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Opinião|O poder de investigação do Ministério Público e seus limites

convidado
Atualização:

I - INTROITO

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Conhecer a realidade da sociedade brasileira em compasso com a evolução do Direito e com as mudanças sociais é pressuposto indissociável para a compreensão do atual papel político do Ministério Público, uma vez que, assim como não se pode organizar uma justiça desconexa e abstrata, distanciada das peculiaridades sociais, políticas, culturais e econômicas de um país, também o Ministério Público, como instituição essencial e permanente de um Estado Democrático de Direito, não pode manter-se alheio a tais características.

Portanto, o presente artigo possui como finalidade analisar a legitimidade do poder investigatório criminal diretamente conduzido pelo Ministério Público, tendo em conta o atual cenário nacional e utilizando como norte a Carta Constitucional de 1988. Neste compasso, serão trazidas as posições antagônicas defendidas por renomados doutrinadores, bem como pelos Tribunais e entidades de classe, o que denota a contemporaneidade e relevância do tema aqui tratado.

É certo que a Constituição da Republica de 1988 conferiu ao órgão ministerial papel essencial e imprescindível para a tutela do ordenamento jurídico. No entanto, ao dispor sobre as funções institucionais do Ministério Público, não foi explicita quanto à possibilidade de um poder investigatório criminal por este Órgão, o que gerou embate de opiniões.

A discussão acerca da constitucionalidade do poder investigatório criminal direto do Parquet atingiu grandes proporções, coincidentemente, com um estágio da história da sociedade brasileira em que a elite dantes inalcançável pelo julgo do direito penal, passou a ser trazida às peias Justiça Criminal. Como resultado de todo esse embate de ideias e posicionamentos, muitas vezes embebidos de argumentos políticos e grande vaidade corporativa, chegou ao Congresso Nacional a discussão acerca da redefinição dos poderes investigatórios do Ministério Público, através da atribuição de exclusividade desse poder para a polícia judiciária como bem sugeria a PEC nº 37/2011, a qual restou rejeitada pelo Plenário por 430 votos a 9 e 2 abstenções.

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Visando impulsionar o País ao progresso, firmou a Carta de outubro de 1988 como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil verdadeiros paradigmas, como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais; e a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação (art. 1º, CRFB/88).

Verifica-se que, não se limitando a prever tais paradigmas, a Carta Constitucional de 1988 soube conferir ao Brasil mais um instrumento de transformação da realidade social ao eleger o Ministério Público na missão de pautar sua atuação em busca de tais ideais. Sob esse espectro, procurou a Constituição Federal de 1988 sistematizar, amplamente, as atribuições do Parquet, municiando-o com arsenal de princípios, garantias e vedações, bem maiores do que para qualquer outra instituição. Consequentemente, acabou legitimando o Ministério Público para a condução e presidência, em situações excepcionais, de suas próprias investigações.

Por outro lado, a Constituição Cidadã de 1988, ao dispor em seu artigo 144 sobre a segurança pública e as atribuições da polícia, deu margem às controvérsias jurisprudenciais e doutrinarias, que serão levantadas neste trabalho, ao conferir explicitamente à polícia judiciária (polícia civil e federal) a apuração de infrações penais e ao Órgão ministerial, entre outras funções, de modo amplo, a titularidade privativa da ação penal pública, o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art. 129, incisos I e VIII).

Neste sentido, contrapondo-se as vozes que legitimam o Ministério Público ao poder de investigação direta criminal, avultaram-se balizados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que possuem entre outros argumentos, segundo uma interpretação literal do texto Magno de 1988, o de que tal Diploma em seu artigo 144, estabeleceu a exclusividade da apuração dos fatos criminosos aos Órgãos da Polícia Judiciária, ficando o Órgão Ministerial circunscrito à titularidade privativa da ação penal pública, consoante a gramática da norma constitucional estatuída no artigo 129, inciso III. Acrescentam ainda que, ao terem sido rejeitas as Emendas que davam, em linhas gerais, ao Ministério Público o poder de fiscalização, avocação e controle da investigação criminal, a Assembléia Nacional Constituinte acabou por vedar a investigação criminal pelo Parquet.

