Estudos de ciência política sugerem que os fundos eleitorais possuem um efeito benéfico sobre a corrupção, emprestando maior transparência – o candidato não ficaria dependente de financiamento privado, de modo que, se eleito, não teria a obrigação de “pagar dívidas”. Suécia, Noruega, Finlândia e Alemanha são citados como exemplos desta estratégia e ninguém contesta que o modelo que parece funcionar.
No Brasil, contudo, adotou-se um sistema misto: criou-se um Fundo Eleitoral com uma verdadeira fábula de recursos públicos e, ao mesmo tempo, permitiu-se que o financiamento privado continuasse pelas pessoas físicas.
Apenas a velhinha de Taubaté ainda acredita que não há doações de empresas para candidatos nas eleições. As empresas, de fato, continuam a contribuir, mas agora o fazem de maneira indireta – basta que se distribua bônus ao diretor ou dividendos ao proprietário, que, por sua vez, repassam esses valores para os candidatos de sua preferência. Essa tática, antes comum apenas em instituições financeiras, parece hoje amplamente utilizada em diversos setores. Desde a decisão do STF, em 2016, que proibiu exclusivamente as doações de pessoas jurídicas, o efeito colateral foi a diminuição da transparência sobre quem realmente financia as campanhas eleitorais, tornando o rastreamento dessas contribuições ainda mais difícil.
“Pelo menos, com essa fábula de dinheiro do Fundo Eleitoral, a corrupção deve ter acabado”, diria a velhinha de Taubaté. Infelizmente, ela está enganada novamente para infelicidade da ética na política. O problema não é tão óbvio e, por isso, escapa da percepção inicial.
Uma das críticas principais ao Fundo Eleitoral tem sido direcionada ao seu montante. De fato, os bilhões são um acinte, especialmente num momento em que austeridade fiscal se faz mais do que necessária. Todavia, do ponto de vista ético, esse não é o problema principal: é a sua falta de controle.
Há dois pontos problemáticos: a forma de distribuição e a forma de se gastar os recursos provenientes do Fundo Eleitoral.
Quanto à forma de distribuição dos recursos entre os candidatos, o baixo nível de governança dos partidos políticos faz com que seja extremamente difícil compreender como esses recursos são realmente divididos, quem recebe quanto, em que momento esses recursos são repassados, e quais candidatos são priorizados. A falta de transparência no processo torna quase impossível rastrear a alocação exata dos fundos, o que levanta sérias dúvidas sobre a equidade e a justiça da distribuição.
Embora a legislação eleitoral tenha estabelecido alguns critérios para essa distribuição, vinculados a quotas específicas, esses critérios apenas evidenciaram que, na prática, os recursos são direcionados conforme os interesses das lideranças partidárias. Em vez de promover uma distribuição justa e equilibrada entre os candidatos, o processo parece estar amplamente influenciado pelos objetivos e estratégias daqueles que estão no controle do partido, o que perpetua a concentração de poder e a falta de representatividade interna.
Por esse motivo, muitos partidos têm sido multados, o que inclusive gerou a PEC da Anistia de Multas a Partidos Políticos, que visa perdoar ou anistiar multas e sanções aplicadas a partidos políticos por infrações cometidas, como irregularidades no uso de recursos do fundo partidário, falta de prestação de contas ou outras violações relacionadas à gestão financeira e administrativa dos partidos.
Já a forma de se gastar os recursos do Fundo Eleitoral pode representar a continuação da corrupção, ou seja, a perpetuação da apropriação do público pelo privado. Uma vez em posse desses recursos, os candidatos têm a liberdade de gastá-los como bem entenderem, desde que sigam certas formalidades contábeis. Com isso, torna-se possível contratar parentes para “trabalhar” na campanha, alugar veículos para uso pessoal, alugar casas, ou até mesmo adquirir equipamentos eletrônicos. Além disso, existe a possibilidade concreta de forjar transações, com o objetivo de simplesmente transferir os recursos para uma conta corrente de terceiros.
Esta prática, embora ilícita, é real e muito provavelmente está ocorrendo enquanto você lê este artigo. Essa continuidade no uso indevido de recursos públicos evidencia a fragilidade do sistema, que permite que interesses privados se sobreponham ao interesse coletivo, promovendo um ciclo de corrupção que, em vez de ser combatido, acaba sendo alimentado por essas brechas na legislação.
Toda esta gama de desvios éticos vai passar despercebida pelos controles formais existentes.
Suponha-se que algum problema seja identificado pelas autoridades eleitorais. Nesta remota hipótese, o candidato poderá perder o mandato e sofrer um processo criminal que, provavelmente, deve lhe custar algumas cestas básicas. É um negócio bem menos arriscado do que a reclusão de 2 a 12 anos, pena em geral associadas a vários dos crimes contra a Administração Pública.
Retomando a pergunta provocativa, o Fundo Eleitoral não acabou com a corrupção. Em realidade, ele teve o condão de diminuir o risco pela prática da corrupção para os políticos corruptos que não mais precisarão se envolver em negociatas para se enriquecerem – basta apenas utilizar “sabiamente” o Fundo Eleitoral e todos ficarão com os recursos públicos.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica