Nos idos de 1953, o estudante de Direito René era um dos entusiastas da campanha "O Petróleo é Nosso" que azeitou a criação da Petrobrás naquele ano, pelo presidente Getúlio Vargas, e garantiu o monopólio estatal do setor de óleo por 44 anos. Seis décadas depois, o criminalista, jurista e professor René Ariel Dotti assumiu a banca de assistente de acusação do Ministério Público Federal nos processos da Operação Lava Jato, contratado pela Petrobrás, em 2014. Seu papel é processar, junto com a força-tarefa, corruptos e corruptores que saquearam mais de R$ 10 bilhões da empresa, que se tornou a maior potência nacional.
"(A Lava Jato) É uma revolução copérnica na criminalidade do País. Porque embora houvesse isso antes, nunca houve uma investigação desse tipo, nunca houve um judiciário federal com essa disposição, como o doutor Sérgio Moro", afirma Dotti. "Considero uma mudança tão grande de paradigma, que podemos chamar de uma revolução copérnica da Justiça criminal brasileira."
Um dos autores da parte geral do Código Penal, professor titular de Direito Penal da Universidade do Paraná e um dos autores jurídicos mais citados, Dotti atendeu a reportagem na atípica tarde quente de Curitiba, da última quarta-feira, 30, para uma entrevista exclusiva para o Estadão.
A sala classuda, que parece saída dos livros de Oscar Wilde, remete ao passado visitado saudosamente pelo professor ao longo da conversa de duas horas - sem bocejos. A caminho dos 83 anos, Dotti se revela um defensor "sem constrangimento" das delações premiadas - apesar de não fazê-las -, critica o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) por propagandear contra as prisões preventivas e afirma que "a Lava Jato interrompeu um golpe de estado do PT".
"O PT ia fazer um golpe de Estado, na medida em que estava corrompendo grande parte do Congresso e colocando gente no Supremo Tribunal Federal para ter uma continuidade de poder, um projeto de poder."
Defensor de jornalistas - ele próprio frequentou a redação do Diário do Paraná, dos Diários Associados - e de perseguidos políticos da ditadura, Dotti trabalha todo dia - de manhã do escritório, de tarde de sua casa. Nos tribunais, Dotti assina pela Petrobrás as acusações criminais contra Lula.
O criminalista quase não frequenta mais as audiências, mas na Lava Jato, vai pessoalmente nos momentos importantes. Um deles, o histórico interrogatório de do ex-presidente, no dia 10 de maio, quando ficou como réu pela primeira vez frente a frente com Moro. Como um pai repreende um filho malcriado, Dotti advertiu o colega Cristiano Zanin Martins, advogado do petista, que bateu boca com o juiz.
"Não é a dureza do processo, que o advogado deve se comportar como se estivesse fazendo uma luta livre."
Secretário de Cultura do Paraná na gestão do ex-governador Álvaro Dias (atual senador pelo Podemos), Dotti é fã de Wilde e gosta de citá-lo "a vida imita a arte" até para falar do atual cenário político brasileiro. "É um teatro do absurdo." Com vitalidade que parece não ter acompanhado sua idade, Dotti não perde sua verve artista. Colecionador de quadros, esculturas e devorador de livros, ele afirma que todo advogado é um ator. "Tem que ter sensibilidade, cuidar da exposição, da eloquência, da dicção."
Dos tempos de artistas, na década de 1950, Dotti lembra do amigo de faculdade o ator Ary Fontoura, que coincidência do destino, vive agora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro filme sobre a Lava Jato, que será lançado no dia 7 de setembro: Polícia Federal, a Lei é para Todos.
LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:
Estadão: O senhor representa a Petrobrás nas acusações da Lava Jato, o que isso significa?
René Ariel Dotti: Eu estudei na faculdade em 1954. A grande luta era o petróleo, o movimento do petróleo nacional. Por isso foi uma alegria muito grande poder representar a empresa, pelo que ela fez pelo País. Nosso papel nos processos é acompanhar as audiências de testemunhas e interrogatórios, acompanhamos os processos, funcionamos como assistentes do Ministério Público. Assistente porque a figura mais importante é o Ministério Público e nós colaboramos na medida que estamos no mesmo caminho, sustentando as mesmas teses, com o mesmo pedido. No processo da OAS, por exemplo, apresentamos argumentos adicionais no tribunal, que aumentou a pena dos réus.
Estadão: O senhor tem 50 anos de criminalista, já deve ter visto de tudo... Algo o surpreendeu no esquema de corrupção descoberto na Petrobrás?
Dotti: Claro. É uma revolução copérnica na criminalidade do País. (Nicolau Copérnico, astrônomo e matemático polonês, viveu de 1473 a 1543, revolucionou a ciência ao mostrar que a Terra gira em torno do Sol). Porque embora houvesse isso antes, nunca houve uma investigação desse tipo, nunca houve um judiciário federal com essa disposição, como o doutor Sérgio Moro. Considero uma mudança tão grande de paradigma, que podemos chamar de uma revolução copérnica da Justiça criminal brasileira. Porque são outros critérios...
A Lava Jato, por exemplo, no meu entendimento, interrompeu um golpe de estado. Um golpe de estado sem violência. Porque um golpe de estado pode ser praticado normalmente com violência, contra o governante, ele é assassinado, toma-se o poder, mas também pode ser praticado sem violência. Por exemplo, a queda do (ex-presidente João) Goulart foi um golpe de estado, a Primeira República foi um golpe de estado de Floriano. E agora, o PT ia fazer um golpe de estado, na medida em que estava corrompendo grande parte do Congresso e colocando gente no Supremo Tribunal Federal (STF) para ter uma continuidade de poder, um projeto de poder. Porque não havia quem votasse contra.
Foi até um ponto esse projeto, que quando o (José) Serra foi candidato da oposição, ele começou a campanha dele com um retrato do Lula, dizendo que precisava fazer mais. O tema dele não foi um tema de oposição, foi um tema de que precisava fazer mais.
Então veja o domínio que esse movimento exerceu no próprio País. Faculdades, universidades... A organização do PT... o que o PT fez, não a parte de corrupção, a parte de organização foi pensando em tomar o Estado, tomar o poder do Estado. Não é só o poder da assembleia, mas do Estado. De que maneira? Defendendo uma doutrina que é comum ao interesse público, que era naturalmente da ética, da moralidade, sensibilizar a classe estudantil, fazendo com que pessoas, chamando pessoas, chamando jovens, que é o que os partidos, em geral não fazem, que é chamar jovem, porque tem que esse sentimento de rivalidade com o jovem, e o PT sempre chamou os jovens. Reunia religiosos, reunia jovens, estendia em outras camadas, que os partidos não faziam isso. Por isso os partidos perdiam sistematicamente, não tinham mais apoio do povo. Aqueles grupos todos que se multiplicam, igreja, universidade etc, o PT dominou muito bem, e por isso teve o poder. E isso seria o golpe de Estado. Os partidos não pensavam nisso, eram fisiológicos só. O interesse do deputado ou senador, era o interesse de pegar o cargo, não era um interesse do estado
Estadão: O PT vai conseguir sobreviver à Lava Jato?
Dotti: Claro que pode. A Lava Jato pode ser o traço de união de um novo partido político. Embora eu não seja do partido, eu não fala política partidária, mas a Lava Jato pode ser um traço de união de uma nova agremiação política, com as pessoas que começaram, pelo menos o ideário inicial do PT. É o que fala o Tarso Genro, a refundação do partido. Acho essa uma ideia. Uma oportunidade de renascimento.
Estadão: O PT já não é o partido das massas...