Destarte, conhecer a estrutura, as garantias, princípios, vedações, bem como o atual papel desempenhado pela Instituição Ministerial, eleita pela Constituição Federal de 1988 como essencial ao exercício da função jurisdicional de um Estado, é sobremaneira importante para a sociedade contemporânea, que frente a este debate acalorado, impregnado de ideologias e açodamento político, resta ainda carente do verdadeiro primado de justiça e eficiência das funções estatais.

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Procuradoria-Geral da República, sede administrativa do Ministério Público Federal (MPF) Foto: José Cruz/Agência Brasil

2. BREVE HISTÓRICO, ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

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A doutrina não é uníssona quanto à origem do Ministério Público, trilhando variados posicionamentos neste sentido. Prevalece, entretanto, que a Instituição teve o seu berço na França (Revolução Francesa de 1789), pois foi onde efetivamente consegui dar seus primeiros passos em busca da atual formatação, recebendo uma estruturação mais adequada e cunhando-se a nomenclatura até hoje utilizada em todo o mundo para se referir ao Órgão, parquet, que quer dizer assoalho. Nos demais marcos, como por exemplo, na figura egípcia do magiaí, encontram-se apenas vestígios de atividades ministerial.

A formação histórica do Ministério Público no Brasil possui forte influência lusitana, vindo a iniciar-se com as Ordenações Afonsinas de 1447, ante a previsão da figura do procurador de justiça a quem incumbia levar à justiça aos órfãos, viúvas e não abastados [1]. Por sua vez, as Ordenações Manuelinas de 1521 foram as que fizeram a primeira menção expressa dos deveres do promotor de justiça. A história passa ainda pelas Ordenações Filipinas de 1603, pelo Diploma de 09 de janeiro de 1609 que regulamentou o Tribunal de Relação da Bahia, pela Independência do Brasil que culminou com a Constituição de 1824, pela Carta Republicana de 1891, golpe militar de 1930, pelo retrocesso experimentado com a constituição de 1937, pelas previsões do Código de Processo Civil de 1939, atingindo sua independência em relação aos demais poderes apenas com a Constituição Redentora de 1946, onde foram restauradas as garantias da estabilidade, da inamovibilidade dos seus membros e do ingresso por meio de concurso público.

Com a Constituição de 1967, outorgada em um período ditatorial, o Ministério Público volta a fazer parte do capítulo que tratava do Poder Judiciário. Em 1969, a EC de nº 1, realoca o Órgão Ministerial à submissão do Poder Executivo.

Com o tempo outros Diplomas normativos destacaram-se, como o Código de Processo Civil de 1973, as EC’s 7/77 e 32/78, a Lei Complementar 40/81 e a Lei nº 7347/87, conferindo maior robustecimento ao Ministério Público, retirando-o do limbo de mero defensor dos interesses do Rei e o habilitando a um dos papéis principais no cenário da democracia que seria inaugurada com a Constituição de 1988 [2].

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Fazendo um balanço diante das efêmeras conquistas experimentadas ao longo de tenebrosos períodos de incerteza e insegurança jurídica, e constatando a necessidade de se estabelecer uma simbiose entre o Ministério Público e a democracia, posto que ambos precisam um do outro para se fortalecer, a Constituição de 1988, conferiu ao Parquet o status constitucional de Instituição permanente e essencial a função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Outrossim, o Ministério Público passou a estar, a partir de então, dissociado dos demais Poderes da República, sendo-lhe conferida autonomia para criação e extinção de seus cargos, fixação dos respectivos vencimentos, capacidade de auto-organização com a elaboração de estatuto próprio, autonomia financeira, com a elaboração de seu próprio orçamento, e participação ativa na escolha de suas lideranças nos Estados e Distrito Federal, com a formação de listas tríplices para a nomeação pelo Chefe do Poder Executivo e destituição apenas pelo voto da maioria absoluta do Senado Federal ou assembléia legislativa respectiva.

