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Opinião|Queda livre no combate à corrupção: um breve raio X do problema

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convidado
Por Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis

No dia 30 de janeiro deste ano, a Transparência Internacional divulgou os resultados do Índice de Percepção da Corrupção, referente ao ano de 2023, principal indicador mundial sobre a corrupção, produzido pelo referido organismo desde 1995, por meio de pesquisas de opinião fundadas em complexa metodologia própria, que avalia 180 países e territórios, atribuindo-lhes notas em uma escala entre 0 (quando o país é percebido como altamente corrupto) e 100 (quando o país é percebido como muito íntegro).

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Não surpreendentemente, o Brasil perdeu 2 pontos dos 38 mantidos de 2020 a 2022 e caiu 10 posições no ranking, terminando na 104ª colocação. Os 36 pontos alcançados no ano passado representam um desempenho ruim, que afunda ainda mais o Brasil na luta contra a corrupção, mantendo-o abaixo da média global (43 pontos), da média regional para Américas (43 pontos), da média dos BRICS (40 pontos) e ainda mais distante da média dos países do G20 (53 pontos) e da OCDE (66 pontos).

O relatório Retrospectiva Brasil 2023 faz uma análise detalhada dos principais fatos que marcaram a já abandonada agenda anticorrupção e de transparência no ano, englobando governo federal, Congresso Nacional, Judiciário, Ministério Público e o espaço cívico nacional.

O referido documento traz um rol exemplificativo de fatores negativos responsáveis pela queda do Brasil no ranking, que se somam a outras circunstâncias perenes em nossa história, caracterizadores de um verdadeiro abando institucional da agenda anticorrupção no país: eventos ocorridos no dia 8/01/2024 e suas consequências; fortalecimento do “Centrão”, pela perpetuação do “orçamento secreto” e pelo loteamento de espaços de poder, com pulverização da corrupção localizada, distorção das políticas públicas e desequilíbrio das eleições municipais de 2024; fragilização da governança pública, especialmente pelo desmonte da Lei das Estatais; nomeações prevalentemente políticas para o sistema de Justiça (nomeação de ministros do STF com vínculos pessoais e do PGR fora da lista tríplice); agravamento da impunidade nos casos de grande corrupção, em razão da anulação generalizada de condenações e sanções aplicadas a políticos e empresários; anulação monocrática, pelo ministro Dias Toffoli, das provas obtidas por meio do acordo de leniência de uma famosa empreiteira com impacto em vários países e suspensão, também monocrática, da multa de R$ 10,3 bilhões aplicada ao maior grupo frigorífico do Brasil; declaração, pelo STF, da inconstitucionalidade de normas que impediam a participação de juízes em casos envolvendo escritórios de advocacia ligados a parentes; nomeação e manutenção, em altos cargos públicos, de pessoas envolvidas em casos de corrupção; aumento do Fundo Eleitoral (R$ 4,9 bilhões), mais que o dobro do vigente para as eleições de 2020; aprovação de projeto de reforma eleitoral que flexibiliza exigências legais de transparência, de democratização de acesso à política e de controle.

Por fim, a TI aponta o fator que julgamos ser o mais sintomático e o mais grave, o qual, além de ocasionar tal declínio, dificulta ainda mais o progresso nacional contra a corrupção: a falta de uma verdadeira política pública nacional anticorrupção, com abrangência e coordenação interinstitucional e reformas legislativas eficientes (não lenientes!) contra a corrupção.

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Pode-se dizer que sempre faltou ao Brasil o estabelecimento do combate à corrupção como política pública, de Estado - e não promitente e politiqueira - realizável pela efetiva criação, desenvolvimento e execução de normas e práticas emanadas de nossas instituições e atores públicos, para aperfeiçoar os instrumentos de investigação, persecução, punição e execução das sanções contra os atos de corrupção. Entretanto, o que se vê no Brasil é justamente o contrário, um desmonte orquestrado e institucionalizado das normas, das instituições e das práticas anticorrupção, que afetam diretamente o provimento de bens e serviços públicos, solapando os direitos fundamentais e aumentando, portanto, a percepção da corrupção.

Todos os países econômica e socialmente mais desenvolvidos, que alcançaram posições superiores nos rankings de percepção da corrupção e nelas se mantém apresentam instituições fortes e comprometidas com políticas públicas anticorrupção, confirmando a correlação inversamente proporcional entre corrupção e desenvolvimento humano que a literatura especializada já indicava desde a década de 1960.

O atual Governo Federal, que deveria coordenar uma agenda anticorrupção nacional, interinstitucional e cooperativa, descumpre expressamente as genéricas e vazias promessas do seu Plano de Governo, registrado no TSE quando da candidatura do atual Presidente da República (itens 112 a 114) e caminha a passos largos para um estágio ainda pior.

Na contramão do progresso e de todos os instrumentos normativos internacionais anticorrupção dos quais o Brasil é signatário, o país se afunda na luta contra a corrupção, em meio aos choques entre o Parlamento e o Judiciário na abertura dos trabalhos legislativos e ao episódio dantesco das suspeitas levantadas pelo min. Dias Toffoli contra a TI, em sua incrível decisão que determinou a expedição de ofícios ao TCU e à CGU para investigarem “eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas.” dos recursos decorrentes do Acordo de Leniência firmado com aquele grupo empresarial no bojo da Lava Jato. Prontamente, a TI publicou nota esclarecendo que são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização.

Neste cenário caótico, não se pode olvidar que a luta anticorrupção é um dever de todos nós e como eternizou Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis
Promotor de Justiça, doutor em Direito pela USP-USAL e conselheiro superior do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC)
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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