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Opinião|Metamorfoses cambiantes

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convidado
Por José Renato Nalini

A mente humana é labiríntica. Imprevisível o câmbio de animosidades que levam a mesma pessoa a condutas antagônicas, num curto lapso temporal.

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Nunca me conformei com o tratamento dispensado ao Imperador Pedro II pelos republicanos. O homem que, por meio século, amou e serviu ao Brasil, foi enxotado de madrugada e condenado a morrer sozinho no Hotel Bedford, em Paris, a poucos metros da Madeleine.

Quando morreu, em 5 de dezembro de 1891, o governo francês lhe rendeu grandes homenagens. Reconhecia as qualidades de um sábio, integrante do Instituto de França, que exercera, com inigualável dignidade, o poder magestático em um país amigo.

O ardor republicano repudiou a atitude francesa. Não adiantou que o embaixador francês no Rio justificasse o gesto como simpatia de sua Pátria para com o Brasil. O Clube Republicano Rio-Grandense, por seu presidente, Oscar da Cunha Correia, irmão de Rivadávia Correia, convocou o povo para um ato popular, marcado para 10.12.1891.

Impressos foram distribuídos por toda a cidade e diziam:

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“O Centro Republicano Rio-Grandense, considerando que os republicanos brasileiros não devem ficar silenciosos ante as manifestações escandalosas que os poucos partidários da extinta monarquia estão promovendo, sob o pretexto de comemorar a morte do ex-Imperador, e considerando também que não podem eles ficar indiferentes ante a atitude que o Governo francês julgou dever assumir nesta conjuntura, resolveu tomar a iniciativa de convidar os seus correligionários para uma reunião, hoje, à uma hora da tarde, no Largo de São Francisco de Paula, oferecendo desde já à sua consideração o seguinte manifesto, que será depois assinado, por todos quantos o quiserem fazer, enviado para Paris e aí publicado em francês”.

Rodrigo Octávio foi um dos impulsionadores dessa revolta e o episódio é narrado em seu livro “Minhas memórias dos outros”. Anotou no manifesto: “Este protesto foi escrito por Teixeira Mendes e adotado pelo povo em grande “meeting” no largo de São Francisco de Paula, presidido pelo Coronel Solon, no dia 11 de dezembro, à uma hora da tarde. Foi subscrito por grande número de pessoas e transmitido para Paris pelo telégrafo, nesse mesmo dia, por subscrição popular”.

Não satisfeitos, os entusiastas do golpe de 15.11.1889 promoveram a retirada da estátua de Pedro I do Largo do Rocio. Junto com Lúcio de Mendonça, Raul Pompeia, Manoel Timóteo da Costa e João Ribeiro, Rodrigo Octávio enviou ao Congresso Nacional, em 5.5.1894, um pedido de substituição da estátua do autor do “grito do Ipiranga” por outra de Tiradentes.

O argumento dos pretendentes à “desomenagem” a Pedro I era contundente: “Mentira de bronze, falsa comemoração que, no momento em que foi erigida, não o foi sem os protestos do partido liberal, e de um grupo do partido imperialista, a república não pode tolerar a continuação dessa imerecida apoteose”.

A catilinária foi publicada na íntegra, na primeira página de “O País”, em 14.5.1894 e verberava contra Pedro I, a quem chamava de “fundador da monarquia e pretenso autor da independência do Brasil”. Pois “escusado é demonstrar-vos que o estrangeiro, glorificado por aquela estátua, não foi o autor de nossa independência política: ele a vendeu ao Brasil por preço certo e elevado - dois milhões de libras esterlinas, e mais o ônus de termos como imperadores os descendentes da casa de Bragança, quando é indubitável que o civismo de nossos avós teria em pouco tempo conquistado a nossa emancipação da metrópole e fundado nesta terra da América o governo adequado, que só sessenta e sete anos depois a Revolução veio implantar”.

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Enfatizava os brios “da geração de 15 de novembro de 1889″, a acabar com “essa incoerência estranha, que só se tem mantido pela inércia do sentimento político e também - contrista-nos dizê-lo - por mal entendido espírito de concessão benévola às tradições de amizade à nação portuguesa, como se fora lícito sacrificar a uma fraternidade discutível o zelo e o melindre de nossas mais sagradas tradições”.

Como são falaciosos os arroubos nos momentos de excitação pretensamente patriótica. A série de ingratidões foi arrefecendo. A República se mostrou vulnerável e incapaz de honrar seus compromissos com o ideal democrático. Foi por anseio geral que os restos mortais de Pedro II retornaram ao Brasil. Assim como hoje se concede a Pedro I as honras que ele merece. Mas não aprendemos a permitir que a prudência, a serenidade e a sensatez inspirem nossos arroubos. Será que um dia chegaremos a tanto?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo de Mudanças Climáticas de São Paulo
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