Desta forma, foram criados os arsenais que legitimam o Ministério Público a protagonizar o papel mais importante de toda a sua história, uma vez que em nenhuma outra constituição o parquet obteve tratamento tão extensivo quanto na Constituição de 1988.

De lá para cá, o Ministério Público, deixando para trás um passado de subserviência aos interesses do Estado passou, de mero apêndice dos governos ditatoriais, a ocupar lugar cada vez mais destacado na organização do Estado, com papel fundamental para defesa, dado o alargamento de suas funções de proteção dos direitos indisponíveis e de interesses coletivos, como pontificou José Afonso da Silva [3].

3. O PAPEL DO MP NA ESFERA CRIMINAL

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A Constituição Federal, de forma exemplificativa, elencou em nove incisos do art. 129, as atribuições do Ministério Público, sendo complementada por farta legislação infraconstitucional que previu outras funções.

Destarte, habilitado pela Carta Magna para atuar nos mais variados ramos do direito, deixou o ministério público de ter apenas a rotulagem associada as figuras dos promotores do Júri, na esfera penal, e de fiscal da lei, no âmbito cível, assumindo em compasso com a consolidação da Democracia, entre outros, o papel de defensor da sociedade, do meio ambiente, dos direitos constitucionais do cidadão, do consumidor, das pessoas portadoras de deficiência, da criança e do adolescente, do idoso e da moralidade e patrimônios públicos.

No que tange a esfera criminal, a Constituição outorgou ao parquet a privatividade da ação penal pública, a fiscalização da aplicação da lei, o controle externo da atividade policial, o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais, deixando uma cláusula aberta para novas e complementares atribuições, ou seja, não vedou explicitamente a possibilidade de o Ministério Público, se for o caso, presidir suas próprias investigações.

O legislador constitucional, numa clara demonstração de sua opção pelo sistema acusatório, conferiu ao Ministério Público a função de acusar ao lhe atribuir a privatividade da ação penal pública.

Ressalte-se que a existência da ação penal privada subsidiária da pública e da ação penal exclusivamente privada, não afastam a participação processual do Ministério Público, o qual pode intervir em todos os termos do processo.

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Segundo leciona Guilherme de Souza Nucci [4], assumindo o controle exclusivo da ação penal, no caso de crimes de ação penal pública, o Órgão Ministerial tem a obrigatoriedade de promovê-la diante de fortes indícios de autoria e certeza da materialidade, dando inicio a fase processual da persecução criminal, a fim de que o Estado Juiz possa restabelecer a ordem jurídica violada.

Neste sentido, conforme acentua Valter Santin [5] , quando se fala em privatividade da ação penal pública deve-se subentender estarem abarcados todas as atribuições ligadas ao crime: participação e acompanhamento da prevenção e política de segurança pública; conhecimento imediato de ocorrências; participação e interferência no trabalho de investigação criminal; movimentação privativa da máquina judiciária penal; atuação na instrução judicial e na efetiva realização jurisdicional da execução da pena; e preservação dos direitos humanos.

Na mesma toada dos ventos democráticos, assumiu o MP o papel de fiscal de aplicação da lei. Não obstante seja parte no processo, é dever do parquet autuar com imparcialidade, conduzir-se como defensor dos interesses da sociedade, fiscalizar a correta aplicação e execução das leis. Desta forma, mesmo nos processos em que figure na posição de autor da ação, atuará sempre como custos legisII, podendo por esta razão interpor Mandado de segurança, impetrar habeas corpus, recorrer em favor do réu ou mesmo pedir sua absolvição ao verificar que não estão presentes os elementos indicadores da culpa. Está, portanto, o membro do Ministério Público vocacionado à persecução da Justiça.

A CF/88, de forma inovadora, conferiu ao Ministério Público atribuição para exercer o controle externo da atividade policial, cabendo a regulamentação à legislação federal. Os fundamentos dessa atribuição estão assentados, sobretudo, no exercício do poder de polícia, na falta de comunicação entre as instituições, na absoluta independência da polícia na condução das investigações e na falta de controle do MP sobre o fato criminoso.

