Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Punir o estupro virtual é dever do Estado

Com a tipificação de condutas que antes não eram puníveis na internet, as denúncias de violência sexual cresceram exponencialmente. São casos de constrangimento, assédio e ameaças, que não diferem da vida offline e causam lesões ao direito das pessoas

PUBLICIDADE

convidado
Por Raíssa Cerqueira Maia

A democratização do acesso à internet acelerou significativamente a transformação na maneira como vivemos e nos relacionamos. A rede cibernética mundial trouxe a facilidade de transmissão de informações, mercadorias e dados, mas também criou um ambiente propício à prática de crimes. No entanto, as mudanças que surgem na sociedade com as inovações tecnológicas não alteram os direitos advindos da dignidade inerentes do ser humano. O Direito, enquanto regulador da sociedade, deve acompanhar os novos fatos e realidades.

PUBLICIDADE

Na oportunidade, há se falar das atualizações legislativas que abrangem o tema em questão de crimes virtuais. A Lei 12.737/2012, popularmente conhecida como “Lei Carolina Dieckmann” criminalizou a invasão de dispositivo informático de outrem, sem a devida autorização, afim de se obter informações pessoais, incluindo os arts. 154-A e 154-B no Código Penal. Já o “Marco Civil da Internet” na Lei 12.965/2014 regulamentou os direitos e deveres dos usuários da internet.

Nessa esteira, a Lei 13.709/2018 (LGPD) regulou o manejo de informações pessoais, incluindo as digitais, por indivíduos ou entidades públicas ou privadas, visando preservar os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Por fim, a Lei 13.718/2018 inseriu o crime de importunação sexual no capítulo “Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual” com a criação do art. 215-A e de “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou pornografia” no art. 218-C do Código Penal.

Com a tipificação de condutas que antes não eram puníveis na internet, as denúncias de violência sexual cresceram exponencialmente. São casos de constrangimento, assédio e ameaças, que não diferem da vida offline e causam lesões ao direito das pessoas. Ainda não há consenso quanto à definição de estupro virtual, sobre o qual há duas correntes de entendimento. A primeira considera a possibilidade de consumação, uma vez que, pela interpretação teleológica do artigo 213 do Código Penal (CP), a finalidade da norma é proteger a dignidade sexual da vítima. Assim, na presença de grave ameaça e constrangimento, não é necessário haver conjunção carnal. O segundo entendimento fundamenta-se na necessidade de vias físicas, sustentando que, ainda que haja ameaça, esta não deve ser considerada grave.

Publicidade

O Projeto de Lei 1891/23 busca punir a modalidade virtual dos crimes de estupro e estupro de vulnerável com as mesmas penas aplicáveis aos crimes físicos. Isso inclui crimes cometidos à distância, por meio de plataformas digitais, como sites e aplicativos de internet. O objetivo do projeto é fornecer segurança jurídica para as vítimas e para o Poder Judiciário na hora de decidir, ao tipificar o crime de estupro virtual, evitando que as decisões dependam exclusivamente da interpretação de doutrinas e jurisprudências.

O que se verifica, portanto, é que a prática de estupro virtual virou realidade, urgindo a necessidade de buscar soluções legais no que tange à sua prevenção e repressão. Apesar de possível sustentar interpretação pelo enquadramento do estupro virtual nas fórmulas penais insertas nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, é latente a inclusão de norma a estender expressamente a aplicação da sanção penal cominada para estas condutas, bem como, a legitimação do exercício do poder de punir no marco do Estado de Direito.

É importante considerar a questão interpretativa que guia o aplicador das normas penais, orientada por princípios constitucionais como a dignidade humana, a razoabilidade e os da teoria penal. Nessa perspectiva, fica evidente que o objetivo do art. 213 do Código Penal, ao tratar do crime de estupro, é abranger condutas tão abusivas quanto a conjunção carnal. Restringir a interpretação significaria deixar de reconhecer a gravidade da lesão ou ameaça a direitos.

Portanto, seria – e já foi – possível enquadrar ao tipo penal previsto no artigo 213 do CP uma ação de constrangimento e grave ameaça sem necessariamente haver conjunção carnal expressamente delimitada no caput do artigo, levando em consideração a necessidade de o Direito Penal acompanhar as mudanças da sociedade, especialmente em um contexto de rápida expansão de novas tecnologias. Punir os autores de estupro virtual, portanto, sempre respeitando o devido processo legal, por corolário lógico, é dever do Estado.

Convidado deste artigo

Foto do autor Raíssa Cerqueira Maia
Raíssa Cerqueira Maiasaiba mais

Raíssa Cerqueira Maia
Advogada pós-graduada em Direito Processual e Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Processual Civil pela Faculdade CERS, é advogada em Weber Advogados. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.