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Cid diz em delação que Bolsonaro consultou Forças Armadas sobre golpe após vitória de Lula

De acordo com ex-ajudante de ordens, o então presidente se reuniu com Alto Comando para consultá-los sobre minuta que permitiria intervenção militar; advogado de ex-presidente diz que não vai comentar e demais citados não se manifestam

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Foto do author Rayssa Motta
Por Rubens Anater , Fausto Macedo e Rayssa Motta
Atualização:

O ex-ajudante de ordens Mauro Cid afirmou, em delação premiada que fechou com a Polícia Federal, que o ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para anular o resultado da eleição de 2022 que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência.

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Bolsonaro, no entanto, viu esvaziar sua pretensão de permanecer no Palácio do Planalto pela via do golpe ao ouvir de um militar de alta patente: “Tudo bem, mas você também vai sair.”

A advertência, em tom ríspido, foi dada pelo oficial de alto escalão durante reunião com o então presidente e o tenente-coronel Mauro Cid, realizada depois da eleição de Lula, mas antes da posse do petista.

O recado foi claro: se golpe houvesse seria para impedir a posse de Lula, mas ele próprio, Bolsonaro, acabaria alijado da Presidência. O País passaria por um novo processo eleitoral.

Bolsonaro ouviu a repreensão, que o abateu e fez desistir da estratégia radical de tentar impedir a chegada de Lula ao Planalto.

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Nesta quinta, 21, o repórter Aguirre Talento, do portal UOL, e a repórter Bella Megale, de O Globo, publicaram detalhes da colaboração do ex-faz tudo de Bolsonaro. A reportagem do Estadão confirmou essas informações.

O Estadão apurou também que a reunião a que se referiu Mauro Cid ocorreu sob uma atmosfera ‘pesada’. No encontro, Bolsonaro revelou sua ousada ‘estratégia’ para tentar impedir a chegada do petista ao Planalto.

A munição para convencer a alta cúpula das Forças Armadas foi uma versão da ‘minuta do golpe’, que daria suporte jurídico à trama. Após exibir o documento, Bolsonaro ouviu de um dos interlocutores: “Mas você também terá de sair (do governo). Não vai poder ficar.” Na prática, o então presidente foi admoestado de que não ficaria ‘ileso’ da aventura.

Mauro Cid relatou à PF que apenas o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, aderiu à proposta. Do grupo, Ganier era o mais alinhado a Bolsonaro.

Os chefes das outras Forças não se empolgaram. O general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército, repudiou com veemência o movimento. O então comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, também não acolheu a ideia.

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Dissuadido, sem apoio, Bolsonaro silenciou.

O tenente-coronel Mauro Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante seu tempo na Presidência. Foto: Dida Sampaio/Estadão

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

De acordo com a delação, Bolsonaro – enquanto ainda era presidente – teria recebido do assessor Filipe Martins uma minuta de decreto para prender adversários e convocar novas eleições. Bolsonaro, então, segundo Cid, teria levado o documento para a alta cúpula das Forças Armadas, obtendo apoio do almirante Almir Garnier Santos.

Como mostrado pelo Estadão no início do ano, Garnier chegou a se negar a participar da passagem de comando da Marinha a seu sucessor, Marcos Sampaio Olsen, indicado por Lula. A ausência do almirante causou mal-estar nas forças.

Na delação, Cid disse que foi testemunha das duas reuniões, quando Bolsonaro recebeu o documento do assessor e também quando levou-o aos militares. Uma das suspeitas dos investigadores é que as articulações a partir dessa reunião resultaram nos atos golpistas do 8 de janeiro. A Polícia Federal ainda investiga se o documento citado por Cid é a mesma minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres.

Em sua delação, o ex-ajudante de ordens também falou sobre a falsificação de certificados de vacina que o levaram à prisão em maio, além de outros casos como o esquema de venda de joias, que envolve o presidente e arrasta militares do Exército, Marinha e Aeronáutica para problemas de Bolsonaro.

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A investigação da PF ainda deve realizar diligências para verificar a veracidade das revelações feitas pelo delator.

