Escrevo na tentativa de responder e desvendar essas duas perguntas: quais os fatos e quais as verdades que eles revelam? Quando retiramos os gritos e as paixões que cercam a decisão do STF, temos o seguinte fato: a prisão em segunda instância foi julgada inconstitucional pelo tribunal que tem como função zelar pela constitucionalidade das leis. Contudo, quando percebemos que o tribunal já havia julgado o mesmo tema de forma diferente em outras ocasiões, evidencia-se as nuances e complexidades da decisão.
Se a prisão em segunda instância é uma prática inconstitucional, o tribunal cumpriu a sua função. As reações passionais à decisão do STF se concentram exclusivamente no ponto de que ela permite o pedido de liberdade do ex-presidente Lula, que, por ser uma liderança carismática, desperta reações quase que exclusivamente baseadas na emoção: ou é herói ou é vilão.
Da mesma forma, esta visão apaixonada e polarizada enxerga os magistrados do STF ou como bandidos que abriram as portas para a criminalidade, ou como heróis que finalmente cessaram a continuidade de uma injusta prisão. Essas duas posições seduzem porque são simplificadoras ao extremo, dão respostas absolutas trabalhando em cenários binários de conflitos do bem contra o mal, do herói contra o vilão. Não são posições que se atém à verdade dos fatos, mas as suas emotivas e enviesadas interpretações.
Sobre as variações nos resultados das votações anteriores do mesmo tema pelo STF a questão está em tentar desvendar as razões que justificam a mudança de posição dos ministros. Mudança de entendimento da questão? Pressões sociais? Pressões políticas? Mudança no cenário político do país?
Sabe-se que as votações anteriores foram feitas em momentos políticas tensos e decisivos para os rumos políticos para o país. Pode-se especular sobre essas razões, mas elas não são corroboradas pelos votos e pelas falas públicas dos ministros. Os ministros não estão imunes às pressões e influências da realidade que os cerca, como aliás não são imunes os membros da força tarefa da operação Lava-Jato. A maior crítica feita a operação não está nos seus resultados, mas nos meios de atingi-los que teriam sido marcados muito mais pelos valores e ambições individuais que pela objetividade e neutralidade que devem pautar a Justiça.
Quais seriam as consequências políticas da possível libertação do presidente Lula, que aguardaria em liberdade o julgamento das instâncias superiores?
Em primeiro lugar é preciso considerar que Lula nunca deixou de ser um ator político importante e de ser decisivo na última eleição mesmo estando preso. A eleição de 2018 foi marcada pela polarização entre os apoiadores do presidente e o voto anti-PT, principal vetor da vitória do candidato Bolsonaro. A sua liberdade traria mais combustível para a polarização já existente. Significaria também uma dificuldade extra para o centro político que tenta se viabilizar como alternativa a agressiva polarização. E pode trazer ganhos políticos para o atual presidente, já que o medo da volta à política de Lula o fortalece como líder do movimento anti-PT.
*Maurício Fronzaglia é pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e especialista em política internacional