- O Regimento Interno do STF -- RI/STF -- determina:
Art. 321. O recurso extraordinário para o Tribunal será interposto no prazo estabelecido na lei processual pertinente, com indicação do dispositivo que o autorize, dentre os casos previstos nos arts. 102, III, a, b, c, e 121, § 3º, da Constituição Federal.[1]
- Nos meus livros, escritos sobre o tema[2] -- recursos extraordinários, nos campos civil e penal --, disse da necessidade de o recorrente, ao elaborar os recursos extraordinários, observar a norma consubstanciada no art. 321, RI/STF.
- Continuo a insistir, no ponto, porque os recursos extraordinários -- abro parêntesis aqui -- têm de conter motivação adequada e, sobretudo, vinculada. Isso porquesão recursos essencialmente técnicos; técnicos e políticos; políticos e constitucionais; constitucionais e ímpares.
- Fundamentação ou motivação vinculada[3] -- e, aqui, o parêntesis ainda permanece aberto -- quer dizer, no particular, que o recursante não pode -- e, portanto, nunca, jamais, deve -- 'reiterar' ou 'ratificar' as peças processuais e as teses anteriormente articuladas[4], por ele, nos autos. Sob pena de incidir em erro tosco e atecncia chapada.
- No CPC:
Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
I - a exposição do fato e do direito;
II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida[5].
- No STJ -- Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. CARÊNCIA DE APONTAMENTO CLARO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE TERIA SIDO MACULADO NO ACÓRDÃO ESTADUAL. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
- Consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça, o conhecimento de recurso especial exige a indicação dos dispositivos de lei federal supostamente violados. Ausente tal requisito, "incide a Súmula n.284/STF" (AgInt no AREsp n. 2.108.361/DF, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 19/9/2022, DJe de 23/9/2022).
- É sabido que, "nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o especial é recurso de fundamentação vinculada, não lhe sendo aplicável o brocardo iura novit curia e, portanto, ao relator, por esforço hermenêutico, não cabe extrair da argumentação qual dispositivo teria sido supostamente contrariado a fim de suprir deficiência da fundamentação recursal, cuja responsabilidade é inteiramente do recorrente" (AgInt no AREsp n. 2.025.474/MS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 10/10/2022, DJe de 17/10/2022).
- Agravo interno desprovido.[6]
- De modo a se fazer pertinente, no ponto -- agora fechando o parêntesis -- o apelo ao postulado da dialeticidade[7] -- ou postulado da dialeticidade recursal, caso se prefira -- tal e como tem assentado o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FUNDAMENTO DA DECISÃO ATACADA NÃO COMBATIDO. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REGIME FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
- Verificado que o agravante se restringiu a reiterar as razões do habeas corpus, sem impugnar os fundamentos da decisão agravada, incide o enunciado sumular n. 182 do STJ.
- O princípio da dialeticidade impõe à defesa o ônus de demonstrar o desacerto da decisão agravada. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "em obediência ao princípio da dialeticidade, os recursos devem impugnar, de maneira clara, objetiva, específica e pormenorizada todos os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos" (AgRg no AREsp 1262653/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 30/05/2018).
- O regime fechado é o mais adequado dada as peculiaridades do caso concreto, notadamente em razão de a condenação ser superior a 4 anos, o réu haver sido apreendido com grande quantidade de drogas em seu poder - 31,45 kg de maconha.
- Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa parte, rejeitado.[8]
- [Retomando o tema central]. O Supremo Tribunal Federal -- STF -- tem relativizado o rigor primitivo que envolvia a controvérsia revelada neste estudo.
- No final dos anos noventa até o ano de 2012, como demonstrei[9], a inobservância do preceito inscrito no art. 321, RI/STF, era conducente, em princípio, ao não conhecimento do extraordinário; o mesmo valia, analogicamente, por inafastável imposição sistemática, ao recurso especial[10]. Nesse sentido, por exemplo, dentre outros:
AGRAVO DE INSTRUMENTO -- DESRESPEITO À NORMA INSCRITA NO ART. 321 DO RISTF -- INCOGNOSCIBILIDADE DO APELO EXTREMO - RECURSO IMPROVIDO.