Cumpre salientar que, a intenção do legislador constituinte ao conferir ao MP a atribuição de controle externo da atividade policial, não foi a de criar uma nova via correcional, mas outorgar ao parquet a fiscalização sobre a atividade fim da polícia, no intuito de melhorar o trabalho de investigação da polícia e atenuar as irregularidades e omissões daquela atividade.

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Consoante Hugo Mazzilli [6] , o objeto de controle do MP no que tange a atividade policial, abrange: as notícias crimes recebidas pela polícia, que nem sempre na prática são efetivamente investigadas, relegadas ao puro arbítrio policial; a apuração de crimes que envolvam os próprios policiais; casos em que a polícia não demonstra interesse em levar a bom termo as investigações; as vistas às delegacias de polícia; a fiscalização da lavratura de boletins de ocorrência; instauração e tramitação de inquéritos policiais; o cumprimento de requisições ministeriais. Em âmbito federal a matéria encontra-se disciplinada nos arts. 3º, 9º e 10, da LC 75/93, que pelo fato de não possuir correspondente em legislação federal regulamentando o MP estadual, deve ser a este aplicada subsidiariamente, de acordo com o art. 80, da Lei nº 8.625/93.

Tem ainda o órgão Ministerial, no campo penal, a atribuição de poder requisitar diligências e instauração de inquéritos policiais, sendo esta atribuição corolário da titularidade da ação penal. Assim, chegando ao conhecimento da Instituição Ministerial noticia da prática de um crime, caso não seja possível o oferecimento da denúncia de plano, estará assegurado o poder de requisição de abertura de investigativo pela autoridade policial. Da mesma forma, recebendo os autos do inquérito ou peças de informação e verificando que os elementos neles dispostos são insuficientes a formar sua convicção, o membro do MP pode requisitar a feitura de novas diligências, ex vi do art. 16, do CPP. Destarte, não cabe à autoridade policial avaliar a conveniência ou oportunidade de atender a requisição do órgão de execução do MP, por se tratar de um ato de império que não pode ser descumprido em virtude de sua compulsoriedade.

A Carta Constitucional de 1988, em vetusta opção pela adoção de um rol exemplificativo das atribuições do MP, conduziu o elenco de forma ampliativa ao inserir a cláusula aberta do inciso IX ao seu art. 129. Destarte, além das atribuições explicitamente definidas nos incisos do art. 129, a Constituição Federal possibilitou que outras funções fossem exercidas pelo MP, desde que compatíveis com sua finalidade, ou seja, defesa da ordem pública, do regime democrático, dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis. Fora criada desta forma uma cláusula de abertura, favorecendo que a legislação infraconstitucional franqueasse ao MP novas tarefas que, somadas ao poder de requisitar diligências e abertura de inquérito policial e ao poder de fiscalizar a atividade policial, servem de argumento para reforça a tese daqueles que defendem a possibilidade de um poder de investigação criminal direta pelo Ministério Público.

4. A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS

Detém o Parquet poderes implícitos com fins de realizar a investigação criminal.

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Faz-se alusão ao que disse Madison, no Federalista, n. XLIV, onde se esclareceu que ¨desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos, todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la¨, para mostrar a flagrante influência da teoria dos poderes implícitos na Suprema Corte americana após o caso ¨Mac Culloch X Maryland, em 1819.

A matéria encontrou bela síntese em voto do Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de inconstitucionalidade n. 2.797 – 2 – DF, onde se disse:

¨ “(...) Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO (” Direito Constitucional “, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional – e não aos processos de elaboração legislativa - assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos` (grifei). Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional - consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650, 1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da Republica. Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição definitiva de RUI BARBOSA (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos poderes implícitos - após referir as opiniões de JOHN MARSHALL, de WILLOUGHBY, de JAMES MADISON e de JOÃO BARBALHO - assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde MARSHALL, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (...). Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios (...).” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2 - Distrito Federal).

Tal teoria está assim resumida: ¨Quando a Constituição dá a um órgão determinado encargo implicitamente lhe confere os meios de realização dele.¨

Sendo assim a teoria dos poderes implícitos permite entender que qualquer norma constitucional que atribui a um órgão a realização de um dado fim, implicitamente lhe permite o uso dos meios necessários e hábeis a atingir tal desiderato, salvo proibição expressa da própria Constituição.