Dotti: É o único partido de massas porque conseguiu com muita inteligência e trabalho desenvolver uma doutrina, que era aceita pela sociedade, porque tinha bons princípios e intenções e com isso ela criou o seu grande universo de público. Agora, é como nas revoluções, como o Império Romano, depois de uma certa altura ele cai pela corrupção. Muitas vezes cai pela corrupção.
Estadão: O pluripartidarismo brasileiro tem culpa nesse processo?
Dotti: Gera a alienação do eleitor, primeiro lugar, que não tem condição de separar o joio do trigo, a absoluta falta de coerência interna dos partidos políticos, que não têm doutrinas, eles têm interesses, não tem postulados fundamentais e a massificação. Onde a massificação entra, ela estraga tudo. E é uma massificação de partidos político no Brasil, é paradoxo.
A Lava Jato, como eu disse, é uma revolução copérnica, mas a medida que ela abriu a caixa de pandora, daí saíram as misérias todas, da lenda da caixa de pandora. Aí foi se descobrindo as coisas, da coalizão, que não é uma coalizão, é uma cooptação, foram vendo os defeitos disso tudo. A Lava Jato furou a gangrena. Fez com que a política, que já estava caída há muito tempo, caísse mais ainda. Ela derrubou a política convencional. Tanto assim, que nenhuma passeata mais aceitava políticos.
Estadão: O senhor gosta de citar Oscar Wilde, 'a vida imita a arte'. A vida tem surpreendido a arte com a Lava Jato?
Dotti: É o teatro do absurdo. O que é o teatro do absurdo, senão o Congresso Nacional, com as propostas que eles apresentam. É teatro do absurdo porque o texto é absurdo, o ator e a atriz são absurdos, do ponto de vista do que representam, o diretor tem que trabalhar com o absurdo, só não pode trabalhar com o absurdo é o espectador, que é a nossa condição perante o Congresso Nacional.
O Congresso Nacional é um palco de teatro do absurdo, onde tudo pode acontecer. Agora, nós somos espectadores, nós temos que ter a capacidade de lucidez, de saber que aquilo é o teatro do absurdo. E não ficarmos nervosos com isso. Dizer, não, isso é o teatro do absurdo, não se preocupe que é assim, é uma parte da vida que é absurda.
Estadão: E alguém tem poder para fechar as cortinas desse palco?
Dotti: Quem está na plateia, que pode sair para a rua e dizer 'esse é o teatro do absurdo, vamos ver outro tipo de peça de teatro'. É isso que a sociedade está esperando. Porque quando saíram às ruas em 2013, era isso o que nós víamos.
As pessoas dizendo nós queremos 'hospital padrão Fifa', que era o que se falava sobre os gastos na Copa do Mundo. É isso que se espera. Então saia para a rua, que foi o que aconteceu lá e foi interrompido, lamentavelmente, porque em outras passeatas aparecerem depredadores, que é também uma escola de anarquia, e aí impediram de acontecer outras manifestações pacíficas.As pessoas vivem uma anomia das convicções. Estão todos apáticos.
Estadão: Não houve um recolhimento dos movimentos de ruas?
Dotti: Por causa da decepção com o Congresso e das surpresas. Na medida que o Congresso começa a pensar criminosamente numa importância de R$ 3 bilhões para fazer um fundo... a população já é atraída para isso, para reagir e vencer. E reagiu e venceu, a reação pública venceu, retiraram. Mas o Congresso está botando minas no chão. O Congresso todo dia solta duas ou três minas para distrair a atenção do povo, é intencional. Porque não há na presidência dos trabalhos, uma orientação a excluir aquilo que é absurdo. Tudo entra, tudo se discute, mesmo o absurdo.
Estadão: É possível uma reforma penal com o atual Congresso?
Dotti: Não, com esse Congresso não dá. Porque é um Congresso de muito fisiologismo. É um Congresso que vive não um papel de representação popular, vive um papel de concentração de interesses pessoais, de interesses de pessoas e de partidos.