Revela-se insuscetível de conhecimento o recurso extraordinário, sempre que a petição que o veicular não contiver a precisa indicação do dispositivo constitucional autorizador de sua interposição ou, então, não aludir ao preceito da Constituição alegadamente vulnerado pela decisão recorrida. Precedentes[11].
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NÃO-INDICAÇÃO DA ALÍNEA QUE AUTORIZA SUA INTERPOSIÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO.
Interposição do extraordinário sem a precisa indicação do dispositivo constitucional que o autoriza. Não-observância do artigo 321 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental não provido[12].
RECURSO EXTRAORDINÁRIO -- INDICAÇÃO DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL -- FORMALIDADE ESSENCIAL.
A teor do disposto no artigo 321 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o recorrente deve indicar, na petição de encaminhamento do extraordinário, o permissivo constitucional que o autoriza. A importância do tema de fundo não é de molde a colocar em plano secundário a disciplina da matéria.[13]
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACÚMULO DE CARGOS. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. DISPOSITIVO AUTORIZADOR DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INDICAÇÃO. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
I - O acórdão recorrido dirimiu a questão dos autos com base na legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Inadmissibilidade do RE, porquanto a ofensa à Constituição, se ocorrente, seria indireta.
II - Matéria que demanda a análise de fatos e provas, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF.
III - A indicação correta do dispositivo constitucional autorizador do recurso extraordinário - artigo, inciso e alínea - é requisito indispensável ao seu conhecimento, a teor do art. 321 do RISTF e da pacífica jurisprudência do Tribunal.
IV - Agravo regimental improvido.[14]
- O Supremo, todavia, aos poucos, passou mitigar a matéria, malgrado o que assentado, no particular, no seu Regimento Interno:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INDICAÇÃO DA ALÍNEA QUE FUNDAMENTA A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
- O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, se da leitura das razões recursais for possível identificar a alínea que teria fundamentado a interposição do recurso extraordinário, não se deve aplicar o rigor do art. 321 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
- Incabível recurso contra decisão que determina a subida dos autos do recurso extraordinário para melhor exame, excetuando-se a hipótese de má-formação do agravo de instrumento, que não é o caso dos autos.[15]
- E mais recentemente:
- EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM REGIMENTAL. COFINS. LEI Nº 9.718/98 E LC Nº 70/91. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTA. LEI ORDINÁRIA E LEI COMPLEMENTAR. HIERARQUIA DE LEIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA.
Agravo regimental não provido.
- REGIMENTAL. VÍCIO FORMAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ART. 321 DO RISTF. MITIGAÇÃO.
Se da leitura do recurso extraordinário é possível se inferir seu dispositivo constitucional autorizador, deve-se apreciar a violação ao texto constitucional em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas.
- Agravo regimental não provido.[16]
Muito embora os recursos extraordinários não tenham sido interpostos com fundamento na letra d do permissivo constitucional, tenho, para mim, que a questão constitucional está presente, sendo possível a apreciação da controvérsia com apoio na letra a.[17]
- Soma-se a isso, ademais, que, o CPC, art. 1.029, § 3º, parece ter aderido à tese da mitigação:
Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
§3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave[18].
- O risco, portanto, permanece vivo e, por isso mesmo, tem de ser tecnicamente contornado, pelo recorrente, no extraordinário.
- Primeiro, porque, como acima comprovado, as divergências existentes no Supremo entre as suas duas turmas e entre os ministros de uma mesma turma, no ponto, não estão resolvidas -- não há pá de cal sobre a matéria.