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Logo, se ao Ministério Público é outorgada a legitimidade para a propositura da ação penal pública, a ele é facultado investigar o fato para decidir se dará procedimento à denúncia ou não.

A investigação criminal é um poder implícito que teria como função a obtenção de elementos suficientes para possibilitar a formação de opinião do promotor a respeito da materialidade e autoria criminosa.

5. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO PARQUET

A investigação criminal pelo Ministério Público tem sido tendência crescente na ciência jurídica em vários países do mundo, encontrando guarida na atual sistemática processual, ganha adeptos em parcela significativa da doutrina, revelando-se como mais uma via investigatória do Estado brasileiro para apurar ilícitos, servindo de excepcional instrumento para desvendar principalmente as audaciosas empreitadas delitivas promovidas por pessoas de destaque na sociedade que antes faziam parte das chamadas cifras negras da criminalidade (casos que deixam de ser investigados pela polícia).

Destarte, descortina-se importante a análise comparativa de alguns modelos de investigação em outros países, mostrando o equívoco da proposição contida na derrocada PEC nº 37.

O Ministério Público na Alemanha encabeça a instrução criminal, estando submetido ao princípio da legalidade e obrigado a pauta-se de forma imparcial. A polícia, no processo criminal, tem como principal atribuição o esclarecimento dos fatos, servindo como órgão auxiliar que atua por ordem, direção e fiscalização do Ministério Público.

Na Itália, o MP integra o corpo da magistratura e dirige a polícia judiciária, que lhe é auxiliar. Está habilitado a desempenhar pessoal e diretamente todas as atividades investigatórias permitidas à polícia, porém, normalmente delega tais tarefas à polícia para evitar paralisá-la, o que não impede que a polícia, mesmo após a intervenção ministerial, exerça diligências para a constatação dos crimes.

Na Bélgica, inicialmente, a tarefa de realizar investigações cabe exclusivamente ao juiz instrutor. Contudo, isso sofre mitigações, uma vez que o poder acaba pertencendo também a outros órgãos, como ao MP, que colabora de variadas formas para tal tarefa.

Na França, durante as investigações, os funcionários da polícia judiciária estão sob a direção e controle do Procurador da República, o qual possui todos os poderes e prerrogativas dos funcionários da polícia judiciária, podendo realizar todos os atos necessários à investigação preliminar.

Em Portugal, com a reforma do Código Penal Português (1987), ficou reservado à promotoria o essencial das funções de investigação. O inquérito, que constitui a fase de investigação anteriormente realizada pelo juiz de instrução, abarca agora as investigações preliminares e as policiais sob a responsabilidade do MP, o qual cota com a colaboração dos órgãos de polícia e de funcionários do próprio órgão ministerial.

Na Inglaterra, a polícia é quem primeiro investiga os crimes. Daí, se existirem indícios suficientes, poderá acusar o suspeito. Sendo acusado, o suspeito terá direito de receber detalhes escritos dos delitos que lhe foram imputados e o caso é passado ao Serviço da Promotoria da Coroa, o qual então vai promover a notificação do acusado e vai preparar o caso para o julgamento. Tal Serviço foi criado com a finalidade de conduzir o inquérito, revisar a decisão de acusação e de limitar os poderes da polícia.

Finalmente, nos Estados Unidos da América, a fase de investigação inicial está confiada aos agentes policiais e às agências federais de investigação, os quais repassam as informações ao Promotor, único habilitado a determinar se há ou não elementos suficientes para apresentar a prova perante o Grande Júri. A investigação dirigida por agentes federais é feita de acordo e em coordenação com o promotor ou um advogado do Departamento de Justiça.

Tais explanações corroboram a tese de que a investigação direta do MP não quebra o compromisso de imparcialidade do seu órgão de execução, posto que inexiste qualquer tipo de interesse pessoal deste, o qual atuando com independência e objetividade, não deve buscar condenação quando os elementos contidos nos autos apontarem para a absolvição.