Estadão: O senhor defende a execução da pena em segunda instância, que tem sido uma medida encampada pela Lava Jato e pelo juiz Moro como forma de combate à impunidade?
Dotti: Não... A Justiça Federal e os tribunais federais trabalham mais rapidamente os outros tipos de tribunais. Por exemplo, a Justiça estadual é mais demorada que a Justiça Federal. Na medida em que os tribunais derem prioridade a determinados tipos de causas, que são as causas dos direitos e das garantias fundamentais, o artigo 5º da Constituição, a partir de um relatório da Fundação Getúlio Vargas, coordenado pelo professor Joaquim Falcão, diz que apenas três partes figuram em mais de 50% dos processos do Supremo Tribunal Federal, Caixa Econômica Federal, União e INSS. E diz assim, esse relatório, 'não são apenas os recursos que afogam o Supremo, são recursos de algumas poucas partes, quase todas do Poder Executivo, portanto é evidente que a redução da asfixiante carga não pode ser feita com a supressão de direitos e garantias fundamentais em matéria criminal'. E a pesquisa diz que 'o maior responsável por essa grande quantidade de recursos, não é o cidadão comum que litiga em excesso, mas um agente muito bem definido, o Poder Executivo, em especial na esfera federal'.
Tenho um projeto junto com o desembargador de São Paulo chamado Rui Stoco. Esse anteprojeto chegou a ser aprovado na Câmara dos Deputados e foi encaminhado para uma comissão de processo penal, mas não foi adiante. Ele diz que todo e qualquer condenado a pena acima de 8 anos, esteja preso ou não, tem que ter o julgamento como se fosse de réu preso, ou seja, o julgamento prioritário. Então eu defendo o julgamento prioritário daquelas condenações acima de 8 anos.
Estadão: Mas isso já não é assim?
Dotti: O problema é de gestão. O Supremo Tribunal Federal deveria fazer o seguinte: quem demanda mais, Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, são os grandes conglomerados. Então esse tem uma distribuição. Aqueles do artigo 5º, de garantias fundamentais, prisão e tal, esse é uma distribuição diferente. Então esses casos criminais seriam julgados prioritariamente.
Estadão: Mas funcionaria? A Justiça daria conta, as cadeias já não estão cheias de gente que nem julgadas foram?
Dotti: É um problema de gestão, não de lei. Se o Judiciário decidir que tem dois registros de protocolos. Um protocolo geral, os órgãos de estado, economia mista e tal. E um segundo protocolo para direitos humanos e direitos fundamentais, artigo 5º, e esses problemas das prisões processos criminais, resolvia o caso. É a gestão dos tribunais que não está bem feita e atrasada.
Dou um exemplo, a Constituição prevê o salário mínimo, entre os direitos sociais. Diz que o salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e as de sua família com: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. O salário mínimo paga isso tudo? Nunca. Mas, não podemos tirar da Constituição isso, porque é algo que se espera, algo de evolução, não podemos negar isso. Então, quando se estabelece que o princípio da presunção da inocência tem que valer, é porque ele deve estar adequado a um tipo de gestão adequada e não uma gestão que ficam os processos lá parados anos e anos e anos. Então podemos cortar esse artigo do salário mínimo da Constituição? Não podemos. O que eles fizeram foi isso, fizeram cortar um artigo da Constituição que prevê a presunção da inocência.
Estadão: As prisões preventivas também são duramente atacadas na Lava Jato. O senhor é um dos críticos?
Dotti: É um tipo de criminalidade absolutamente distinto, novo. Nem é criminalidade do colarinho branco, é muito mais do que isso, é uma criminalidade permanente. Porque continuam praticando crimes. Então a prisão preventiva é necessária. Não se trata mais daquele ladrão, que uma vez preso, não oferece mais perigo, que não tem quadrilha, trabalha sozinho. Mas esses trabalham, tem telefone, tem o exterior é um mundo de coisa.
