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Opinião | Quer saúde? Proteja a biodiversidade

Muitos pesquisadores mais atentos já haviam percebido que o número e a intensidade de doenças infecciosas cresciam de uma forma aceleradamente estranha. E isso coincide com a velocidade na exterminação da natureza, conforme se apurou com o aprofundamento dos estudos

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convidado
Por José Renato Nalini

A pregação a favor da tutela da biodiversidade não consegue muitos adeptos. Na verdade, quando se começa a falar disso, o interesse desaparece, a atenção se esvai. Parece um tema esotérico, externo às nossas preocupações. Coisa de nefelibatas. Para entreter as tribos ecológicas fundamentalistas e radicais.

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Não é bem assim. O Brasil é o país com a maior biodiversidade do planeta. Não sabe protegê-la. Não quer se valer dela para a bioeconomia, que o tiraria do buraco de ser mero exportador de comodities. A ignorância, de braços dados com a ganância – a rima não é mera coincidência – vai dilapidando esse patrimônio de valor incalculável. Com isso, multiplica-se a potencialidade das doenças.

A perda da biodiversidade aumenta em 857% o risco de que surjam doenças infecciosas na comparação com ambientes que preservaram sua diversidade inicial. É o que afirma Ramana Rech, em recente artigo neste mesmo órgão da mídia.

Não é achismo. É opinião científica e integrou um estudo publicado na “Nature”, após análise de cinco fatores dentre os chamados “motores de mudanças globais”: perda de biodiversidade, mudanças climáticas, poluição química, introdução de espécies não nativas e alterações ou perdas ocorridas no habitat.

Quando acionados, os cinco motores provocam aquela alteração que vai prejudicar a nossa vida, a ponto de torná-la inviável. A campeã na transformação do mundo é a perda da biodiversidade, com probabilidade 65% maior de provocar novas doenças em comparação com a introdução de novas espécies; 111% em comparação com mudanças climáticas e 393% em comparação com poluição química.

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Uma explicação para essa correlação de influências é que o desenvolvimento correto das cidades trará melhor qualidade de água, saneamento e higiene para os humanos. Só que a expansão das zonas urbanas provoca perda de habitat para inúmeras espécies, além de parasitas e seus hospedeiros não humanos. Imerge desse estudo aquela concepção de Gaia, a Terra-Mãe, responsável por uma cadeia infinita de elos vitais. Nenhum deles pode ser rompido impunemente. Sob pena de consequências inauditas e nefastas.

A análise foi precedida de extensa busca na literatura preexistente. O resultado foi uma base de dados com 972 estudos e quase 3 mil observações dos fatores de mudança. Pesquisou-se, ainda, o que significa a existência de mais de mil grupos de parasitas e quase dois mil hospedeiros. Em tese, a maioria dos estudos considerava apenas um fator no surgimento de doenças infecciosas. Só que quase todos organismos enfrentam esses fatores de forma simultânea e conectada. Quando se verifica o papel da destruição da biodiversidade, é impossível não conectar o resultado com essa causa, até então aparentemente ignorada.

Esse estudo permitirá ajudar a formulação de políticas públicas que direcionem os recursos para os pontos mais críticos de doenças emergentes. Servirá também para mais um alerta: a destruição da biodiversidade não só contribui para acelerar a intensidade das mudanças climáticas, tornando-as mais violentas, drásticas e trágicas. Serve ainda para fazer surgir novas enfermidades, cujas causas dificilmente seriam atribuídas ao desaparecimento de espécies.

Muitos pesquisadores mais atentos já haviam percebido que o número e a intensidade de doenças infecciosas cresciam de uma forma aceleradamente estranha. E isso coincide com a velocidade na exterminação da natureza, conforme se apurou com o aprofundamento dos estudos.

Por isso é que se impõe maior seriedade na preservação dos biomas, ricas reservas para a descoberta de soluções que ajudem a humanidade a enfrentar suas misérias e fraquezas e que, mantidas como a natureza nô-las ofereceu, são insubstituíveis amigas da saúde física e mental do bicho racional.

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Mais um efeito a ser incluído na conta da devastação. Não é só o ambiente que fica ferido. É o teimoso, insistente e irresponsável ser humano, que escolheu o fim da experiência sobre o planeta Terra, que se tornará inviável como espaço acolhedor para uma espécie que prefere acabar com ele.

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Foto do autor José Renato Nalini
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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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