- Segundo, porque a lei utilizou o verbo poder, a revelar uma faculdade, uma possibilidade -- 'dever' é outra coisa; outra coisa que -- vale destacar -- não consta no texto do CPC. Ao intérprete, decerto, não cabe inserir palavras não contidas no texto e vice-versa.
- Terceiro, porque a boa técnica instrumental indica a necessidade de o advogado, ao recorrer extraordinariamente, notadamente porque não há apenas uma única hipótese de cabimento dos recursos de natureza extraordinária, cumprir o ônus processual -- ou o requisito objetivo de admissibilidade recursal, se se preferir -- , a que se refere o art. 321, caput, CPC[19].
- O autor deste artigo informa que, ao recorrer extraordinariamente, indica, com precisão -- no mínimo, duas vezes --, na petição recursal extraordinária, o permissivo político-constitucional autorizador da interposição, para os tribunais superiores, dos recursos especial e extraordinário.
*Alexandre Langaro, advogado criminal, recursal, parecerista e palestrante. Autor de livros e artigos jurídicos. Articulista da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo e do jornal 'O Estado de S. Paulo' - Estadão. Professor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Sul. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York
[1][Redação dada pela Emenda Regimental n. 12, de 12 de dezembro de 2003].
[Alexandre Langaro, videoaula "Como fazer o seu recurso especial ser admitido", Parte 2 (https://www.youtube.com/watch?v=0X4pCnJoI60, 5' em diante)].
[2][Alexandre Langaro, 'Recurso Especial Letras A e C Passo a Passo, IOB Thomson, 2005, pág. 16 e seguintes]
[Alexandre Langaro, 'Dogmática Penal por artigos', 2020, Kindle/Amazon, https://www.amazon.com.br/Dogm%C3%A1tica-Penal-artigos-Alexandre-Langaro-ebook/dp/B08BWSRV84/ref=sr_1_2?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD].%C3%95%C3%91&keywords=ALEXANDRE+LANGARO&qid=1677953647&s=digital-text&sr=1-2&asin=B08BWSRV84&revisionId=f314bdb2&format=1&depth=1].
[3][Alexandre Langaro, videoaula "Como fazer o seu recurso especial ser admitido", Parte 1 (https://www.youtube.com/watch?v=df9T-Ac7SZg, 7' em diante)].
[4][Alexandre Langaro, videoaula "Como fazer o seu recurso especial ser admitido", Parte 2 (https://www.youtube.com/watch?v=0X4pCnJoI60, 3' em diante)].
[5][No tocante à incompletude do art. 1.029, CPC, ver o artigo anterior, meu, "A DOGMÁTICA DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS", postado, no grupo].
[6][AgInt nos EDcl no AREsp 2175300/BA].
[7][CPC
Art. 932. Incumbe ao relator:
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.
STF/SÚMULA 284
É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.
STJ/SÚMULA 182
É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.
[8][AgRg no HC 783172/ SP, grifos aditados].
[9][Vide, no ponto, notas 2 e 3].
[10][Ver, no particular, a nota 2].
[11][AgRg no AI 357834, DJ 12/4/2002].
[12][RE 367852 AgR, DJ 22/4/2005]
[13][ARE697695 AgR, 23/10/2012].
[14][AI 688875 AgR, DJ 16/12/2008].
[15][AI 682393AgR, 13/6/2008, grifado por conta].
[16][RE 488650 ED, 27/10/2011, sem os destaques no original].
[17][RE 1363013 RG/RJ, DJ 23/5/2022].
[Alexandre Langaro, videoaula "Como fazer o seu recurso especial ser admitido", Parte 2 (https://www.youtube.com/watch?v=0X4pCnJoI60, 5' em diante)].
[18][Grifos aditados].
[19][Alexandre Langaro, videoaula "Como fazer o seu recurso especial ser admitido", Parte 2 (https://www.youtube.com/watch?v=0X4pCnJoI60, 5' em diante)].