O ministro Gilmar Mendes (do Supremo) está completamente errado nesse ponto. E fazendo propaganda... isso não faz bem. Uma propaganda que ele faz contra as prisões preventivas. Eu acho que as prisões preventivas nesses casos são necessárias. Continuam praticando crimes.
Estadão: Há quem veja excessos nas prisões do juiz Sérgio Moro?
Dotti: Não, não há. Inclusive muitas delações foram feitas com pessoas soltas. Os advogados estão hoje em dia aconselhando 'olha, o senhor garante doutor?' Olha, não posso garantir'. Então, entre o risco de uma condenação de 15 anos e ficar 1 ano (preso), ele prefere 1 ano.
É conveniência também. Salvo o aspecto cultural da delação, vem Judas e Joaquim Silvério dos Reis, esse aspecto odioso da delação, ela é um mecanismo psicológico de libertação também. Admita a hipótese de que o delinquente está ligado a um grupo criminoso para furtar bicicletas. E e esse grupo agora quer furtar automóveis. Esse grupo além de automóveis agora quer trabalhar com tóxico. E ele diz, não é isso que eu quero, ele quer cair fora. Esse é um ponto. Outro ponto é a libertação que a pessoa pode ter, não o criminoso endurecido. Esse quer o advogado para levar rádio de pilha para ele, telefone na cadeia. É um criminoso organizado, é diferente. O criminoso que não é habitual no crime, o problema do crime pesa na consciência dele, e confessar o crime alivia, tira um peso das costas. A família incentiva.
Estadão: A Lava Jato não prende para obter delações?
Dotti: Não, eu considero uma generalização isso. Porque muitas delações foram feitas sem que existissem prisões.
Estadão: O senhor faz ou faria uma delação para cliente?
Dotti: Clientes nossos preferiram fazer e escolheram um advogado para isso e eu concordei com ele plenamente. Nosso escritório não faz. Mas é a mesma coisa que um médico que tem um organismo que está infectado e precisa amputar uma perna do paciente. Ele diz para a família, precisa amputar senão ele morre. É isso. Eu não teria constrangimento em fazer uma delação de um cliente meu quando ele se sinta encurralado, traumatizado pelo fato, pelo crime, para pegar uma pena menor. Não tenho constrangimento.
Estadão: O senhor defende um aperfeiçoamento nas delações?
Dotti: E u acho que ela funciona, mas que precisa ser aprimorado sempre. O juiz deve sempre ser um arbitro distante. Ela é um problema da acusação e do réu. Juntamente com o advogado também e deve ser uma solução negociada. Acho necessário. É melhor para o Estado que haja uma pena menor mas com um prejuízo menor em relação aquela pessoa que pode voltar a trabalhar, do que ficar presa muito tempo. Vejo vantagem nisso. Não tenho constrangimento em defender a delação, tem muita gente que diz 'ah, eu não gosto de delação'. Acho que é uma solução legal, humana inclusive, em certas circunstâncias.
Estadão: Delações, preventivas, são focos de ataques de políticos que estão reagindo à Lava Jato. O senhor acha que as investigações estão sob risco?
Dotti: Não vejo risco, porque a Lava Jato tem uma base social muito grande. A sociedade toda apoia. Todos apoiam essa mudança, essa revolução de ver fulano de tal, que era uma pessoa poderosa, lá preso, que, era poderoso está sendo indiciado. A sociedade apoia isso, portanto ela não vai cair.
Estadão: Um dos embates de 2018 será se Lula será candidato e qual o peso ele terá. O senhor deu um puxão de orelha na defesa do ex-presidente na audiência em que ele afrontou o juiz Sérgio Moro
Dotti: Não faz parte da ética profissional. Tem sido comum em alguns casos da Lava Jato. Nesse caso, na minha impressão, o colega quis criar dificuldade para que o juiz não tivesse condição de terminar o interrogatório. E se não terminasse o processo não terminava ali. Senti, depois de duas horas de interrupções permanentes, que o objetivo era tentar impedir que o interrogatório se consumasse. Minha intervenção foi no sentido de que o colega não poderia se portar com aquelas agressões pessoais permanentes à pessoa do juiz.
