixam de ser tipificados na Lei de Segurança Nacional e passam a ser crimes comuns, descritos no Código Penal, passíveis de transação penal, de competência do Juizado Especial Criminal, com exceção da calúnia agravada, e o mesmo delito ou a difamação, quando cometidos ou divulgados em quaisquer modalidades de redes sociais da rede mundial de computadores (Internet), cuja pena é triplicada.

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Inclusive, incluiu parágrafo único no artigo 286 do Código Penal, que traz dispositivo que era previsto como crime contra a segurança nacional pela Lei nº 7.170/1983 (art. 23), expressamente revogado.

De acordo com o novo dispositivo, será punido com a mesma pena da figura fundamental (art. 286 do CP) aquele que incitar, publicamente, à animosidade entre as Forças Armadas, ou entre estas e os Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário), as instituições civis ou a sociedade.

O novo delito possui pena bem amena (três a seis meses de detenção, e multa) e, por isso, é infração de pequeno potencial ofensivo, cabendo transação penal, isto é, dificilmente a pessoa será processada e, se o for, a possibilidade de prisão é quase inexistente.

Para que ocorra a adequação típica a incitação deve se dar publicamente, isto é, ser percebida pelos sentidos de um número indeterminado de pessoas e ter potencialidade para alcançar o resultado almejado, que é a animosidade entre as Forças Armadas, ou entre estas e os Poderes da República, as instituições ou a sociedade.

Anoto, por oportuno, que não haverá este delito quando se pede a intervenção das Forças Armadas para que ela cumpra suas funções previstas na Constituição Federal. O que a lei veda e pune é insuflar as Forças Armadas para que ajam contrariamente ao direito. Seria ilógico e insensato pretender punir aquele que apenas quer que direitos e garantias constitucionais sejam observados.

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Com efeito, pedir intervenção federal, decretação de estado de defesa, de sítio, impeachment de autoridades, aplicação do art. 142 da CF (que na realidade traz apenas as funções das Forças Armadas), não se amolda ao tipo penal de crime, visto serem pedidos perfeitamente possíveis, já que previstos na Carta Magna, malgrado não se fazerem presentes os requisitos necessários para que as medidas sejam adotadas, o que não é de conhecimento comum da população.

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O que a norma proíbe e pune são manifestações que incitem as Forças Armadas a adotarem medidas ilegais, não previstas no direito objetivo, como o fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal, prisão de autoridades de forma arbitrária, golpe de estado e outras condutas ilegais semelhantes.

O crime é formal e de perigo abstrato e, por isso, não há necessidade de que efetivamente ocorra a adoção de medidas ilegais pelas Forças Armadas. No entanto, dada a peculiaridade da norma legal, a conduta deve ao menos ter o potencial de efetivamente levar as Forças Armadas a adotarem medidas contrárias ao direito.

Cuida-se de crime de suma gravidade, que pode colocar em risco o Estado Democrático de Direito, e merecia apenamento mais rigoroso, como o que era previsto na Lei de Segurança Nacional.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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