6. A LEGITIMAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MP NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ARGUMENTOS CONTRA E A FAVOR

Sinteticamente, o cenário se descortina da seguinte forma: de um lado estão aqueles que defendem acirradamente um amplo poder investigatório do Ministério Público, levantando entre outras teses a ideia de que quem pode o mais, pode o menos, no sentido de que se tem o parquet a titularidade privativa da ação penal, pode livremente investigar, pois os elementos de investigação destinam-se ao convencimento do titular da ação. Elevam, ainda, como justificativa do amplo poder investigatório da Instituição ministerial: as autorizações constitucionais (implícita nos incisos do art. 129, CF/88) e infraconstitucionais (arts. 7º, 8º e 38 da LC 75/93, bem como Lei 8.625/93); a falta de exclusividade da atividade investigatória pela polícia judiciária, uma vez que a expressão “exclusividade” utilizada no texto constitucional do art. 144 serve apenas para demarcar as atribuições das polícias estaduais e federais; a tendência mundial propugna pelo reconhecimento da legitimidade das investigações diretamente conduzidas pelo MP; a preservação da imparcialidade do órgão executivo do MP quando atua nas investigações criminais; desnecessidade de controle externo da investigação criminal produzida pelo parquet; as investigações realizadas por outros órgãos estatais demonstram viável a possibilidade de também o MP assim agir; indispensabilidade de investigação criminal isenta, a ser conduzida pelo MP quando a polícia não for capaz de sustentá-la de per si em razão de diversas injunções políticas, por exemplo; existem diversas resoluções do MP que disciplinam e autorizam.

Por outro lado, levantam-se as vozes contrárias a esse poder investigatório autônomo do parquet, açodando os seguintes fundamentos: a parcialidade no polo ativo e quebra da igualdade entre as partes, uma vez que o ordenamento jurídico processual brasileiro está assentado na ideia bem delimitada do sistema acusatório, onde as investigações preliminares (fase preparatória da persecução criminal) devem ser conduzidas com exclusividade pela polícia, ainda que sob o controle do MP; a Constituição Federal de 1988 veda expressamente que o MP realize investigações criminais diretamente, isto porque, o texto constitucional estabelece no art. 144, § 1º que a polícia judiciária da União é exercida exclusivamente pela policia federal, preceituando no art. 129, inciso VIII, que o parquet possui apenas o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial.

Para os defensores da tese da ilegitimidade do órgão ministerial na tarefa de investigação criminal direta, é plenamente aceitável o poder de requisitar diligências e abertura de inquérito, inclusive com respaldo em várias decisões dos Tribunais Superiores e normas constitucionais e infraconstitucionais. Ninguém discute. Coisa bem diversa, no entanto, é dar ao MP o direito de ele próprio presidir as investigações, sem qualquer controle externo, violando nitidamente a exclusividade que a carta política confere à policia federal nesta matéria.

Ademais, afirmam que o MP não estaria legitimado a tal poder, uma vez que inexiste regulamentação infraconstitucional, pois as resoluções editadas pelo parquet sobre investigações criminais extrapolam a sua atribuição. Somam, ainda, o argumento de que o controle externo da atividade policial pelo MP inviabilizaria a sua legitimidade em conduzir autonomamente uma investigação criminal. Além do que, tratar-se-ia de uma investigação criminal seletiva e desvirtuado, mormente porque os membros da instituição elegeriam somente os casos de repercussão, produzindo apenas as provas que lhes interessasse.

Outro argumento, seria o fato de que assim como existem países que admitem, existem diversos outros que vedam o poder investigatório autônomo do MP. Apontam, no mesmo compasso, que a teoria dos poderes implícitos seria inaplicável no caso de normas constitucionais expressas. Destarte, os poderes implícitos só existiriam no silêncio da constituição. E como último argumento, esclarecem que a experiência histórica nunca permitiu um poder de investigação criminal direta pelo MP.