Em nota, a defesa de Cid afirmou não ter os depoimentos a respeito da reunião de Bolsonaro com a cúpula militar e disse que eles são sigilosos.

‘Eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial’, diz Marinha

A Marinha do Brasil divulgou uma nota à imprensa afirmando que sua conduta é pautada pela ‘fiel observância da legislação, valores éticos e transparência’ e que está à disposição da justiça para contribuir integralmente com as investigações. “Eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força”, diz o texto.

A nota afirma ainda que a Marinha não teve acesso ao conteúdo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid e que ‘não se manifesta sobre processos investigatórios em curso no âmbito do Poder Judiciário’.

‘Nenhum ordem ilegal foi descumprida’, diz Exército

O Exército também informou ao Estadão que não vai se manifestar sobre a delação de Cid, porque o caso está sob o escrutínio da Justiça e a Força não dispõe de todos os dados consolidados na investigação. De toda a forma, os generais lembram que os comandantes desempenhavam um papel de assessores do comandante e que nenhuma ordem ilegal foi cumprida pelas Forças Armadas.

Investigação estaria ‘esticando a corda’ dos militares

Em entrevista ao Estadão, os militares chegaram a dizer que veem a Justiça esticando a corda com prisões e investigações que envolvem as Forças, e alegaram que isso geraria instabilidade e insegurança. A afirmação ocorreu depois que a PF prendeu comandante da PM no DF, além de coronéis e tenente por omissão ante 8 de janeiro.

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Na acusação desse caso, a PGR narrou que provas colhidas apontam que ‘havia profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da Polícia Militar do DF que se mostrou adepta de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas’.

Em 2021, o Estadão revelou que o então ministro da Defesa, Walter Braga Netto, fez ameaça e condicionou as eleições de 2022 ao voto impresso. O caso foi no dia 8 de julho, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu um duro recado do Braga Netto, por meio de um importante interlocutor político. O general havia pedido para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. Ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Cid foi liberado da prisão para participar de delação premiada

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, estava preso desde maio, quando foi revelado um esquema falsificação de carteiras de vacinação contra a covid-19. No entanto, no último dia 9, Cid foi liberto do Batalhão da Polícia do Exército, em Brasília, após sua delação premiada ser homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Ao longo dos quatro anos em que Bolsonaro ocupou o Palácio do Planalto, Mauro Cid foi chefe da ajudância de ordens do então presidente. Esse posto é dado a um oficial, que deve ficar à disposição do presidente no desempenho das funções, como um secretário particular do chefe do Executivo.

No período, o tenente-coronel teve livre acesso ao gabinete presidencial, ao Palácio da Alvorada e até mesmo ao quarto ocupado pelo ex-chefe do Executivo em hospitais, após cirurgias.

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COM A PALAVRA, JAIR BOLSONARO

Depois de informar que o ex-presidente não iria se manifestar, a defesa de Jair Bolsonaro encaminhou uma nota em que ele afirma que ‘jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse respaldo em lei’. Confira o documento na íntegra:

A defesa do Presidente Jair Bolsonaro, diante das notícias veiculadas pela mídia na data de hoje sobre o suposto conteúdo de uma colaboração premiada, esclarece que:

  1. Durante todo o seu governo jamais compactuou com qualquer movimento ou projeto que não tivesse respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal;
  2. Jamais tomou qualquer atitude que afrontasse os limites e garantias estabelecidas pela Constituição e, via de efeito, o Estado Democrático de Direito.
  3. Reitera que adotará as medidas judiciais cabíveis contra toda e qualquer manifestação caluniosa, que porventura extrapolem o conteúdo de uma colaboração que corre em segredo de Justiça, e que a defesa sequer ainda teve acesso

COM A PALAVRA, FILIPE MARTINS

Procurado, o ex-assessor Filipe Martins não atendeu a reportagem nem respondeu as mensagens enviadas. O espaço permanece aberto para declarações.

COM A PALAVRA, ALMIRANTE ALMIR GARNIER

A reportagem também busca contato com o almirante Almir Garnier Santos. O espaço permanece aberto.

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