Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Sob Aras, PGR não viu provas que vinculassem Bolsonaro a fraudes da vacina; palavra final é de Gonet

Procurador-geral da República tem 15 dias para decidir se denuncia ex-presidente por falsificação em cartões de vacinação da covid-19

PUBLICIDADE

Foto do author Rayssa Motta
Por Rayssa Motta
Atualização:

Após o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por fraudes nos cartões de vacina da covid-19, a bola está com o procurador-geral da República, Paulo Gustavo Gonet, que precisa decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu um parecer em até 15 dias.

PUBLICIDADE

A última manifestação de mérito da PGR na investigação é anterior à posse de Gonet. Quem assinou o documento foi a então vice-procuradora Lindôra Araújo, braço-direito do ex-procurador-geral Augusto Aras. Ela foi de encontro às conclusões parciais da Polícia Federal (PF) e afirmou que não havia provas que vinculassem Bolsonaro às fraudes.

“Diversamente do enredo desenhado pela Polícia Federal, o que se extrai é que Mauro César Barbosa Cid teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, defendeu Lindôra.

A manifestação foi enviada ao STF em abril de 2023, antes da deflagração da Operação Venire, que prendeu o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e outros cinco aliados do ex-presidente.

Àquela altura, a PF já tinha acessado mensagens trocadas pelos investigados, que conversaram abertamente sobre as falsificações, e também já apontava que os computadores da Presidência da República foram usados para emitir e imprimir cerificados falsos em nome de Bolsonaro e de sua filha, Laura.

Publicidade

Para Lindôra, as provas atingiam o entorno de Bolsonaro, mas não o próprio ex-presidente. Ela afirmou as afirmações da Polícia Federal de “meras conjecturas” e “presunções”, “sem base probatória mínima”.

“Os elementos de informação incorporados aos autos não servem como indícios minimamente consistentes para vincular o ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro e a sua esposa, Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, aos supostos fatos ilícitos descritos na representação da Polícia Federal, quer como coautores quer como partícipes”, escreveu ao STF.

Um dos pontos levantados pela vice-procuradora é que o então presidente tinha “convicção pessoal contrária à ampla e irrestrita vacinação” e que seria “seria absolutamente paradoxal” se ele tivesse concordado com a emissão de certificados falsos de imunização em seu nome. “Caso desvelada [a fraude], acarretar-lhe-ia prejuízo político irreparável, justamente no ano em que concorreria a um novo mandato.”

Cabe ao procurador-geral Paulo Gonet dizer se vê elementos para denúncia contra Bolsonaro. Foto: Wilton Junior

Ao indiciar o ex-presidente (PL) nesta terça, 19, a PF defendeu que partiu dele a ordem para a emissão dos certificados falsos de imunização. O delegado Fábio Álvarez Shor, que conduz a investigação, listou no relatório final do inquérito sete elementos que, em sua avaliação, comprovam as fraudes e a participação do ex-presidente no esquema.

Um deles é a confissão de Mauro Cid, que fechou delação premiada e atribuiu a Bolsonaro o comando para as fraudes. Ele também afirmou à Polícia Federal que entregou os certificados falsos “em mãos” ao então presidente.

Publicidade

Em depoimento, Bolsonaro negou envolvimento no esquema, mas confirmou que sabia que, ao final do governo, a administração de sua conta no ConecteSU - aplicativo do Ministério da Saúde usado para emissão dos certificados de vacinação - foi transferida de Mauro Cid para o coronel do Exército Marcelo Câmara, que continuaria a assessorá-lo após o final do mandato. O ex-presidente justificou que a mudança ocorreu porque Mauro Cid deixaria sua assessoria. Para a PF, a declaração confirma que ele tinha “plena ciência” das emissões dos cartões falsos.

Se a PGR decidir agora que há elementos para denunciar Bolsonaro, as acusações vão passar pelo crivo do ministro Alexandre de Moraes. Cabe ao relator no STF analisar eventual denúncia e, se considerar que há justa causa, abrir uma ação penal.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

Publicidade

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

Publicidade

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

Publicidade

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do exPresidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.