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Lei de multipropriedade: novos paradigmas e novas demandas jurídicas

Por Janaína De Castro Galvão
Atualização:
Janaína De Castro Galvão. Foto: Divulgação

Desde que foi promulgada a Lei 13.777/2018, que altera o Código Civil brasileiro e regulamenta a multipropriedade, o número de empreendimentos nessa modalidade só tem aumentado. Uma pesquisa da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit) a ser divulgada neste mês, aponta que, de abril de 2022 a março de 2023, foram lançados 180 empreendimentos - incluindo os que estão em pré-lançamento, em construção ou em operação - e o mercado registrou um Valor Geral de Vendas (VGV Total) de R$ 59,9 bilhões.

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As cifras representam um aumento de 45,38% do VGV em relação a 2022, e um crescimento de 15,38% no total de lançamentos, no mesmo período.

Certamente, a segurança jurídica trazida pela promulgação dessa lei faz o mercado avançar a passos largos nessa nova modalidade imobiliária, quebrando paradigmas e consolidando um novo regime de condomínio.

Antes, não se sabia, ao certo, qual seria a natureza jurídica desse regime de condomínio. Havia um tipo de aluguel, "time sharing", regulado por contrato atípico, que dava direito ao uso, mas sem o direito de propriedade garantido pelo registro em cartório. As mudanças legislativas trazem a segurança jurídica necessária e a solidez que o mercado precisa para passar a adotá-la como negócio imobiliário viável.

É importante fazer o registro e a diferenciação da multipropriedade imobiliária que pode ser acionária (ou societária), imobiliária de fato ou de complexo de lazer e hoteleira.

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Na modalidade imobiliária ou de complexo de lazer, a propriedade é um imóvel com uma estrutura completa de lazer e serviços, que permite aos multiproprietários aproveitem o local da forma que for mais conveniente.

Já a modalidade hoteleira tem o turismo como foco, sendo o imóvel compartilhado entre os proprietários, pelo tempo proporcional que lhes cabe e pode ser alugado. Nesse tipo, a divisão dos lucros acontecerá conforme o estabelecido pelo contrato.

Por fim, na multipropriedade acionária ou societária é feito investimento similar ao que ocorre no mercado financeiro. Nela, é formada uma sociedade proprietária que emite ações ordinárias. Quem investe recursos se torna investidor e as ações podem ser comercializadas no futuro.

O ponto basilar da diferença entre a multipropriedade imobiliária de fato e o condomínio, tal qual conhecido, é referente à regulamentação da fração ideal cabível a cada condômino. No caso do condomínio propriamente dito, a fração ideal  se dá sobre a unidade física do bem comum, ao passo que na  multipropriedade entra em cena a "unidade periódica", que corresponde à fração de tempo que cada multiproprietário adquire para uso fruição e gozo daquele bem.

Pela lei, cada unidade periódica deve ter no mínimo sete dias. Como cada ano tem 52 semanas, este é o número máximo de multiproprietários que cada multipropriedade pode ter. A unidade periódica tem matrícula própria registrada em cartório. Pode ser vendida, penhorada, cedida em locação ou comodato, ter alienação fiduciária e ser transmitida como herança.

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É de se esperar, portanto, que a gestão da multipropriedade seja complexa, ainda mais se levarmos em consideração que, na maior parte dos casos, esse imóvel em múltiplo estará dentro de um condomínio - da modalidade antiga, seja de casas ou edifícios - que também tem regras próprias estabelecidas em convenção e apoiadas, tanto no Código Civil, quanto na Lei nº 4.591/1964. E é justamente nesse ponto que surgem as questões de grande interesse jurídico.

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As benesses trazidas pela positivação da multipropriedade são facilmente constadas de plano, sendo a redução dos custos com a manutenção do bem imóvel a maior delas.

Ainda que a Lei discipline pontos importantes para regulamentação da multipropriedade, há casos omissos com os quais provavelmente o multiproprietário vai se deparar, e casos que podem vir a ser judicializados.

De fato, a própria instituição da multipropriedade em uma unidade condominial pré-estabelecida, já traz um debate jurídico premente. Antes que esse proprietário avance em suas intenções, é preciso verificar se na convenção do condomínio há a possibilidade de haver multipropriedade, pois ali deverão constar todos os multiproprietários - que também terão direito a voto, arcarão com o pagamento da fração de condomínio, além de sofrer eventuais sanções e multas separadamente.

Caso não haja previsão de multipropriedade, a mudança precisa ser aprovada em assembleia por maioria absoluta dos condôminos, conforme determina o artigo 1358-O, inciso II, do Código Civil.  A jurisprudência e a doutrina divergem acerca da formação dessa maioria dos condôminos - se seria ela de 50% mais um, ou pelo menos 2/3 de todo o grupo votante.

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Outro ponto importante de grande atenção recai na forma de administração da multipropriedade e como ela pode influenciar no uso e gozo da fração de tempo destinada a cada multiproprietário.

Como não poderia deixar de ser, a legislação prevê a obrigatoriedade de um administrador da multipropriedade, cuja função é coordenar o uso das frações de tempo, cuidar da manutenção, conservação e limpeza do imóvel, dos equipamentos e mobiliário, providenciar orçamento para substituição ou troca de equipamentos ou móveis, elaborar orçamentos e submetê-los à aprovação dos condôminos, fazer cobranças e pagamentos, dentre outros atos de administração.

Imagine-se, portanto, que a multipropriedade demande a manutenção por determinado período de tempo, impactando diretamente no usufruto da unidade de tempo de um dos multiproprietários. Qual seria a forma de indenização devida a ele pela impossibilidade desta fruição em razão da manutenção?

Muito embora o legislador tenha colocado, no parágrafo 2º, do artigo 1.358-N que, em caso de emergência, reparos podem ser feitos durante a fração de tempo de um dos multiproprietários, inclusive com possibilidade de rateio dos valores entre os condôminos, não é mencionada qualquer reparação ou indenização para aquele multiproprietário, que após um ano de espera, não consegue usufruir do imóvel pela fração de tempo que lhe cabe.

Como se vê, embora a regulamentação da multipropriedade surja como nova forma de investimento, lhe dando maior segurança jurídica, tem-se que, para além da geração de lucro, o verdadeiro investimento decorre do pleno uso do bem imóvel, através de baixo custo de preservação e manutenção, otimizando sue valor de mercado a médio prazo.

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*Janaína de Castro Galvão é sócia da área Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados

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