Não é a dureza do processo, que o advogado deve se comportar como se estivesse fazendo uma luta livre. Não é a natural do processo, ao contrário. O advogado tem que ter a compreensão, que um está para acusar, outra para julgar. Ali havia um enfrentamento pessoal, procurando impedir que o juiz formulasse perguntas.
Estadão: O senhor acha que Lula será o candidato e será o fiel da balança?
Dotti: Como eu posso dizer... hahaha Não sei, não sei... Não sei como serão os processos. Se eu disser sim, vão dizer que eu sou anti Lula. Se eu disser não vão dizer que eu passei para o outro lado. Para mim fica difícil, impossível responder. O Lula representa um carisma muito grande, não tenho dúvida disso.
Estadão: O senhor era amigo de faculdade do ator Ary Fontoura, que vive hoje Lula nos cinemas. Fale sobre essa história e de suas ligações com o teatro?
Dotti: Eu ia fazer Medicina. Comecei a fez química, física, biologia... vi que não servia. Final de ano terminei o Científico (antigo colegial), era final de baile eu estava com um amigo, parecia personagem do (Frederico) Fellini, sentando em uma calçada, ele disse assim: 'como é que é, você vai para a faculdade?'. Eu disse: 'não sei, ia fazer Medicina, mas não gostei'. E ele pergungou 'Por que você não faz Direito?' Ele fazia Direito. 'Você pode ser advogado, pode ser juiz'. Eu achei bacana e me preparei, janeiro, fevereiro ... Fiz o vestibular com um amigo, passei até uma cola para ele, estava errado, vi no dia seguinte que erramos. Fiquei em oitavo lugar.
Foi no final do terceiro ano que o Ary me falou 'eu vou para o Rio, vou fazer teatro. e Você'. Eu disse para ele que não tinha mesma coragem. 'Eu vou terminar o curso e vou advogar, estou com três matérias para a segunda época.' O Ary, a gente andava, ele via um espaço de uma construção e dizia 'aqui cabem 60 cadeiras, era uma garagem'. Ele vivia plenamente isso e a gente sabia que ele ia em frente. Foi e ficou né.
O que me despertou para o teatro foi a interpretação do Rodolfo Mayer, que interpretou a pela de Pedro Bloch As Mãos de Eurídice, de Pedro Bloch, um monólogo clássivo, no Colégio Estadual do Paraná. Aquilo ali foi uma coisa fantástica. À partir dali, passei a adorar o teatro. Eu gostava também porque eu acompanhava a Rádio Nacional, que transmitia peças de teatro.
Passei a fazer teatro no Colégio Estadual, onde o Ary Fontoura estudava também. Chegamos a montar uma revista, na época era muito comum nos anos 50. Montamos uma revista chamada 'Interessa?' O Ary cordenava a revista. Criamos uma Sociedade Paranaense de Teatro. Chegamos a produzir 11 peças, em algumas eu era diretor, em outras ator. Naquele tempo ganhei um prêmio. O teatro foi fundamental para mim. Morávamos em uma bairro simples, pobre e o teatro foi uma coisa aberta para mim. Foi importante para formar uma personalidade mais ativa.
Estadão: Teve uma ligação com o jornalismo também ?
Dotti: Eu trabalhei no Diário do Paraná, que era dos Diários Associados, aqui. Fiz crônicas na página literária do Sylvio Back, 'Letras e Artes', que o Silvio Bachi diria. Fazia também uma coluna diária de teatro. Naquela época não tínhamos televisão, ele chegou em 60 aqui, e o teatro era um grande atração como o cinema também, faziam filas para o cinema.
Criamos uma sociedade paranaense de teatro, com o Ary Fontoura, produzimos peças. E daí passei a fazer essas críticas em jornal. Tudo na época de faculdade.
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