Parece prevalecer, contudo, a posição intermediária, ou seja, aquela que, calcada nos ditames da democracia, descortina novas funções e intersecções dos órgãos responsáveis pela persecução penal, admitindo a possibilidade excepcional da investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. Neste âmbito, inserem-se as decisões até hoje tomadas pelo STF, bem como alguns pareceres de membros do MP. Argumentam no seguinte sentido: as funções institucionais do MP devem ser visualizadas de forma sistemática, de modo que, na condição de titular da ação penal, por exemplo, o MP não pode se traduzir em um mero espectador da investigação a cargo da polícia, mesmo porque, doutrina e jurisprudência são uníssonas quanto ao fato de ser o inquérito policial peça facultativa e dispensável a propositura da ação.

Ademais, a criminologia demonstrou ao longo dos anos, que a resposta policial contra toda e qualquer criminalidade não é absoluta, ou seja, as investigações empíricas do modelo que concentra a atividade investigativa apenas na polícia demonstram crescimento assustador das cifras negras. Aliás, há um consenso na comunidade jurídica de que o vigente modelo de investigação até pouco tempo confiado à polícia, não é eficaz na investigação e elucidação dos crimes.

A estatística da criminalidade global, com predominância da criminalidade de rua, agrava-se diante da escassa apuração e/ou não punição da criminalidade não convencional, crimes cometidos com especial conhecimento técnico e profissional por agentes que desfrutam de elevada posição de poder socioeconômico, dificultando a investigação e punição dessas atividades criminosas por um sistema em crise não apenas pela falta de instrumentalização, mas pela própria concepção ideologia e representações teóricas da polícia.

Neste sentido, negar ao MP a possibilidade de perquirição dos fatos é não enxergar as inovações do ordenamento jurídico promovidas após a promulgação do texto Constitucional de 1988, é não enxergar sua incompatibilidade com o Estado social de Direito desenhado, relegando importante instrumento eficaz e equilibrado, desempenhado por uma instituição independente da administração tipicamente exercida pelo Poder Executivo, e, portanto, imparcial. Por outro lado, o exercício amplo e irrestrito do poder investigatório pelo MP, significa caminhar a um outro extremo, admitindo-se uma instituição sem controle e em descompasso com a ordem constitucional que elegeu o sistema de freios e contrapesos.

Embora se reconheça a possibilidade de o MP investigar sem recorrer à polícia judiciária e ao inquérito, isso não pode ser visto como regra, mas hipótese excepcional a ser legitimada no caso concreto e encontrando limites nos princípios fundamentais do ordenamento jurídico, a exemplo, da ampla defesa, e também em normas constitucionais e infraconstitucionais. Daí necessário que seja promovida uma reforma do Código de processo penal, a fim de essa investigação preparatória da ação penal pelo MP integre as formas de persecução penal.

A PEC nº 37/2011 de relatoria do Deputado Federal Lourival Mendes tinha como objetivo acrescentar um parágrafo de número 10, ao art. 144 da CF/88, atribuindo exclusividade das investigações criminais à polícia judiciária (federal e estadual). Na justificação do Projeto, consta que:

O inquérito policial é o único instrumento de investigação criminal que, além de sofrer o ordinário controle pelo juiz e pelo promotor, tem prazo certo, fator importante para a segurança das relações jurídicas.A falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública neste processo tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil. Nessa linha, temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumentos sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao Estado de Direito vigente (...omissis...). “Ao Ministério Público nacional são confiadas atribuições multifárias de destacado relevo, ressaindo, entre tantas, a de fiscal da lei. A investigação de crimes, entretanto, não está incluída no círculo de suas competências legais. (...omissis...) Não engrandece nem fortalece o Ministério Público o exercício de atividade investigatória de crimes, sem respaldo legal, revelador de perigoso arbítrio, a propiciar o sepultamento de direitos e garantias inalienáveis dos cidadãos. O êxito das investigações depende de um cabedal de conhecimentos técnico-científicos de que não dispõe os integrantes do Ministério Público e seu corpo funcional. As instituições policiais são as únicas que contam com pessoal capacitado para investigar crimes e, dessarte, cumprir com a missão que lhe outorga o art.

Convidado deste artigo

Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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